O Bebê de Rosemary
Original:Rosemary’s Baby Ano:2022•País:EUA Autor:Ira Levin•Editora: Darkside Books |
O horror pode encontrar morada mesmo nas coisas mais simples. Uma casa construída em local errado, uma brincadeira inocente com a tábua ouija, um artefato milenar desenterrado, vizinhos satanistas e uma mulher grávida… Muitas vezes, menos é mais.
Escrito em 1967 por Ira Levin, O Bebê de Rosemary não tardou em se tornar um fenômeno. Apenas um ano após seu lançamento, e na verdade até mesmo antes do livro chegar às vitrines das lojas, Hollywood já estava de olho em uma adaptação que tinha tudo para ser promissora. E foi. William Castle, diretor e produtor de filmes de terror B e dono de uma extensa criatividade para promover seus filmes, logo se interessou na adaptação da obra antes mesmo de ser lançada e foi imediatamente atrás de adquirir seus direitos, porém, ficou responsável apenas pela produção. Roman Polanski foi o diretor escolhido, e fez um trabalho primoroso, seguindo praticamente à risca o livro de Levin. Tanto o filme quanto o livro são considerados obras primas clássicas do horror, abrindo as portas para outras produções relacionadas a satanismo e demônios.
Rosemary e Guy Woodhouse são um jovem casal cheio de sonhos e expectativas à procura de sua primeira casa. A oportunidade perfeita bate à sua porta quando um apartamento, no charmoso edifício Bramford, fica vago. É o lugar que Rosemary sempre quis. Sem demora, convence seu marido de que aquele é o local perfeito para começarem sua vida juntos e, futuramente, terem filhos, e assim mudam-se prontamente.
O Bramford é cheio de figuras peculiares, além de possuir um passado com histórias um tanto macabras, as quais são imediatamente ignoradas por Rosemary, que só pensa em decorar sua casa e ter uma vida tranquila. Pouco tempo depois de se mudar, acontece um suicídio no prédio e, com uma coisa levando à outra, o casal acaba conhecendo seus simpáticos vizinhos: Minnie e Roman Castevet, dois adoráveis velhinhos que se mostram extremamente solícitos. Mais do que o normal.
Pouco tempo depois, Rosemary engravida e fica radiante por isso. Roman e Minnie, sempre atenciosos e disponíveis, ajudam-na em cada passo da gravidez de modo um tanto quanto enfático, como se o bebê fosse tão importante para eles quanto para ela. Toda essa atenção começa a se transformar em desconfiança por parte de Rosemary, que começa a crer que toda sua rede de conhecidos, inclusive seu próprio marido, fazem parte de uma terrível conspiração que, de algum modo e para algum propósito, querem seu bebê.
A narrativa é simples e linear, mantendo basicamente o mesmo tom durante toda a leitura. Como é contado em terceira pessoa, sob a perspectiva de Rosemary, começamos a nos perguntar se tudo aquilo que está acontecendo é de fato real ou apenas fruto de sua imaginação, exageros, quem sabe um surto psicótico. Quem poderia pensar algo de mal de idosos simpáticos, afinal? A ironia do autor ao utilizar personagens carismáticos e aparentemente frágeis como membros de um culto a Satanás é divertidamente brilhante. A ambiguidade presente é muito bem trabalhada e, mesmo no final, com tudo revelado, ainda podemos ter uma pontinha de dúvida.
O terror presente é psicológico, advindo de um exagerado cuidado por parte de pessoas recém conhecidas para com a futura mãe, atitudes incomuns do marido e acontecimentos sinistros ao redor. A histeria que cresce em sua mente não é descreditada, Rosemary tem todos os motivos para começar a surtar, e acompanhamos essa desconfiança página a página. Mesmo fazendo de tudo, ainda assim nossa protagonista não consegue escapar dos nefastos propósitos que a aguardam, o que deixa o leitor apreensivo durante os capítulos finais, ávido para saber o que vai acontecer. As sementinhas do horror foram plantadas ao longo do livro para enfim desabrocharem e serem colhidas nos capítulos finais.
Ira Levin teve uma sensibilidade ímpar – especialmente quando levamos em conta a época na qual o livro foi escrito – ao retratar a gravidez, dores e sofrimento de Rosemary. Não temos uma protagonista passiva e bobinha que simplesmente sabe que algo estranho acontece e não faz nada, não temos nenhuma “passada de pano” para as atitudes de Guy. Rosemary luta, foge, se impõe e tenta ser ouvida de todas as formas, e é incrível uma mulher ser retratada assim, forte e independente, nos anos 60. Tal fato faz O Bebê de Rosemary envelhecer muito bem, sem sexismos exacerbados ou falas problemáticas para os dias atuais, virando uma obra atemporal. Apesar da visão moderna para a época, o horror presente pode ser considerado leve para os padrões atuais e demora um pouco a aparecer. Toda a ambientação é construída de forma lenta, e a tensão vai crescendo aos poucos, na mesma proporção que o feto no ventre da mulher se desenvolve, chegando a seu ápice momentos antes do parto acontecer e durante. Feito de forma proposital ou não, é uma alegoria interessante já que, enquanto Rosemary não está grávida, poucas coisas dignas de nota acontecem. O momento da concepção do bebê é uma das cenas mais fortes, chocantes e visuais de todo o livro, assim como o momento que a mãe olha para seu filho pela primeira vez.
Apesar do tema central ser, essencialmente, religiosidade – seja Rosemary vir de uma fervorosa família católica ou dos Castevet e seus amigos serem entusiastas ferrenhos do satanismo, cheios de objetos blasfemos em casa –, Levin usa da ironia para abordar e criticar certos comportamentos humanos e pessoas que não se importam com o que é necessário fazer para chegarem aonde querem, como é o caso de Guy. O marido é egocêntrico e interesseiro, sendo perturbador ver o que ele está disposto a fazer para alcançar seus objetivos.
Por abordar cultos e rituais satânicos mesclados à vida ordinária em uma cidade cosmopolita, terror e ironia, personagens bem trabalhados, carismáticos e com propósitos diabólicos, O Bebê de Rosemary foi considerado, e continua sendo, um clássico memorável e indispensável. Ave, Rosemary.