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Amplificador
Original:Amplificador
Ano:2023•País:Brasil
Autor:César Bravo•Editora: Darkside Books

A pequena e não tão pacata cidade de Terra Cota passou por poucas e boas nos últimos anos. Após a pandemia do coronavírus, precisou lidar com fanáticos religiosos perigosos, ataques de maritacas desvairadas, segredos obscuros sendo revelados a todos (quem mora em cidade do interior sabe bem o horror que é ter sua vida exposta e sendo alvo de fofoca pelos vizinhos a cada tosse dada), inúmeras mortes, rádios captando ondas estranhas e, como se isso não fosse o suficiente, uma fofa plantinha espiralada do mal vinda do espaço sedenta por sangue e caos e mania de ser matematicamente impecável – alô, proporção áurea. Parece que todo o mal e desgraças de sua vizinha, Três Rios, resolveu fluir para Terra Cota, tamanha a quantidade de acontecimentos bizarros em sequência. Depois de todo o horror cósmico botânico (lembram que esse termo ficou registrado? Pois bem) de 1618, parece que a cidadezinha finalmente teria alguma paz. Mas César Bravo, em sua genialidade visceral, parou e pensou: “E se eu pegasse tudo de ruim que aconteceu e amplificasse um pouco mais as coisas?Terra Cota claramente não bateu sua cota de horrores – com o perdão do trocadilho – na visão de Bravo.

E cá estamos com Amplificador. Tem como ser mais autoexplicativo que isso?

As coisas pareciam estar melhores em Terra Cota. O rádio não emitia mais ruídos estranhos em certas frequências, as maritacas estavam bem longe da cidade, animais voltaram a agir normalmente e, o principal: as plantinhas espiraladas sumiram. Ainda estavam se recuperando dos sustos anteriores, mas o pior parecia ter passado. E é claro que os humanos não podem ver nada quieto que já vão lá cutucar.

Um grupo de pessoas resolve explorar a caverna de cristais que foi o epicentro de tudo de ruim que aconteceu em Terra Cota anteriormente, mesmo sinalizada com placas de “proibido entrar” e “perigo”. Placas e faixas nunca impediram ninguém, especialmente se há muito dinheiro envolvido. E lá vai o grupo, ciente que o lugar é perigoso e pode desabar a qualquer momento, apenas para coletar as ditas sementes mágicas que curam todas as doenças, lenda que se espalhou pelos habitantes. Após muitos perigos, conseguem o que vieram buscar, porém, as sementes começam a se modificar (evoluir, adaptar) imediatamente após entrarem em contato com mãos humanas, e o grupo coleta o máximo que pode. Não é nem preciso dizer que esse pequeno ato vai desencadear uma nova série de horrores em Terra Cota. Se você achou 1618 pesado, melhor se preparar para o que está por vir, de forma amplificada.

Amplificador é uma continuação direta de seu predecessor, 1618. Portanto, diferente das outras obras do autor publicadas pela DarksideUltra Carnem, VHS e DVD -, é altamente recomendável ler 1618 primeiro, apesar de termos um panorama geral no começo do livro sobre algumas desgraças anteriores. Muita coisa pode ficar confusa ou incompreendida caso comece a se aventurar pelo interior amaldiçoado de César Bravo por Amplificador.

Aqui, voltamos ao formato de contos que Bravo utiliza em outros livros, dividido em seis “fases”, onde vemos o terrível desenrolar dessa expedição à caverna proibida e como afetou cada canto de Terra Cota. Em um primeiro momento – melhor dizendo, os ruídos da primeira fase –, são contos aparentemente independentes entre si – sempre com as sementinhas malditas estando envolvidas de alguma forma –, mas não tardam a se interligarem nas fases subsequentes. Os contos iniciais são apenas o prelúdio macabro. Logo personagens conhecidos voltam a aparecer, tendo que lidar mais uma vez com cenas grotescas diante de seus olhos, ainda mais aterrorizantes do que antes. Apesar de vários rostos conhecidos e das drogarias Piedade fazendo uma participação especial antes de cada fase, suas personalidades já foram trabalhadas antes, portanto, apresentações são, em grande maioria, desnecessárias (por isso a importância de ler o livro anterior).

Enquanto em 1618 temos um início cheio de suspense, passando pela ficção científica até chegar no ápice do horror, em Amplificador César Bravo chega com os dois pés em uma voadora na porta. Logo de cara temos cenas brutais, descritas de forma absurdamente gráficas e cheias de sangue correndo por todo lado. Mais do que nunca, as influências e referências a Clive Barker ficam muito claras, em especial no conto Tinnitus. O horror corporal presente alcança níveis perturbadores de grotesco, com direito a mutilações e órgãos expostos sem poupar detalhes. Quem já leu a coletânea Livros de Sangue vai entender perfeitamente do que estou falando. Em outras palavras, se gosta de descrições cheias de carne, sangue e vísceras espalhadas, comece a ler imediatamente. Não é segredo para ninguém que Bravo é fã declarado de Barker, e claramente eles compartilham bem mais do que as mesmas iniciais, mas também a mesma veia pulsante ávida por horror. Novamente, a excelência do terror nacional se mostra presente.

Na resenha de seu livro anterior, escrevi que era possível perceber alguns ares de Invasores de Corpos. Em Amplificador, isso se intensifica ainda mais, com essa invasão sendo até em maior escala do que na obra de Jack Finney, inclusive. A ficção científica tão presente em 1618 vai dando espaço cada vez mais para o horror em sua forma mais pura, mais grotesca.

O bizarro começa a coexistir com o normal, e logo o normal fica no passado. Horror botânico, horror cósmico e horror corporal se fundem e viram um só, um híbrido que resulta em uma narrativa extrema onde não há espaço ou tempo para sutilezas ou lamentos, tudo acontece de maneira amplificada, chocante, rápida e esmagadora. Como é costume do autor, os horrores presentes estão cheios de reflexões e críticas à sociedade; expõem a podridão dos gananciosos, a vaidade exacerbada, a preocupação com aparência sem pensar nas consequências, o perigo do fanatismo desenfreado, o descaso com comunidades miseráveis. E, no meio de tanto chorume tóxico, pessoas capazes de fazerem o que é certo. Nem tudo é dor e sofrimento, há alguma esperança, por minúscula que seja.

César Bravo leva o título Amplificador ao pé da letra, inclusive em sua escrita e, correndo o risco de soar redundante, amplificando cada vez mais seu Bravoverso. É provavelmente o trabalho mais visceral do autor já publicado pela Darkside Books. Todas as sensações, acontecimentos e descrições são, de fato, intensificados e entrelaçados. 1618 era só o começo, e podemos concluir pelo epílogo que esse foi apenas o durante. Sim, ao que tudo indica, Terra Cota ainda precisa se preparar para o depois. Uma coisa que César Bravo deixa claro – e que podemos ver diariamente tanto nos noticiários quanto pessoalmente – é que as pessoas conseguem suportar as maiores tragédias e horrores e se reerguerem, mas não importa o quanto tudo esteja ruim, elas sempre conseguem se mostrar mesquinhas, individualistas e capazes de coisas hediondas; os verdadeiros monstros.

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