5
(3)

A Lua dos Bruxos
Original:Warlock Moon
Ano:1973•País:EUA
Direção:William Herbert
Roteiro:William Herbert
Produção:William Herbert
Elenco:Laurie Walters, Joe Spano, Edna MacAfee, Harry Bauer, Charles Raino, Ray K. Goman, Steve Solinsky, Richard Vielle, Michael Herbert, Joan Zerrien, Rand Herbert, William Herbert, Valerie Morrow, J. Randel Munro

Um dos motivos pelo qual eu gosto tanto de filmes esquecidos pelo público é o simples fato de que eles não apenas têm a capacidade de nos entreter, mas também podem mudar seu ponto de vista das coisas. Acompanhem comigo: todos vocês já assistiram ou no mínimo sabem da fama de O Massacre da Serra Elétrica, certo? Pois, pelos idos de 1973, enquanto Tobe Hooper fazia a edição final de seu debut e mais importante filme, ele ouviu algo sobre uma outra produção com um roteiro estranhamente parecido estar prestes a sair e entrou em pânico. Afinal, dois temas parecidos ganhando as telas quase simultaneamente poderia canibalizar o interesse potencial e repartir a atenção do público pagante.

Esta película em questão é Warlock Moon, que foi lançado antes de O Massacre da Serra Elétrica, mas para a sorte de Hooper (daqui a pouco veremos que não foi tanto por conta da sorte), a produção dirigida e roteirizada por um desconhecido William Herbert não capturou a atenção, saiu de cena como um célebre desconhecido. Alguns meses depois, a estreia de Leatherface aconteceu e o resto é história. Aí você me pergunta como isto pode acontecer? Dois longas com premissas similares sendo que o primeiro foi absolutamente ignorado enquanto outro é um dos maiores sucessos comerciais e críticos do cinema de horror? Ambos foram rodados em locais considerados redutos de hippies nos anos 70 (Warlock Moon em Livermore e Berkley, Califórnia e O Massacre da Serra Elétrica na região de Austin, Texas) e ambos são uma versão as avessas da historinha de “João e Maria“…

Claro que a produção não faz par com o filme de Hooper – mistura conceitos demais e de fato é péssimo tecnicamente -, porém tem aquele estilo exagerado do exploitation trash dos anos 70 que garante algumas horas de diversão. Sem adiantar juízos, o título original deveria ser “Bloody Spa“, o que seria um nome muito mais adequado, porque em Warlock Moon não existe nenhum “Warlock” e sequer há alguma “lua” mostrada ou envolvida na história.

A película abre como os exploitations de assassinato costumavam começar nos anos 60 e 70 – e como quase todos os slashers abririam nos anos 80 e 90 -, com um casal de namorados entrando numa casa abandonada. Eles entram com velas, o rapaz sai correndo para pregar uma peça na garota. A moça quer sair e fica procurando o namorado com a vela na mão dizendo linhas como “você não vai me assustar“, “dê as caras logo” ou “por favor, apareça“. Bem, este é o segredo do susto, você sabe que algo vai acontecer, só não sabe quando. Mas nós, pessoas que assistimos muitos filmes assim, sabemos que isso sempre acontece depois de um super-close no rosto da vitima. Por aqui não é diferente e a namorada é atacada subitamente (e põe subitamente nisso) por um homem grandão carregando um machado.

Terminado o prólogo, estamos numa faculdade onde o professor está dando uma aula para seus alunos sobre desvios comportamentais, e nossa heroína, Jenny Macallister (Laurie Walters), está presente. Coincidência ou não, a próxima aula será sobre canibalismo. Então acontece a primeira cena bizarra da produção: Jenny sai da aula e, no jardim do campus, um homem vestido com um daqueles roupões de espião e usando óculos, nariz e bigode falsos finge ler jornal enquanto segue a garota com os olhos. Não dá pra ser mais discreto que isso. O rapaz se levanta e a aborda falando com diversos sotaques estrangeiros, até que finalmente sabemos sua intenção. Seu nome é John Devers (o eterno coadjuvante Joe Spano, de As Duas Faces de um Crime) e ele quer simplesmente convidar Jenny para um piquenique. Cacetada! Se nos anos 70 era tão complicado assim chamar uma garota pra sair, eu ia ficar comendo grama…

A única coisa que Jenny sabe sobre John é que o rapaz é jornalista de um jornal local. John por sua vez fez um bocado de pesquisas sobre sua acompanhante e sabe muito sobre ela. De maneira que, voltando do piquenique, eles se perdem pegando uma estrada alternativa. Isso definitivamente não fará muito sentido no desenrolar da história, mas desta vez foi ELA quem pediu para John retornar por outro caminho para explorar uma outra parte da cidade. Eles chegam a uma pequena estrada com uma porteira derrubada e decidem explorar até onde ela vai dar – e notem bem, tudo por decisão de Jenny – chegando a um spa abandonado, que na vida real foi um local para tratamento de tuberculose que algum tempo após as filmagens foi demolido e hoje é um acampamento.

