iZombie - Dead To The World
Original:iZombie - Dead To The World Ano:2011•País:EUA Páginas:144• Autor:Chris Roberson, Michael Allred•Editora: DC (Vertigo) |
Tentei me desapegar do sentimento que vem à mente repetidamente quando li esta obra de Allred e Roberson: um sentimento de familiaridade com Buffy: A Caça Vampiros, pelo menos em sua condução. E apesar da temática distinta, zumbis ao invés dos sanguessugas, o carnaval do monstro louco é o mesmo em ˜iZombie˜ – em tradução literal e livre, Eu, Zumbi. A história de Gwendolyn Price envolve uma coveira que leva uma vida sem muitos anseios entre conversas quadradas com sua amiga fantasma Ellie e comer cérebros frescos dos recém-enterrados.
“… E seus amigos paranormais aprontando todas e se metendo em ALTAS CONFUSÕES…”
Contém Spoilers não tão relevantes.
Esta resenha é sobre o compilado das revistas 1 a 5 (2010) com o título Dead To The World, publicada em julho de 2011 pela Vertigo.
Gwendolyn é uma personagem interessante, sim. Tem um carisma de uma gótica entediada vivendo com elementos necessários para corroborar com um universo que varia de Tim Burton a Neil Gaiman. A própria possui um design que lembra uma canção de Siouxsie & the Banshees, refletindo alguma garota presa em um pesadelo de Matterson e dirigida com o toque de gore do Sam Raimi. Essa seria facilmente a descrição de Sabrina do “As Arrepiantes Aventuras de Sabrina”, da Netflix, se não estivéssemos falando de um quadrinho de 2010 e que também gerou uma série que foi exibida de 2015 a 2019, com um total de 5 temporadas.
Viver entre os vivos se tornou uma paródia de vida, na condição de uma genuína zumbi lúcida, sabendo que, caso não coma um cérebro humano de tempos em tempos, sentirá uma fome imensurável até degradar-se em um comportamento bestial. Nada que ela não leve na boa com seus comentários ácidos e um estado eterno de azia sexy constante com sua amiga fantasma – há pelo menos mais de 40 anos -, dentro de um cemitério, tentando levar uma vida longe dos olhos mundanos. Isso é, na medida em que podemos chamar isso de rotina quando esse hábito de alimentar-se de Gwendolyn se estende por mais problemas do que normalmente traria.
A ambientação com fortes tons da década de 60, na lanchonete da Dixie, passando pela própria Ellie, tudo remete ao que parece à era de ouro da mente do autor, mas são os detalhes que mudam a intensidade e comandam o ritmo da história, passando de uma crônica fora do eixo para um episódio de uma série pop qualquer envolvendo o elemento místico.
O caldo aumenta de volume, sem engrossar, à medida que incluem grupos de vampiras em uma irmandade típica de universidades e uma organização antiga de caçadores de criaturas sobrenaturais, em meio a questões morais a que Gwen se submete dados os fios mortais que ainda se ligam às fibras musculares de sua carcaça. O ritmo é bem mais compassado e organizado do que pode parecer, sem intensos atropelos narrativos compreensíveis em roteiristas iniciantes, mas não tão seminal na proximidade com o clima investigativo de Dylan Dog, nem ao excessivo místico de festim de uma Buffy: A Caça Vampiros.
Essa massaroca advém da mente do escritor Chris Roberson, já conhecido por extensa contribuição menor em trabalhos de ficção científica com forte influência da década de 70 e 80, que vão desde Clockwork Storybook Offline, Volume I: Mythology, passando por Shark Boy and Lava Girl Adventures, pocket books de X-Men (X-Men: The Return, 2007), até Star Trek (Star Trek: Myriad Universes: Brave New World Pocket, 2008). Claro que merecia uma linha aqui para uma outra excelente contribuição, como a do publicador Roberson, na diretoria da própria Clockwork Storybook Publisher, tendo os trabalhos reconhecidos por diversas mídias especializadas, como Locus Magazine, The Magazine of Fantasy & Science Fiction, Asimov’s Science Fiction, The New York Review of Science Fiction, Infinity Plus e RevolutionSF.
E em se tratando de HQs, também não é diferente, tendo escrito para títulos de peso do selo DC, como House of Mystery (ícone para fãs do gênero horror, em sua versão nova 2009) até Fables. Nada mais justo que uma chance para mostrar sua criatividade em um título próprio.
E obviamente a cereja do bolo veio do traço de Michael Allred, conhecido por ter trabalhos extensamente influenciados pela pop art, o que explica muitas das referências citadas acima.
Seu traço é incomum, e os personagens secundários acabam por receber expressividade mais tímida, enquanto os dissonantes do nosso senso comum resmungam nas páginas uma caricata face beirando o ridículo, como o Scott, um homem-terrier, quase um lobisomem mas com cara de cachorro sem dono, e quando não, ostenta como a maioria um olhar cínico. À diferença dos traços sujos e tradicionalmente confusos de tantos outros, Allred delineia cenários complexos de forma bem simples, linhas grossas e mulheres candidatas a pinups e estranhos homens vindos de um clipe do Seal.
Outro detalhe importantíssimo é o trabalho de colorização de Laura Allred, esposa do Michael, que por vezes utiliza o padrão moiré tão presente nas impressões da já supracitada pop art, dando ainda mais um clima “brilhantina” à história, quase querendo correr para a veia noir – apesar de metida a detetive, “Gwen” está mais para Scooby-Doo que Dick Tracy.
E como eu disse anteriormente, os detalhes, inclusive da coloração, dão uma profundidade diferente à obra, como o acinzentado do uniforme da garota zumbi em comparação aos demais colegas de trabalho como dica da natureza da mesma, sem precisar obviamente apontar para a tonalidade de pele e sulcos dos olhos.
A revista foi publicada entre 2010 e 2012, sendo indicada inclusive para o prêmio Eisner Award em 2011 como Best New Stories.