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A saga do coach-killer Jigsaw é uma das mais conhecidas do novo milênio. Mesmo os que não se sentem atraídos por enredos sangrentos, conhecem o modus operandi do vilão da voz rouca, de seu boneco pálido com espirais vermelhos em suas bochechas, a TV dessintonizada e até mesmo o gravador com a mensagem “play“. Jogos Mortais se transformou numa franquia de sucesso absoluto, desde a realização do curta que apresentou uma das armadilhas de sua proposta insana, inicialmente confundida como um derivado de Cubo: pessoas presas numa sala e a necessidade de encontrar pistas para descobrir por que estão lá e como sair dessa situação.

Na verdade, a inspiração inicial foram duas produções bem distintas, A Bruxa de Blair (1999) e PI, de Darren Aronofsky. O orçamento irrisório previa apenas a exposição de um ambiente único, inicialmente previsto para se desenvolver em um elevador, com as câmeras de segurança registrando toda a ação. Foi o cineasta iniciante James Wan, hoje referência em franquias de horror e até de heróis, que sugeriu a mudança para um banheiro imundo, com dois homens com os pés acorrentados e um aparente cadáver ao centro. Quando Leigh Whannell ouviu a proposta do diretor, desligou o telefone e mais tarde anotou em seu caderno apenas uma palavra: SAW.

“Foi um daqueles momentos que me fez perceber que algumas coisas realmente estão destinadas a acontecer. Algumas coisas estão apenas esperando para serem descobertas.”

Com o esqueleto inicial, ainda sem a gênese do vilão, Whannell fez uso de uma outra coincidência criativa. Com o estresse de um emprego e dores constantes de cabeça, ele buscou um neurologista para fazer uma ressonância magnética, quase se convencendo de que teria um tumor cerebral. Enquanto aguardava a consulta, ficou pensando como uma pessoa poderia reagir a uma notícia dessas, de que só teria um ou dois anos de vida? Muitas histórias contadas por aí mostram que pessoas em estado terminal aprenderam a valorizar a vida, servindo como ensinamento aos que se arriscam em ações perigosas ou pouco se importam. Com a ideia desenvolvida e Wan sem interesse em seguir a linha “torture porn“, produziram o curta Jogos Mortais 0.5 para conquistar investidores.

Filmado em 16mm em pouco mais de dois dias, tendo Whannell como ator e um orçamento de cinco mil dólares, o curta-metragem fez o produtor Gregg Hoffman ficar de queixo caído. Apresentava um rapaz em depoimento à polícia, algemado pela acusação de assassinato, explicando como enfrentou o desafio apelidado de “armadilha de urso invertida“, tendo que abrir o corpo de um homem para encontrar a chave que o liberta da estrutura – e que seria vista como acessório de aprendizado a Amanda (Shawnee Smith) e depois seria utilizada com o detetive Hoffman (Costas Mandylor) em Jogos Mortais 6 e Jill (Betsy Russell) em Jogos Mortais 7. Simples, mas bem realizado, o vídeo já mostrava algumas características que iriam acompanhar o longa e a franquia, como o quarto escuro, o cronômetro e o boneco Billy, com a diferença de um pequeno chapéu.

Com o queixo caído de Hoffman, o curta se desenvolveu em um longa, com orçamento estimado em 700 milhões de dólares e filmagens realizadas em 18 dias. Com improviso de recursos, sem tripé ou carrinho de câmera e até mesmo sem dublê, Jogos Mortais se desenvolveu em um espaço curto e com muita criatividade, respeitando as agendas dos atores Danny Glover e Michael Emerson. Com a exibição em destaque no Festival de Cinema de Sundance de 2004, a Lionsgate adquiriu os direitos de lançamento pelo mundo, colocando como data de estreia as proximidades do Halloween.

Conquistando mais de 100 milhões de dólares nos cinemas pelo mundo, ainda que nem todas as críticas sejam positivas – houve quem achasse o roteiro confuso, o que não faz sentido -, Jogos Mortais está na lista das produções mais influentes de horror da primeira década do século e uma das mais criativas e lucrativas de terror desde Pânico, de Wes Craven. A partir de então, desenvolveu-se uma longa franquia com nove produções – a décima será lançada este ano -, sendo que as sete primeiras chegaram aos cinemas com diferença de um ano. Houve o desgaste, óbvio, da fórmula inicial pela necessidade de plot twists, afetando o interesse do espectador a cada continuação.

