4.6
(27)

Anaconda
Original:Anaconda
Ano:2024•País:China, EUA
Direção:Hesheng Xiang, Qiuliang Xiang
Roteiro:Foxfoxbee
Produção:
Elenco:Nita Lei, Ziqi Wang, Terence Yin, Xingchen Wang, Paul Che, Hao Wu

Quem diria que depois de 27 anos teríamos uma releitura do famoso filme B, eterno guilty pleasure, Anaconda, aquela produção com John Voight, Jennifer Lopes e outros astros da época, na qual cachoeiras desafiavam corajosamente a gravidade, sucesso absoluto nas vídeo-locadoras, mas cujo valor cinematográfico era (e continua sendo), altamente questionável. A medida que no original a trama acompanhava um grupo de documentaristas que enfrentava uma enorme cobra pelo Rio Amazonas, nesta nova versão uma trupe circense é aterrorizada por uma anaconda enquanto navega por águas asiáticas em uma pequena embarcação.

Sim, esta reimaginação é uma aposta chinesa, dirigida pelos cineastas Hesheng Xiang e Qiuliang Xiang (donos da Xiang Bros Studios, irmãos desconhecidos por aqui, mas com uma extensa lista de produções de horror, fantasia e ação no currículo). Já o roteiro, que aproveita algumas ideias do enredo original de 1997, é da romancista de ficção científica Jing Wen, que assina sob o pseudônimo Foxfoxbee, responsável nos cinemas pelos roteiros de Coffin Mountain Ancient Tomb, 2023 e A Night of Soul Turning, 2022.

No enredo, os membros de um circo itinerante estão navegando em direção a Tailândia, onde acreditam que farão algumas apresentações. Se tudo corresse bem, a viagem deveria durar pouco mais de três dias pelas águas escuras do Mekong, um rio que corta uma densa floresta asiática (bastante similar a nossa Amazônia). Mas como alerta maliciosamente o capitão do barco: “As coisas nunca vão bem“. Logo surgem os primeiros contratempos: o caminho do rio está bloqueado por uma enorme quantidade de madeira, ao mesmo tempo em que resgatam o misterioso Jeff (um caçador de serpentes cujas intenções não estão claras). Para abrir passagem pelo rio, eles resolvem explodir a madeira acumulada que estava impedindo o barco de prosseguir. Porém, o que não imaginavam os desavisados é que em meio a madeira estariam milhares de serpentes, de todos os tamanhos e espécies. Porém, estes são problemas ínfimos quando comparados as verdadeiras ameaças que o grupo vai encarar mais a frente, seja a faminta e descomunal Anaconda do título ou o inescrupuloso caçador que não poupará esforços (ou vidas) para abater o réptil, cujo corpo vale uma pequena fortuna.

Pelo menos duas perguntas devem estar rondando a cabeça do infernauta. A primeira é, afinal, por que diabos iriam querer refilmar Anaconda? Não temos esta resposta, mas podemos nos amparar em algumas informações para tentar esboçar uma. Segundo sites especializados, enquanto este texto é escrito, a própria Columbia Pictures estaria negociando também um remake americano com Paul Rudd e Jack Black no elenco, além do cineasta Tom Gormican, de O Peso do Talento (2022), na direção. Mas pensando na indústria cinematográfica chinesa, recentemente foi refilmado nada mais, nada menos, que Sharktopus (título original: Zhang Sha, 2023), o monster movie sobre uma criatura híbrida tubarão e polvo. Ou seja, aparentemente refazer Anaconda parece ser uma ideia bem razoável. A segunda dúvida seria se a produção chinesa é uma refilmagem de fato, autorizada pelos proprietários da obra original. Não existem informações oficiais até o momento, mas, além das semelhanças no roteiro, o envolvimento da Sony Television (um dos produtores da versão americana) é um indicativo que sim, é provável que o filme seja uma releitura oficial. É certo que na ocasião em que o filme for distribuído internacionalmente, esta dúvida será totalmente esclarecida.

Mas afinal, a serpente do filme é uma Anaconda?

