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O Mundo Perdido
Original:The Lost World
Ano:1960•País:EUA
Direção:Irwin Allen
Roteiro:Charles Bennett, Irwin Allen
Produção:Irwin Allen
Elenco:Michael Rennie, Jill St. John, David Hedison, Claude Rains, Fernando Lamas, Richard Haydn, Ray Stricklyn, Jay Novello, Vitina Marcus, Ian Wolfe

Muito antes de Spielberg reviver os seus tiranossauros em Jurassic Park (1993), Irvin Allen – o famoso produtor responsável pelas mais icônicas séries de ficção científica da década de 60, como Viagem ao Fundo do Mar (1964) e Perdidos no Espaço (1965) – levava aos cinemas os seus próprios dinossauros, na adaptação de uma obra menos conhecida do escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle (sim, ele mesmo, o criador do infalível detetive Sherlock Holmes). O livro em questão é O Mundo Perdido, romance publicado pela primeira vez no Reino Unido em 1912.

Irvin Allen produziu, dirigiu e colaborou com o roteiro desenvolvido por Charles Bennett (roteirista conhecido pela reiterada parceria com Alfred Hitchcock, principalmente em sua fase britânica). O enredo de O Mundo Perdido foi baseado não apenas no livro de Sir Arthur Conan Doyle, mas também na primeira versão cinematográfica de O Mundo Perdido, rodada nos primórdios do cinema, mais exatamente em 1925. Em resumo, a trama aventuresca narra a expedição de um grupo de cientistas e curiosos que viaja para uma região na Amazônia esquecida pelo tempo e habitada por criaturas gigantescas, plantas carnívoras e tribos canibais.

Entretanto, o resultado desta cooperação entre Bennett e Allen é insatisfatório em diversos níveis. O roteiro falha, por exemplo, em explorar uma fórmula muito utilizada pelo cinema de gênero: o deslocamento de um grupo de personagens urbanos  para um ambiente com características opostas as de onde originalmente eles vivem. Em O Mundo Perdido, um cientista arrogante, uma bela jovem filha de um milionário, um jornalista, entre outros, são transportados para uma região selvagem no interior da Amazônia venezuelana. Obviamente o problema aqui não é o plot principal, aliás este foi definido pelo texto original que está sendo adaptado. O ponto questionável é que o roteiro não se esforça para se beneficiar deste que seria o eixo central, ou seja, a trama não desenvolve (ou desenvolve muito pouco) situações de suspense ou estranhamento. Não é nada lógico e interessante que o grupo de exploradores, inexperientes, diga-se de passagem, aceite com naturalidade e até mesmo alguma indiferença serem perseguidos por canibais ou criaturas gigantescas que deveriam estar extintas há alguns milhões de anos.

Em relação às atuações, temos as presenças de Michael Rennie (o alienígena Klaatu do clássico Sci-Fi O Dia em que a Terra Parou, 1951) e de Claude Rains (de O Lobisomem, 1941). Também estão no elenco David Hedison (de A Mosca da Cabeça Branca, 1958) e Jill St. John (007 – Os Diamantes São Eternos, 1971). O desempenho dos atores, talvez com a exceção de Claude Rains vivendo o excêntrico Dr. Challenger, está aquém do esperado; embora tenhamos que considerar que a performance do elenco seja limitada pelo desprezo com o qual o enredo trata seus personagens, protagonistas e coadjuvantes. Além de serem superficialmente apresentados, suas características psicológicas são estereotipadas e suas intenções não são claras; são personagens rasos que não se desenvolvem, dificultando qualquer empatia por parte do espectador.

Ainda comentando sobre roteiro, existe uma diferença importante comparada ao livro e a primeira adaptação cinematográfica: durante o ato final de O Mundo Perdido (1960), nenhum dinossauro é levado para a cidade grande; já no livro, um pterodátilo é capturado e exposto em Londres (e acaba fugindo), enquanto no filme de 1925, o réptil transportado é um gigantesco brontossauro, que igualmente escapa e aterroriza a metrópole. É interessante este desfecho em que ocorre o reverso da fórmula central do argumento, deslocando a criatura de seu ambiente natural (hostil para os personagens) para um centro urbano (hostil para a criatura). Embora seja um fechamento adequado para a trama, não foi utilizado pela produção de 1960, provavelmente por questões orçamentárias.

Cabe aqui uma ponderação em relação à carreira de Irvin Allen: ainda que O Mundo Perdido seja uma produção irregular, o cineasta é reconhecido não apenas pelas séries clássicas de ficção científica anteriormente citadas, mas pela produção de incontáveis disaster movies ou filme catástrofes, como ficaram conhecidos por aqui. Entre eles estão: O Destino de Poseidon (1972), Na Noite em que a Ponte Caiu (telefilme de 1980), O Enxame (1978), Inundação (1976), Céu em Chamas (1977) e o clássico indicado a 8 Oscars, Inferno na Torre (1974). Importante também lembrar que nas décadas de 60 e 70, o subgênero dos desastres estava em alta e, apesar de apelativos e muitas vezes de qualidade duvidosa, chamavam a atenção do público. O foco neste tipo de filmes rendeu ao cineasta o título de Master of Disaster.

