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Possuída
Original:Ginger Snaps
Ano:2000•País:EUA, Canadá
Direção:John Fawcett
Roteiro:John Fawcett, Karen Walton
Produção:Karen Lee Hall, Steven Hoban
Elenco:Emily Perkins, Katharine Isabelle, Kris Lemche, Mimi Rogers, Jesse Moss, Danielle Hampton, John Bourgeois, Peter Keleghan, Christopher Redman, Lindsay Leese

É sempre interessante quando o cinema de horror abriga metáforas e simbolismos, sem aqueles exageros que tornam a narrativa excessivamente reflexiva. Como a Sétima Arte é, desde seus primeiros frames, um retrato da realidade, seja fidedigno ou superficial, nada mais coerente que seus enredos se associem a situações cotidianas, rotinas e corrupções da sociedade como bem fizera George A. Romero, principalmente com seus zumbis comedores de carne humana. É possível encontrar analogias por outros subgêneros, como o das assombrações, funcionando como símbolo do esquecimento ou espelho de doenças, vampirismo, na suga da vitalidade e no romantismo, e até slashers, representando perdas e vinganças pessoais. Há muito mais profundidade no medo do que possamos imaginar. A série Buffy, a Caça-Vampiros, por exemplo, traçou paralelos com diversas passagens da escolaridade à vida adulta em um enredo que envolvia monstros e demônios.

O início dos anos 2000 trouxe um dos grandes exemplares do gênero, camuflado em um enredo sangrento de ataque de lobisomem a uma cidade pequena. E sua realização só foi possível exatamente pelo sua força narrativa: de acordo com o material de imprensa do longa Possuída (Ginger Snaps, 2000), o diretor e roteirista John Fawcett falou sobre a sua intenção inicial quando entrou em contato com a co-autora Karen Walton. “Eu sabia que queria fazer um filme de metamorfose e um filme de terror. Também sabia que queria trabalhar com garotas.” No primeiro contato, Walton não demonstrou interesse devido a um certo preconceito que tinha com o gênero. Ela via o terror como narrativas pobres, com personagens fracos e como representação de um retrato negativo das mulheres. O cineasta a convenceu ao expor sua vontade de fazer exatamente o oposto, conseguindo também convencer o produtor Steve Hoban a comprar a ideia, contratar Ken Chubb para polir a história, e arrecadar quatro milhões e meio de dólares para o orçamento.

As filmagens aconteceram em 1999, depois de um ano de espera, e após a fundição da Trimark Pictures com a Lionsgate, além do financiamento completo da Telefilm Canada. Houve uma certa dificuldade para conseguir o elenco devido aos exageros gráficos da produção, acentuado pelos massacres em Columbine e WR Myers High School, que mostraram o quanto adolescentes podem ser violentos. O processo de audição aconteceu nos EUA e no Canadá, sendo que Emily Perkins e Katharine Isabelle realizaram os testes no mesmo dia. Depois que se mostraram adequadas para os papéis, as atrizes descobriram várias coincidências entre elas, como o fato de terem nascido do mesmo hospital, e terem frequentado a mesma pré-escola, escola primária e particular, além de estarem na mesma agência. Tal coincidência – que não se aplica à diferença de idade delas (Perkins é quatro anos mais velha) – retratou a química vista em cena, e que acabou resultando na realização de mais dois filmes, transformando o fenômeno Ginger Snaps em uma consolidada trilogia.

Este primeiro filme é uma pequena obra-prima. Ele se inicia na sonolenta Bailey Downs, cidade que anda aterrorizada pelos constantes assassinatos de cães. As irmãs Brigitte (Emily Perkins) e Ginger Fitzgerald (Katharine Isabelle) são extremamente fascinadas pela morte, desde pequenas, quando fizeram um pacto para não sobreviverem após os 16 anos. Além de o tempo todo ficarem imaginando maneiras diferentes de morrer, colocando-as “em prática” com insinuações para um trabalho escolar – muito bem realizado, é preciso dizer -, elas desenvolvem ensaios particulares e conversam sobre venenos e doenças. Esse lado macabro é mostrado intensamente nos créditos iniciais, com as jovens fotografando suas mortes, construindo belíssimos cenários de atropelamento, corpos empalados na cerca ou esmagados pela garagem e suicídios, que incluem sangue falso e cartas de despedida.

Antissociais, elas se isolam dos demais estudantes e são vistas como estranhas, embora Ginger já desperte a atenção do popular Jason (Jesse Moss). Depois de mais uma vez serem incomodadas por Trina (Danielle Hampton), elas resolvem aplicar um susto na garota, sugerindo que o cachorro dela pudesse ser mais uma vítima do assassino de cães. Quando chegam ao local à noite, encontram um cão morto, no exato momento em que Ginger menstrua pela primeira vez, com o sangue atraindo o lobisomem para um ataque. Machucada, com o apoio da irmã, elas fogem atravessando uma estrada, e a criatura é atropelada e morta por Sam (Kris Lemche), um rapaz da escola conhecido por vender drogas.

A partir de então, Ginger começa a sofrer modificações físicas gradativamente. Seus ferimentos são rapidamente cicatrizados, ela se torna mais sensual com as mudanças de seu corpo, com o aparecimento de pelos e até mesmo uma cauda. Sam se aproxima de Brigitte, intrigado com o que matara na estrada, e juntos começam a buscar informações que possam ajudá-los a curar Ginger, embora o rapaz inicialmente não saiba que o processo esteja acontecendo com a outra irmã. Além da transformação trazer problemas com episódios de agressão e morte, elas precisam escondê-la de sua mãe, Pamela (a expressiva Mimi Rogers), que passa a sentir essas mudanças como parte da puberdade.

Possuída (2000)

E é essa a interessante analogia proposta. Tal processo de passagem da pré para a adolescência é retratado nas transformações de Ginger. Incomodada com o corpo, com a aparência física envolvendo crescimento de pelos, com as dores e sangramentos, a garota também começa a se interessar por rapazes, influenciar comportamentos e mostrar que está se tornando uma mulher. Katharine Isabelle se mostra bastante eficaz atuando como uma jovem confusa, assustada e, ao mesmo tempo, sedutora; e sua personagem é extremamente beneficiada pela ótima Emily Perkins, assombrada pela sensação de estar perdendo a irmã nessa sua evolução pessoal. Além dessas mensagens, o roteiro também aborda o bullying, o uso de drogas pelos adolescentes, a busca por uma aceitação, as influências da idade e a conturbada relação entre pais e filhos.

Se os subtextos são bem expostos, Possuída também funciona como filme de horror. Há sequências sangrentas como a que envolve a morte do faxineiro e a necessidade de tentar esconder o corpo de uma jovem, mutilando-o, e há os bons efeitos especiais de maquiagem, de transformação em lobisomem e na própria apresentação da criatura. Na mitologia proposta, lobisomens não morrem com bala de prata (misturas com acônito parecem ajudar) e não alternam transformações, muitos menos com o envolvimento da lua cheia. Até porque a puberdade também é um processo de passagem e transformação, sem possibilidade de retorno.

Com a boa direção de John Fawcett, Possuída promove uma briga interessante com Dog Soldiers pela supremacia dos filmes de lobisomem pós-anos 2000. Ambos são aterrorizantes e possuem atmosferas sombrias, ainda que o segundo não traga a mesma originalidade. Com a boa aceitação do pesadelo vivido pelas meninas Fitzgerald, alguns anos depois teríamos duas continuações dignas, abordando a licantropia no diálogo com episódios da vida de adolescentes e suas mudanças físicas e psicológicas.

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2 Comentários

  1. O filme é bom, apesar do segundo ter me agradado mais, tem um atmosfera gótica que é bem interessante, tem um pouco de exagero no apelo sexual, porém é uma dos clássicos com a temática lobisomem mais importantes da história do cinema e inclusive já influenciou obras mais recentes.

  2. Me lembro que não me agradou mto na época quando aluguei esse filme no começo dos anos 2000, tenho que assistir novamente para ter uma nova opinião, excelente critica.

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