Aqui se destaca a confusão. O título internacional alternativo, Hundred Poisons Rampage (em uma tradução livre, Cem Venenos Devastadores) faz referência direta a cobras venenosas, o que não é o caso das anacondas reais. Também durante o filme, em alguns momentos, os personagens se referem a anaconda como uma píton reticulada, o que aumenta a controvérsia em relação ao réptil que dá nome ao filme. A anaconda pertence a outra família de serpentes, as boidaes e não as pítons. Contudo, é mais provável que não houvesse uma consultoria séria em relação aos répteis rastejantes, pois de qualquer modo ambas não são espécimes peçonhentas, ou seja, não são venenosas de fato, contrariando o título alternativo. Em comum, a anaconda e a píton reticulada rivalizam pelo título de maior serpente do mundo. Em uma espécie de empate técnico nesta disputa, a píton é a maior em comprimento, alcançando 9 metros; já a anaconda é a mais pesada e mais larga, e pode chegar a 250 kg e 8 metros de comprimento. Voltando ao filme, faz mais sentido que a serpente seja realmente a píton (e não uma anaconda), já que a espécie é encontrada na região asiática onde o filme foi rodado.

É curioso que o ponto positivo do longa-metragem seja igualmente, em pequena proporção, o negativo: os efeitos especiais. O visual e a textura das cobras, criadas por computador, são realistas e bem detalhadas, ou seja, extremamente convincentes. E olha que as serpentes aparecem, como já comentado, as centenas, em todos os tamanhos e cores. Porém, quando nos referimos a “anaconda” principal, há uma inconstância em suas dimensões, ora ela parecendo gigantesca, outras nem tanto. Isso pode incomodar um pouco os mais exigentes que venham a esquecer que a produção, no fim das contas, é apenas um filme B cujo objetivo único é divertir.

Assim como no caso da original, o roteiro apresenta algumas inconsistências e não aproveita ao máximo o perfil dos personagens apresentados. A escolha de protagonistas que são artistas de circo é uma iniciativa bem-vinda, como por exemplo a especialista em fugas e o homem “supostamente” mais forte do mundo. Ambos poderiam ser explorados de maneira bem mais criativa diante de todas as adversidades que enfrentam no desenrolar da trama. Outro ponto é em relação aos pets de estimação, um pequeno cachorro e uma cobra. O primeiro é esquecido quando os personagens são obrigados a deixar a embarcação (falha gravíssima, pois como todos sabem há um acordo internacional que não se mata ou abandona cachorrinhos, nem mesmo em filmes de terror); já a cobra até tem uma função importante no ato final, porém a conexão entre os animaizinhos e os seus tutores poderia e deveria ser melhor desenvolvida, trazendo assim um pouco de drama ao roteiro. Já uma característica acertada e que funciona bem, nesta adaptação made in China, é o flerte constante com o humor, sem pesar a mão. Ainda que, ao final, o roteirista Foxfoxbee prefira evitar exageros e escolha uma rota mais segura e convencional.

O elenco é formado por nomes estranhos por aqui, mas habilidosos em seus papéis. Entre estes destacam o vilão Jeff, interpretado pelo experiente Terence Yin (de Tomb Rider, 2003), as belas Nita Xia (Cruel War, 2024) e Wing Xingchen (Metamorphosis, 2022) e Ken Lok Tat-Wah, como o mau caráter Zhang.

Outro ponto favorável é o cenário natural, uma gigantesca floresta tropical que adiciona certo realismo incomum as produções B do gênero. Contudo, Anaconda não é exatamente um filme barato, já que custou aos seus realizadores um valor em torno de US$ 30 milhões, que pode ser considerado baixo se comparado as megaproduções americanas atuais, mas é próximo ao orçamento do original de 1997, que foi de aproximadamente US$ 45 milhões. O longa estreou nos cinemas e on demand  na China em março de 2024 e até agora não há notícias de sua chegada em terras tupiniquins.

Enfim, ainda que falte um pouco de sangue e de coerência à trama, o resultado final de Anaconda é aceitável e divertido, com mais pontos que se destacam positivos a seu favor do que negativos. A qualidade técnica, os bons efeitos e os personagens carismáticos (ainda que mal desenvolvidos) podem nos levar a considerar sem medo este remake muito superior às continuações americanas e no mesmo nível do original. Certamente não será o melhor filme do ano, mas também nem de longe será o pior.

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2 Comentários

  1. Onde encontro esse filme da anacronismo 2024 quero assistir

  2. Esses 45 milhões do filme de 97 é corrigido? Se não, esse valor é sim MUITO maior que o gasto pelo chinês.
    Abraço!

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