O filme original todo mundo praticamente já conhece. Dois homens acordam em um banheiro escuro, acorrentados ao encanamento, tendo um aparente cadáver, vítima de suicídio, ao centro, segurando um revólver e um mini-gravador. Os aprisionados são o fotógrafo Adam (Whannell) e o oncologista Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes), dois prováveis desconhecidos e que querem entender a razão de estarem naquela condição. As primeiras respostas são encontradas em seus próprios bolsos como fitas cassetes com o discurso enigmático de Jigsaw.

“Levante-se e brilhe, Adam. Você provavelmente está se perguntando onde você está. Eu vou te dizer onde você pode estar. Você pode estar na sala em que irá morrer. Até agora, você simplesmente se sentou nas sombras observando os outros viverem suas vidas. Mas o que os voyeurs veem quando se olham no espelho? Agora eu vejo você como uma estranha mistura de alguém com raiva, mas apático. Mas principalmente apenas patético. Então, você vai assistir a si mesmo morrer aqui hoje, Adam, ou fazer algo a respeito?”

“Dr. Gordon, este é o seu alerta. Todos os dias da sua vida profissional você deu às pessoas a notícia de que elas iriam morrer em breve. Agora você será a causa da morte. Seu objetivo neste jogo é matar Adam. Você tem até as seis horas para fazer isso. Há um homem na sala com você. Quando há tanto veneno em seu sangue, a única coisa que resta a fazer é atirar em si mesmo. Existem maneiras de vencer isso, escondidas ao seu redor. Apenas lembre-se, o X marca o local do tesouro. Se não matar Adam até as seis, Alison e Diana morrerão, Dr. Gordon, e vou deixá-lo neste quarto para apodrecer. Que comece o jogo.”

Cenas de flashback mostram a relação entre o Dr.Gordon e sua esposa Alison (Monica Potter), e a forma como ele lida com a pequena Diana (Makenzie Vega), muitas vezes ignorada pelo trabalho. Também são mostrados os momentos em que as duas são sequestradas, assim como o médico e Adam, entrecortadas com ações da polícia investigando o “serial killerJigsaw, pela retirada de um pedaço da pele em formato de peça de quebra-cabeça. Os detetives David Tapp (Glover) e Steven Sing (Ken Leung) encontram um acessório do médico e o corpo de um homem que teria que atravessar um caminho com arame farpado para encontrar a saída.

Além deles, uma sobrevivente de Jigsaw se destaca: a viciada Amanda (Smith) se sente agradecida pelo ensinamento proposto, quando precisou abrir o corpo de um homem para retirar a armadilha de urso invertida de sua mandíbula. Diferente do curta, a sequência impressiona pelo sangue na angústia da personagem na sua luta pela sobrevivência. Obcecado pelo inimigo inteligente – algo que corrói muitos dos policiais envolvidos em investigações -, Tapp encontra uma pista que pode levá-lo a um confronto direto com Jigsaw, mas precisará tomar cuidado com outras armadilhas pelo caminho.

Dinâmico em sua narrativa acelerada – há quem não goste dessa edição em formato de videoclipe -, Jogos Mortais é, sem dúvida, um marco dentre os thrillers investigativos, figurando facilmente ao lado de produções como Seven – Os Sete Crimes Capitais, O Silêncio dos Inocentes e Ressurreição – Retalhos de um Crime. O enredo envolve o espectador, convidando-o a participar desse jogo de mistério, construído em plot twists, como se estivesse preso a uma armadilha de sua trama ousada. Além de bem realizado, no uso de uma atmosfera claustrofóbica, o longa se mostra inteligente e criativo, uma referência no gênero – o título original adquire, então, um duplo sentido, podendo ser o substantivo “serra” ou o passado do verbo ver.

Com quase vinte anos de seu lançamento, mesmo depois de tantas continuações enfraquecidas pela repetição, Jogos Mortais cresce a cada nova avaliação. Sabendo quais são suas surpresas, é possível desfrutar ainda mais de suas ideias, entender os caminhos de seu desenvolvimento. Com boas atuações, à exceção da ridícula encenação de morte de Leigh Whannell, o filme diverte pela proposta e prende o espectador à narrativa. Não precisava realmente de continuações, funcionando como um trabalho único, na apresentação de um dos maiores e mais inteligentes vilões que o cinema soube construir.

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