![]() UTI Zumbi
Original:Yummy
Ano:2019•País:Bélgica Direção:Lars Damoiseaux Roteiro:Lars Damoiseaux, Eveline Hagenbeek Produção:Kobe Van Steenberghe, Hendrik Verthé Elenco:Maaike Neuville, Bart Hollanders, Benjamin Ramon, Clara Cleymans, Annick Christiaens, Eric Godon, Joshua Rubin, Taeke Nicolaï, Tom Audenaert, Noureddine Farihi, Dimitri 'Vegas' Thivaios |
Cinco anos antes de A Substância (2024), com menos recursos e mais humor, o longa-metragem belga Yummy (2019) usava o subgênero splatter (aquele sustentado por vísceras e tripas expostas) para costurar críticas ácidas à obsessiva busca pelo corpo idealizado pela sociedade como perfeito.
Dirigido e escrito (em parceria com Eveline Hagenbeek) por Lars Damoiseaux, UTI Zumbi,ou em seu título original, Yummy (algo como “delicioso” ou “gostoso” em uma tradução livre, podendo ser aplicado a comida ou mesmo uma pessoa sexualmente atraente) é uma expansão de um curta-metragem de 3 minutos lançado pelo próprio cineasta em 2016, chamado Patient Zero. O enredo desta versão ampliada embaralha momentos de horror regados a muito sangue com outros que evidenciam um humor sarcástico, mas não menos explícito.
Na trama, Alison, viaja com a mãe e o namorado Michael (um sujeito de bom coração, mas com reputação de perdedor) até um hospital decadente localizado no Leste Europeu, onde pretende fazer uma cirurgia de redução de mama. Há aqui uma pequena, mas evidente ironia, já que o hospital é especializado em cirurgias estéticas nas quais os atributos físicos masculino ou feminino são aumentados, enquanto a protagonista quer o contrário. Na verdade, Alison não suporta mais os indiscretos olhares masculinos direcionados aos seus grandes seios e os comentários maliciosos pelos lugares por onde passa. É importante pontuar que, ainda que o próprio filme explore a objetificação do corpo feminino, há uma razoável crítica a respeito da banalização da mulher como simples produto sexual. Chegando ao hospital, eles desconfiam que talvez tenham sido enganados, pois as instalações não são tão sofisticadas quanto as mostradas no site oficial da instituição. Mas rapidamente são convencidos pela equipe médica de que o lugar é seguro e referência quando o assunto é estética. Porém, um misterioso e inovador tratamento baseado em células-tronco extraídas de fetos abortados vai desencadear uma carnificina inimaginável, na qual pacientes e médicos contaminados se transformam em famintos e enlouquecidos mortos-vivos. Resta a Alison e Michael se unirem a outros poucos sobreviventes na procura por uma saída segura do local, mas não antes sem terem seus sentimentos colocados à prova.
Contudo, ainda que o roteiro use como ponto de partida uma boa premissa (os tratamentos estéticos, muitas vezes agressivos e controversos, mas usados indiscriminadamente em busca do corpo “perfeito”) e também explore um cenário com grande potencial para o gênero horror (uma instalação hospitalar em decadência), ele ignora parcialmente o mais básico, desenvolvendo pouco ou nada os personagens. Os protagonistas até são apresentados de maneira honesta no primeiro ato, mas seus dramas e conflitos são facilmente resolvidos ou deixados de lado quando eles se juntam ao grupo de personagens secundários. Ainda em relação aos personagens, o longa se revela extremamente sádico com os mesmos, ora torturando-os fisicamente (mordidas, mutilações e todos os traumatismos possíveis), ora psicologicamente (realmente era necessário colocar o relacionamento do casal em cheque?). O sofrimento deles, que contrasta com as situações mais cômicas, culmina em um final, digamos, mais do que pessimista. Outra irregularidade que pode incomodar o espectador é a distribuição de alguns diálogos sem ponderar os impactos no ritmo narrativo. São diálogos que tentam adicionar ramificações na trama, mas que infelizmente não evoluem ou levam de fato a algum lugar, e apenas interrompem as sequências de ação e horror.
Já como pontos positivos poderíamos citar a boa maquiagem e os efeitos práticos embebidos com litros e litros de sangue, além das cenas de humor “deliciosamente” questionáveis, entre elas, algumas envolvendo zumbis de topless, uma lipoaspiração reversa em que a gordura é reinserida até que a paciente literalmente exploda e um pênis aumentado que, digamos, sofre um bocado atrás de uma última relação sexual antes da inevitável morte de seu dono. Tudo isso sem citar amputações em trituradores de papel, fetos zumbis, intestinos utilizados como cordas, vômitos, machadadas e tudo mais que um filme de zumbis merece. Todo este gore e nonsense gratuito, que reverencia (propositalmente ou não) produções dos anos 80 e do início dos 90, como A Volta dos Mortos Vivos (1985), Re-Animator – A Hora dos Mortos-Vivos (1985) ou Fome Animal (1992), garantem aos fãs do gênero horror noventa minutos de muita diversão.
Yummy foi produzido na Bélgica e lançado em 2019, pouco antes do início da pandemia, o que dificultou a sua divulgação internacional e exibição em festivais. Em 2020 foi distribuído em solo americano, como uma exclusividade, pela Shudder, aquela plataforma de streaming dedicada ao horror. Já no Brasil, enquanto este texto é escrito, o filme pode ser encontrado no Prime Video.
É importante reconhecer que Yummy é uma produção de baixo orçamento (segundo informações oficiais, teria custado em torno de € 650 mil) quando comparado a filmes mais mainstream, como o já citado por aqui A Substância. O longa protagonizado por Demi Moore, sensação de 2024, custou pelo menos 25 vezes mais (em torno de US$ 17 mi). No entanto, na grande maioria de sua duração, este “baixo custo” não é perceptível em Yummy. A exceção talvez seja alguns efeitos digitais usados nas poucas cenas em que uma pequena criatura zumbi, que estava conservada em um grande pote de vidro, escapa e ataca um dos protagonistas.
Já em relação ao elenco, o grupo de atores principais desempenha seus papeis sem comprometer o resultado final; Maaike Neuville (da série 12 Jurados, 2019) interpreta Alison, enquanto Bart Hollanders (da série policial De dag, 2018) vive o atrapalhado Michael. Somam-se ao casting Annick Christiaens, Benjamin Ramon e Eric Godon – provavelmente o único rosto quase conhecido por aqui, pela participação em Na Mira do Chefe, 2008 (em UTI Zumbi o ator assume o papel de uma variante do cientista maluco e ganancioso).
Uma curiosidade que deve passar pela cabeça do infernauta é qual a velocidade dos mortos-vivos, se é lenta como Romero nos ensinou ou se são velocistas como as produções mais recentes preferem. A resposta é nem um, nem outro. Nem tão lentos quanto os clássicos, nem tão rápidos quanto os novatos. Na verdade, o destaque fica para algumas criaturas que se arrastam pelo hospital, pois tiveram as pernas ou mesmo mais da metade do corpo devoradas antes de se transformarem!
Enfim, Yummy é um adorável e bizarro filme de zumbis, indicado aos infernautas de estômago mais forte. O longa tem seus rompantes de brilhantismo, mesmo que não avance muito, deixando aquela sensação que poderia ter sido melhor. Mas para os fãs do gênero, a enxurrada de sangue, vísceras, intestinos, dedos decepados e braços mutilados, somada a um humor politicamente incorreto (que soa irônico em suas críticas), faz de UTI Zumbi uma boa surpresa.