O Crime no Edifício Giallo (2022)

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O Crime no Edifício Giallo
Original:O Crime no Edifício Giallo
Ano:2022•País:Brasil
Autor:Luiz Biajoni•Editora: Rua do Sabão

Muitos conhecem o termo Giallo, do cinema italiano, graças a Mario Brava, Lucio Fulci e Dario Argento – entre vários outros cineastas que foram influentes para o gênero –, mas ele existe muito antes de Mario Brava dirigir Olhos Diabólicos, em 1963. Na década de 30, revistas Pulp com romances policiais eram publicadas na Itália e faziam grande sucesso trazendo histórias traduzidas de grandes nomes, como Agatha Christie. As capas desses livros eram amarelas, giallo em italiano, e foi assim que o nome se popularizou.

Alguns elementos constantes em obras – literárias ou cinematográficas – Giallo são: um assassino misterioso, o que investiga o assassinato e acaba virando o personagem principal, facas ou objetos pontiagudos semelhantes como principais armas do crime e a verdadeira identidade do assassino sendo revelada apenas nos momentos finais, criando um perturbador clima de tensão e desconfiança entre os personagens durante toda a narrativa, sendo intensificado por uma envolvente trilha sonora.

Luiz Biajoni, fã declarado de filmes Giallo, decidiu resgatar esse clima de suspense e mortes misteriosas e ambientá-lo no Brasil com O Crime no Edifício Giallo, unindo literatura e também uma das características marcantes dos filmes: a trilha sonora. Por meio de QR Codes no início de alguns capítulos, podemos imergir ainda mais na história com as músicas escolhidas, o que foi uma grande sacada do autor.

O Edifício Giallo é um prédio de alto padrão, onde apenas os ricos e poderosos, o crème de la crème, residem. Líderes religiosos, políticos, advogados poderosos, apenas os cidadãos defensores da família tradicional e bons costumes. Os moradores prezam por discrição e tranquilidade, mas um novo inquilino aparece para perturbar a paz. Carlo Belmonte acaba de perder seu companheiro e quer uma mudança de ares, levando sua arte, sua liberdade e seu jeito extravagante para o cobiçado edifício, o que não é bem visto por todos. Além de possuir moradores, em sua maioria, conservadores declarados, Carlo – homem negro e gay – dá diversas festas que duram noite adentro, deixando seus vizinhos perturbados. Mesmo diminuindo o barulho e a duração de suas “reuniões sociais”, ainda assim os demais inquilinos ficam incomodados com sua presença. Tão incomodados que ele é encontrado morto em seu apartamento em uma manhã, esfaqueado.

Seu vizinho de andar, o advogado John Baxter, e sua família – a esposa Carol, cujo pai é advogado influente e mora logo abaixo, e a filha Gina – eram os que mais sofriam com os barulhos das festas, e até mais do que isso. John tinha sonhos eróticos com Carlo, o que indicava uma inveja e desejos suprimidos segundo seu analista. Carol vivia dopada de remédios para conseguir dormir por causa do barulho, Gina estava descobrindo sua sexualidade e as festas ao lado despertavam seu desejo e curiosidade, Dr. Edmundo, pai de Carol, tentava persuadir Carlo a se mudar por conta das constantes perturbações. Todos pareciam suspeitos, todos com motivos para matar, todos escondem segredos, e cabe a Nanete, delegada de polícia, juntar as peças desse complexo quebra-cabeças e descobrir o culpado e a motivação para cometer tal crime.

A narrativa deixa bem claro que absolutamente todos do prédio são suspeitos e passíveis de assassinato contra um morador que “não se encaixa”, segundo seus padrões. Usam das festas e barulho para justificar animosidades com Carlo, quando fica óbvio que é apenas para mascarar o real motivo, que é muito mais pela sua cor e orientação sexual do que por festas. Por não ter vergonha de ser quem é, por não se esconder e fingir moralidade, como muitos ali. Desvios de dinheiro, corrupção e infidelidade correm soltos pelos corredores do Giallo, mas é só aparecer um negro bem sucedido que o discurso moralista aparece. Luiz Biajoni soube trabalhar muito bem essa crítica, expondo toda a hipocrisia presente. Um retrato escancarado da sociedade.

Também muito presente na obra é a discussão acerca de desejos sexuais reprimidos e sexualidade em geral. John Baxter tem sonhos eróticos com seu vizinho (cujo nome, não por acaso, é um anagrama do nome da esposa), enquanto sua própria vida sexual é monótona e sem grandes emoções. John vê em Carlo tudo que ele não é, sente que desperta algo nele, e isso fica claro em toda a construção do personagem até chegar em uma cena específica. Gina, sua filha, é tida como calma, tranquila e responsável, mas tem a necessidade de explorar sua sexualidade, tem desejos e vontades que acabam reprimidos por ter pais conservadores que ficariam escandalizados caso ela falasse alguma de suas fantasias. Gina vê as festas do vizinho como uma chance de escapar de sua entediante realidade e experimentar novas sensações.

No que diz respeito ao crime, conforme a trama avança, somos levados a crer que o culpado é óbvio. Parece que o autor quer que fiquemos desconfiados de várias pessoas, sendo que a solução é muito clara há muito tempo, como se tentasse enrolar, mas sem sucesso. Pois bem, as páginas finais guardam diversas surpresas. Biajoni não só engana perfeitamente nos fazendo pensar, erroneamente, que solucionamos o crime antes da metade do livro, como nos deixa surpreendidos com a solução derradeira. Digno de um verdadeiro Giallo, onde o mistério só é resolvido no último momento. Aliás, todos os elementos principais do gênero estão presentes (a arma do crime, as músicas marcantes, o assassinato chocante, títulos chamativos nos capítulos).

Contada sem seguir uma linearidade, a todo momento temos a revelação de histórias passadas dos personagens, de forma que conversem com o que está acontecendo no presente. Essa construção nos ajuda a conhecer mais da personalidade de cada um e o que pode ter sido o estopim para o assassinato. No final das contas, todos parecem ainda mais culpados conforme descobrimos o passado de cada um.

Toda a trama aliada à trilha sonora sugerida, composta por Perpetomobila, deixa o leitor completamente imerso em uma atmosfera intrigante, lendo e imaginando cada cena como se fosse um filme. O Crime no Edifício Giallo não é apenas uma homenagem a obras Giallo, mas também um suspense policial nacional cheio de segredos e mistérios, sendo envolvente, original e muito sagaz.

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Louise Minski

Um experimento de Schrödinger entediado.

One thought on “O Crime no Edifício Giallo (2022)

  • 18/04/2023 em 10:15
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    Será que eu acabarei realmente lendo esse livro aí, hein???

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