As Maravilhas do Ano 2000
Original:Le Meraviglie del Duemila Ano:2022 / 1907•País:Itália Autor:Emilio Salgari•Editora: Diário Macabro |
A ideia de como será o futuro sempre esteve presente na mente das pessoas, especialmente em décadas passadas. A virada do milênio era vista como um evento de proporções gigantescas, que poderia acarretar diversas desgraças, como o fim do mundo e o bug do milênio, ou trazer imensos avanços tecnológicos benéficos. No desenho Os Jetsons, o futuro era retratado como um lugar extremamente avançado, cheio de carros voadores, robôs e outras facilidades. Comer comida sólida seria coisa do passado, ter contato com seres alienígenas e viajar ao espaço seria visto como algo cotidiano. Julio Verne também fez suas previsões de incríveis máquinas que seriam utilizadas no futuro, Blade Runner previu uma sociedade em colapso, O Exterminador do Futuro imaginou a rebelião das máquinas, Mad Max se passa num futuro apocalíptico sem água ou recursos naturais. Dentre tantos autores e obras, temos Emilio Salgari. O escritor italiano destacou-se por suas obras cheias de aventuras, normalmente em alto-mar – reflexo de sua própria juventude -, criando o famoso personagem Sandokan. Entretanto, Salgari também escreveu um livro imaginando todas as maravilhas que seriam criadas pela humanidade no futuro. Publicado em 1907, o autor foi muito certeiro em diversas previsões em As Maravilhas do Ano 2000. Após muitos anos de sua última tradução para o português, a editora Diário Macabro reviveu uma das grandes obras do italiano, com tradução direta pela Professora Doutora Silvia La Regina. A edição ainda conta com notas e comentários do Professor Doutor Alexander Meireles.
Na obra, James Brandok é um jovem cansado do que o mundo tem a lhe oferecer. Tendo viajado boa parte do mundo, nada mais o impressiona, até que o brilhante doutor Toby Holker fala de um experimento curiosíssimo. Holker afirma que descobriu como deixar um corpo em animação suspensa por longos períodos sem danos aparentes, fazendo uma breve demonstração para o amigo. Maravilhado, Brandok imediatamente aceita a proposta do cientista em dormirem por 100 anos e acordarem apenas no ano de 2003, no futuro.
O experimento de fato é um sucesso, e, após o período citado, os dois amigos são despertados por um parente de Holker, o qual começa a mostrar incansavelmente todos os avanços tecnológicos e o quanto a humanidade progrediu. Maravilhados, Brandok e Holker são inundados pelo uso excessivo da eletricidade e dispositivos elaborados a todo momento, por todos os lados. Aos poucos, o que parecia ser maravilhoso acaba se mostrando prejudicialmente desumano.
A narrativa começa bem, e sentimos o mesmo deslumbramento que os personagens quando acordam em um mundo totalmente novo e cheio de novidades. Porém, conforme avança, a leitura começa a se tornar um pouco cansativa, com descrições repetitivas e poucos acontecimentos. O foco é mostrar o futuro, mas a história acaba se perdendo um pouco no meio de tantas invenções apresentadas seguidamente. Apenas com dois terços transcorridos que temos alguns incidentes empolgantes, com um enredo que volta a prender a atenção. Aqui, vemos a característica marcante nas obras de Emilio Salgari começar a aparecer: aventuras em alto-mar. Toda a emoção e eventos conflitantes acontecem nos capítulos finais do livro.
Enquanto no começo temos um tom esperançoso e otimista de como os avanços da tecnologia beneficiaram a população, do meio para o final essa imagem muda totalmente e o pessimismo e assombro tomam conta. De utopia para distopia, o que parecia ser incrível é, na verdade, terrível. As pessoas não têm mais tempo, estão sempre correndo e quase não interagem entre si. Não há uma pausa nem mesmo para comer, sendo os alimentos ingeridos em pílulas, exceto pelos mais ricos que podem se dar ao luxo de simplesmente parar e mastigar. Os animais estão quase todos extintos, o uso da eletricidade é absurdo, a desigualdade social está maior do que nunca, o meio-ambiente pede socorro. Não muito diferente dos dias de hoje. Salgari foi muito certeiro na maioria de suas previsões, afinal. Tanto nas boas ou inofensivas quanto nas ruins.
As Maravilhas do Ano 2000 é uma obra de ficção científica que, à primeira vista, parece uma história simples e cheia de coisas perfeitas que o futuro nos reserva, mas logo retrata uma realidade mórbida e cruel, onde as pessoas não tem mais sensibilidade alguma para nada, servindo como um alerta para as futuras gerações não esquecerem de sua humanidade em prol de uma tecnologia que destrói a natureza e, consequentemente, as pessoas. Emilio Salgari imaginou um admirável, infeliz e assustador mundo novo em uma ficção que cada dia mais se torna real.