Ela percorre os corredores da propriedade até que é achada pela velhinha maluca Agnes Abercrombi (Edna MacAfee), provavelmente única habitante do local, que convida o casal para o chá na casinha anexa ao spa. Jenny não se sente muito bem após tomar o chá e sabemos muito bem que a bebida está batizada de alguma maneira, pois o diretor coloca uma “música de envenenamento” quando a garota parece zonza. Agnes deixa Jenny se recuperando enquanto leva John para mostrar as dependências. A moça então abre algumas gavetas aleatoriamente e encontra seringas e drogas. Saindo da casa da velha, ainda tonta, Jenny passa a procurar pelo companheiro dentro do spa e sons estranhos surgem até que ela entra numa sala descobrindo um círculo marcado no chão. Ao colocar o pé dentro do círculo, as portas se batem violentamente, confirmando que aquilo ainda será usado para algo maligno.

Depois do incidente, a garota acompanha um vulto nas escadas até que avista uma mulher vestida de noiva “flutuando” no prédio a sua frente. Jenny é localizada em seguida por Agnes e John e, como se nada houvesse acontecido, vão conhecer a cozinha. No grande cômodo, a heroína encontra alguns freezers trancados com cadeados. A velhinha diz que estão fechados há anos, porém Jenny sente que algo está errado naquele lugar e apesar de tudo, despedem-se de Agnes e vão embora.

Alguns dias de silêncio se passam e John topa com Jenny num parque, desta vez sem mascaras ridículas, e, depois de algumas desculpas esfarrapadas, o rapaz quer visitar novamente o spa alegando que precisa fazer uma matéria sobre ele para o jornal. A garota reluta, mas aceita, e, no dia seguinte, ela segue com seu próprio carro ao spa para se encontrar com John. Como ele não chegou ainda, ela decide andar mais um pouco pela propriedade (tem muito disso em Warlock Moon).

Em outra cena sem muito nexo, depois de constatar que algo está diferente depois de sua última visita, ela é quase morta acidentalmente por um caçador (Harry Bauer) das redondezas. Em uma breve conversa, o caçador diz que o estabelecimento fechou depois de um suposto incidente nos anos 30, em que a filha do dono do spa na noite do casamento foi morta pela cozinheira e servida como parte do banquete de comemoração. O lugar fechou naquela mesma noite e ninguém morou lá desde então (ou seja, nem Agnes), contudo a lenda diz que seu fantasma (sabe qual?) permanece assombrando por ali.

John chega, Jenny se despede, e o caçador é atacado pelo mesmo maníaco com machado do começo do filme. Agnes aparece na casa para causar mais confusão para a garota e para o espectador, pois, afinal, a velha é uma entidade sobrenatural? Ou Agnes é só uma senhora estranha que ninguém além do casal conhece? Enfim, mais um replay da cena do chá, só que agora Agnes é mostrada drogando deliberadamente a bebida da garota.

Depois do “tema do envenenamento“, Jenny sai para tomar ar fresco e é chamada pelo nome para dentro do spa através do canto lírico característico de um fantasma. Nunca fica claro se é o espírito da noiva ou foi deliberadamente projetado por Agnes, contudo ela entra no prédio principal e por uma janela vê a velha remexendo nos freezers da cozinha de uma maneira bem suspeita. Esta é a confirmação de que “seja o que for” o que está lá dentro deve ser assustador.

A voz chama mais uma vez e Jenny sobe as escadas e o que ela descobre é ainda mais perigoso: o barbudo descabelado afiando seu machado e um outro caipira mal asseado (Steve Solinsky e Richard Vielle) cobrindo o que parece ser o corpo do caçador. Ela faz um barulho e passa a ser perseguida pelos dois maníacos. Jenny é encurralada e encontrada pelo grandalhão com o machado, a câmera congela bem na hora do ataque e… ahn? John a encontra desmaiada???

