Lobisomem
Original:Wolf Man
Ano:2025•País:EUA Direção:Leigh Whannell Roteiro:Leigh Whannell, Corbett Tuck Produção:Jason Blum, Ryan Gosling Elenco:Julia Garner, Christopher Abbott, Sam Jaeger, Matilda Firth, Benedict Hardie, Ben Prendergast, Milo Cawthorne, Zac Chandler, Beatriz Romilly |
A maldição dos reboots dos clássicos da Universal Pictures é mais ameaçadora do que a provocada pela Lua Cheia. Enredos com a Criatura de Frankenstein, Drácula e lobisomens não são tão raros de ocupar as telas de cinema, mas quando a intenção é revitalizar os monstros da produtora, com a Universal evidenciando resgatar um de seus períodos mais férteis e criativos, tudo fica bem mais complicado e decepcionante – Tom Cruise correndo feito um louco para fugir da destruição de uma múmia que o diga! No entanto, em 2020, O Homem Invisível (The Invisible Man) apareceu (desculpe o trocadilho) de maneira despretensiosa e surpreendente, partindo para um conceito atualizado, fortalecido por um contexto importante sobre violência doméstica, contando ainda com a atuação estupenda de Elisabeth Moss. Contudo, como diria Victor Frankenstein, um raio nem sempre cai duas vezes no mesmo lugar.
As boas críticas ao filme anterior permitiram que a Universal creditasse Leigh Whannell como diretor de Lobisomem (Wolf Man, 2025). Um conto atualizado sobre o monstro envolto em seu cenário ideal, uma casa perdida numa mata densa, poucos personagens, sensação intensa de claustrofobia e com toques familiares no enredo de Whannell e Corbett Tuck deveriam ser os ingredientes necessários à sobrevida do clássico. Não foi bem assim, e o infernauta há de se sentir levemente decepcionado quando os créditos despontarem na tela após pouco mais de noventa minutos. Não é um filme ruim – é importante que se diga -, mas é uma produção simples, convencional e sem profundidade, com uma narrativa de monstro “slow burn” e sem surpresas. Lobisomem está tão distante de O Homem Invisível que praticamente não o vê à frente (desculpa novamente pelo trocadilho).
Um breve letreiro inicial anuncia que uma estranha zoonose parece ter acometido um trilheiro em 1995. Também chamada de “febre da colina” ou como os indígenas apelidaram, “a face do lobo“, essa doença tem movimentado curiosos para Oregon como Grady Lovell (Sam Jaeger), um pai disciplinador, que está numa casa nas montanhas para caçar cervos e quem sabe confirmar a lenda sobre o homem perdido na mata. Um encontro tenso no prólogo assombra o pequeno Blake (Zac Chandler), para trinta anos depois ter sua própria experiência como pai de família. Em um casamento morno com Charlotte (Julia Garner, de Apartamento 7A, 2024), o agora escritor e pai “full time” da pequena Ginger (Matilda Firth) fica sabendo que precisa retornar ao local de infância para recolher pertences de seu “dado como morto” progenitor.
Assim convence sua esposa a uma viagem que pode ser a oportunidade de resgatar seu casamento em um cenário belíssimo, com a vista para pinheiros e nuvens que circundam montanhas frias. Ao se perderem pelo caminho, no clichê da ausência de sinal dos telefones, eles pedem ajuda a um caçador (Benedict Hardie), que lhes dá alguns toques não levados a sério em produções do gênero. Aliás, o próprio pai de Blake já tinha dado pistas que justificavam sua posição autoritária: “Este lugar é lindo, mas também perigoso“. Reforçou sobre perdas de coisas importantes e sobre a facilidade de morrer para mostrar ao filho o quanto é preciso cuidar do que você mais valoriza. Blake parece ter compreendido boa parte da mensagem ao brigar com a filha em situação de risco e dizer por diversas vezes que sua missão é protegê-la.
A relação entre pai e filhos é a principal metáfora de Lobisomem, ainda que não seja profunda o suficiente. Se O Homem Invisível trabalhava a invisibilidade como base narrativa de um terror psicológico sentido por mulheres agredidas em relacionamentos abusivos, o quanto são ameaçadas até mesmo quando a pessoa não está visível, em Lobisomem a figura do monstro poderia ser substituída por qualquer criatura. Imaginei pelas prévias que o longa trabalharia o conceito da transformação como a bebida que afetou Jack Nicholson no Hotel Overlook. Porém o longa se constitui de mensagens pouco fortalecidas sobre cuidados necessários, amadurecimento e a figura dos pais na formação e proteção de seus filhos.
Ambientado em uma única noite, logo a família sofre um acidente na estrada, no clichê da atenção desviada por um segundo e uma aparição pelo caminho, e são obrigados a buscar abrigo exatamente na morada de Lovell. A tensão se desenvolve gradualmente, escondendo a aparência do lobisomem até quase o terceiro ato. Na luta pela sobrevivência e temendo as mudanças físicas de Blake, num processo que Whannell diz ter claramente se inspirado em A Mosca (The Fly, 1986), de Cronenberg, eles precisam se proteger da criatura que ronda a casa e encontrar um meio de fugir dali e buscar ajuda médica para os estranhos sintomas do pai.
Whannell espalha referências simpáticas: Ginger é a amaldiçoada em Possuída (Ginger Snaps, 2000); a empresa Pierce, do caminhão, remete a Jack Pierce, maquiador dos monstros da Universal, fundada em 1941, ano do clássico O Lobisomem (The Wolf Man, 1941); uma lembrança ao primeiro Jogos Mortais (Saw, 2004) também acontece para os mais atentos. E pode-se estabelecer conexões até – se a viagem for muito longa – com o clássico infantil Os Três Porquinhos, pelo fato dos três personagens buscarem abrigo numa estufa, num celeiro e numa casa. Inclusive, chega a ser estranho como a criatura consegue facilmente adentrar a moradia dos Lovell, sem nunca ter feito isso antes. Por que o garoto não teve mais experiências com o monstro até se mudar dali?
A fotografia escura e a base de proteção de caçadores numa árvore também ajudam na atmosfera sombria. O cineasta trabalha bem as sequências em que o lobisomem está obscuro, com sons do lado externo, rondando a casa, ou quando o espectador percebe sua movimentação em quatro patas e na respiração. Com bons efeitos de maquiagem e quase sem CGI, algo que deve ser enaltecido no cinema atual, a reimaginação colabora para a veracidade da tal “febre da colina“, mas muitos infernautas irão torcer o nariz pela aparência de “a Fera“, de “A Bela e a Fera“. “Talvez haja algumas pessoas que não gostem porque amam demais o lobo tradicional, mas essa era a abordagem que eu queria.“, revelou o diretor. Aconteceu o mesmo quando a Criatura de Frankenstein passou a assumir uma face não retangular, como no clássico A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, 1957), com Christopher Lee no papel do monstro.
Christopher Abbott, por vezes lembrando fisicamente o ator Paulo Betti, não traz nenhuma interpretação magistral. Aliás, deixa a desejar um pouco por não transpor as transformações de seu personagem na expressividade: o olhar perdido confunde o espectador sobre sua condição racional, mas não a família, que sabe quando deve se aproximar, colocar a mão sobre sua testa e ler suas intenções. Já Garner transpira sua personagem, uma mãe workaholic, sem presença no lar e sem proximidade com a filha, tendo uma transformação psicológica muito mais intensa que a física de seu marido.
Com mais aparência de um causo de lobisomem do que a revitalização do clássico Monstro da Universal, o longa me recordou produções menores, mas também eficientes, como Lua Negra (Bad Moon, 1996), em que a criatura ronda uma família e as relações são colocadas à prova. Lobisomem diverte pouco pela simplicidade e dinâmica desacelerada. Talvez não seja um filme de cinema ou aquele que você queira ver mais de uma vez, com um grande distanciamento de outras produções que provavelmente ocuparão as preferências de 2025.
“Talvez haja algumas pessoas que não gostem porque amam demais o lobo tradicional, mas essa era a abordagem que eu queria.“
Há coisas que vão além do “vou desconstruir e fazer do meu jeito porque quero e posso”. Isso é apenas arrogância.
Tava na cara que seria uma bomba.
“Christopher Abbott, por vezes lembrando fisicamente o ator Paulo Betti” – Paulo Betti, que inclusive interpreta um lobisomem no curta-metragem brasileiro A Sombra da Terra!
Sim, um ótimo curta, aliás. Escrevi uma crítica sobre ele ano passado.
Abs