E mesmo com O Mundo Perdido, aparentemente as intenções de Allen eram “nobres”. O cineasta comprou no final dos anos 50 os direitos para a adaptação cinematográfica do romance de Sir Conan Doyle por algo em torno de US$ 100 mil. A ideia era que seu Mundo Perdido melhorasse o respeitado clássico de 1925, adicionando então cores e som, além de aproveitar a tecnologia Cinemascope, que permitia filmar em widescreen, uma inovação que possibilitava imagens até duas vezes mais largas, alterando radicalmente a estética cinematográfica de até então. Todavia as coisas não sairiam exatamente como o cineasta esperava, já que a 20th Century Fox havia gastado em excesso com Cleópatra (lançado somente em 1963) e direcionou apenas US$ 1,5 milhão para O Mundo Perdido (valor extremamente baixo, pensando em um blockbuster).

Lamentavelmente, o design das criaturas, que deveria ser o principal atrativo em um longa como O Mundo Perdido, acabou sendo o maior impactado pelas limitações de orçamento. O plano inicial seria utilizar a técnica de stop motion, porém o cineasta acabou abandonado a ideia e adotando uma solução simples e prática: filmar animais reais como jacarés, iguanas e lagartos; e no corpo destes fixar detalhes em plástico ou borracha, representando chifres e barbatanas. Não era uma técnica inédita, a mesma havia sido utilizada em outros filmes na época, com algum êxito. Contudo, é impossível ignorar que o aspecto visual de um dinossauro, seja um brontossauro ou um tiranossauro, mesmo na época, fazia parte do imaginário popular, o que tornava improvável uma iguana com chifres se passar por um réptil do período jurássico. Enfim, as criaturas em O Mundo Perdido são decepções que parecem no máximo, animais gigantes.

O espectador mais atento poderá notar que o americano Willis O´Brien (responsável pelos efeitos da versão anterior de O Mundo Perdido e pela adaptação, em 1933, de King Kong) é creditado como técnico de efeitos especiais. Aparentemente a citação de seu nome é apenas uma estratégia publicitária, pois sua contribuição teria sido mínima, para não dizer nenhuma. Em entrevista futura, O´Brien iria afirmar que prefere os efeitos utilizados em 1925.

Curiosamente, Irwin Allen aproveitou várias das cenas de arquivo de O Mundo Perdido em episódios de suas séries na televisão, como em Terra de Gigantes e O Túnel do Tempo. Ainda na década de 60, o cineasta teria tentado – sem sucesso – vender para estúdios o projeto de uma série derivada de O Mundo Perdido.

No entanto, apesar de todas as dificuldades e limitações impostas pelo orçamento pequeno e mesmo que O Mundo Perdido (1960) não tenha sido um estrondoso sucesso de bilheteria, o filme se pagou, rendendo US$ 2,5 mi nos cinemas canadenses e americanos. Posteriormente, por suas repetidas exibições na TV aberta ao redor do mundo, o longa acabou se tornando um pequeno clássico, independente de sua qualidade.

É inevitável reforçar que a previamente comentada versão de 1925 para os cinemas de O Mundo Perdido, dirigida por Harry O. Hoyt, mesmo que rodada em preto e branco e mudo, é inegavelmente superior ao longa-metragem de Irvin Allen. Inclusive, é superior também a outro longa homônimo, que seria lançado no futuro: O Mundo Perdido, continuação de Jurassic Park dirigida por Spielberg em 1997, produção esta sem vínculo direto com a obra de Doyle (na verdade, uma adaptação do romance de Michael Crichton).

Enquanto esta crítica é escrita, O Mundo Perdido (1960) não se encontra disponível legalmente em nenhuma plataforma de streaming no Brasil e nem foi lançado de forma oficial em DVD ou Blu-ray. Já a produção de 1925 pode ser encontrada facilmente no Youtube, inclusive legendado em português.

Em resumo, por paradoxal que soe, apesar de todas as imperfeições listadas, é possível alguma porção de entretenimento e satisfação quando revisitamos uma obra do gênero rodada há 6 décadas; seja aproveitando o esperado estranhamento causado pelas diferenças culturais deste passado distante, que foram os anos 60, e os nossos dias atuais ou se divertindo com os efeitos e truques visuais, que exigiam muita criatividade de seus realizadores – ainda mais quando a grana era pouca.

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