Ninguém acredita no que aconteceu e Agnes recomenda que se recuperem na casa dela durante a noite. Qual será a verdade? Jenny está ficando louca? Agnes é uma bruxa canibal ou a noiva? Os dois grandalhões trabalham pra ela? Para que serve aquele círculo sinistro encontrado no prédio? John é de confiança? Qual o envolvimento do espírito vestido de noiva nessa bagunça toda? O filme explica alguma coisa, porém o resto fica para a cabeça do espectador tentar adivinhar…

As diferenças entre Warlock Moon e O Massacre da Serra Elétrica começam pela descrição acima: enquanto o filme de Hooper é simplíssimo e convincente, a produção do diretor Herbert desvia das premissas simplistas do exploitation de época e prima pelo excesso de conteúdo mal amarrado; temos uma casa assombrada, um culto demoníaco, canibais, bruxas e assassinos. Um pastiche que dificilmente chega a lugar algum.

Isso reflete no grande número de buracos e incoerências no roteiro. Por exemplo, o script dá evidências de que Agnes é uma bruxa imortal, então por que raios ela precisa envenenar o chá de Jenny ao invés de soltar um feitiço ou algo assim? Além, qual o sentido de matar os outros coadjuvantes se é de Jenny que eles precisam? E, principalmente, por que a garota não foge se – ao contrário de Marilyn Burns em O Massacre da Serra Elétrica – ela nunca é amarrada ou mantida em cativeiro? Se você notar a quantidade de pontos de interrogação no texto perceberá que as perguntas são mais numerosas que as respostas contraditórias ou pouco convincentes.

[POSSIVEIS SPOILERS NESTE PARÁGRAFO] Porém existem algumas semelhanças bem evidentes: a personagem de Agnes trata os dois maníacos muitas vezes tal como o Cozinheiro se relaciona com o resto da família em O Massacre da Serra Elétrica, ambos antagonistas são rústicas famílias caipiras de canibais que vivem isoladas e armazenam sua carne em freezers, e Jenny é destruída psicologicamente (muito mais que fisicamente) ao término do filme.

Os personagens são quase em sua totalidade “over“-atuados e a utilidade de certas cenas é colocada em questão, como quando John Devers faz um teatro ridiculamente absurdo dentro de uma piscina vazia para a mocinha em uma cena com quase 5 minutos, quebrando qualquer fagulha de suspense que a produção poderia ter. Por isso não me admira que William Herbert evaporou-se e nunca tenha conseguido outro trabalho, mas algumas fontes até chegam a cravar que William Herbert seja um pseudônimo para Gregory Hoblit, diretor de filmes mais conhecidos como A Guerra de Hart, com Bruce Willis, e Um Crime de Mestre, com Anthony Hopkins e Ryan Gosling.

Apesar das incoerências e das péssimas análises, há algo que deve ser levado em consideração: a produção exala anos 70 em cada frame, os velhos clichês de exploitations daquela época (inclusive o delicioso jantar que pode ou não ter sido feito com carne humana) estão todos presentes e mesmo que algumas passagens sejam lentas e preguiçosas, ao ignorar certas explicações, o filme consegue boas cenas, um desfecho interessante e um alto valor como guilty pleasure.

Ainda que esquecido, Warlock Moon é um orgulho para a pequena cidade de Livermore, onde foi filmado, sendo exibido repetidas vezes durante os festivais locais de Halloween. Finalizando, entendo perfeitamente que o espectador normal não tenha motivo algum para trazer Warlock Moon do limbo do anonimato e pode até questionar a serventia de escrever uma análise sobre ele, todavia aos que encontram entretenimento nas imperfeições de um exploitation setentista, esta é uma gema do fundo do baú.

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 3

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

1 comentário

  1. Bom dia, assim que vi a indicação deste filme, corri para assistí-lo. É uma verdadeira “salada mista” mas é um filme perturbador. O filme nunca deixa claro se a protagonista estava sempre dopada ou se a Agnes a enfeitiçou e por isso Jenny estava sempre alucinada. Mas gostei muito da obra e concordo com o texto, ela é uma pérola no fundo do baú. Gosto muito de filmes pouco conhecidos e assisto sempre que posso. Que bom que existe a equipe do Boca do Inferno, sempre com excelentes dicas que fogem da mesmice🙌🏻🙌🏻🙌🏻
    Obs: o meu “queridinho” é Death Ship (Navio da Morte 1980), filme com “milhões” de erros ou incoerências mas que SEMPRE é uma boa pedida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *