Takashi Shimizu viveu preso a essa maldição por bastante tempo. Ele basicamente foi o primeiro visitante da moradia onde um homem, Takeo Saeki (Takashi Matsuyama), matou sua esposa, Kayako (Takako Fuji), e seu filho, no desenvolvimento de uma teia de assombrações e morte. A versão americana, O Grito (The Grudge, 2004), foi o cartão de visitas para a trajetória fantasmagórica de um rancor maldito, mas não a gênese de seu conceito. Antes de Sarah Michelle Gellar correr pelas ruas de Tóquio para evitar que seu namorado adentre a casa assassina, foram feitas duas produções de sucesso no oriente: Ju-On: O Grito (2002) e Ju-On: O Grito 2 (2003), inspirados em mais dois filmes lançados em 2000. E estes só foram desenvolvidos a partir de dois curtas realizados em 1998, “Katasumi” e “4444444444“. Shimizu comandou todos, incluindo a continuação americana, O Grito 2 (The Grudge 2, 2006).
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Começou no final da década de 90: o cineasta havia dirigido um curta-metragem de três minutos e o apresentou ao professor, também escritor e diretor, Kiyoshi Kurosawa. Impressionado com o que vira, Kurosawa, que havia encomendado uma antologia para a Kansai Telecasting Corporation, recomendou Shimizu a participar com alguns segmentos. Katasumi e 4444444444 foram exatamente suas participações no filme School Ghost Story G, exibido na TV em 27 de setembro de 1998. São duas pinceladas na maldição, no que Shimizu chamou de “os fundamentos de Ju-on” como esquetes de terror, sendo que a primeira apresentou Takako Fuji como a sonora Kayako, atriz que participaria de todos os filmes em que o diretor esteve envolvido na franquia Ju-On.
Em “Katasumi“, duas estudantes, Hisayo Yoshida (Ayako Ômura) e Kanna Murakami (Kanna Kashima), têm a responsabilidade de cuidar dos coelhos da escola. Quando Kanna se corta acidentalmente, Hisayo sai em busca de um curativo, deixando a colega à mercê de algo que já as espreitava. Sangue e pelos serão encontrados por Hisayo, antes dela ter um encontro com uma assombração rastejante e sua amiga morta. Bem feitinho, com pouco mais de três minutos, o curta não traz explicações sobre maldição e nem a origem da assombração, permitindo ao espectador ter o primeiro contato com a voz serrada de Kayako. Já em “4444444444“, um jovem (Kazushi Andô), de bicicleta, é atraído pelo som de um telefone, com o informe do número do título. Ao atender a ligação, ouve apenas miados, antes de Toshio (Daiki Sawada) se apresentar a ele. Um pouco inferior, principalmente pela ausência de trilha incidental, o curta, também de três minutos, parece indicar que o local onde o aparelho fora encontrado seja a tal casa dos assassinatos e da maldição.
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Confira os curtas, com legenda em inglês:
![]() Ju-On: The Curse
Original:Ju-On
Ano:2000•País:Japão Direção:Takashi Shimizu Roteiro:Takashi Shimizu Produção:Takashige Ichise, Kazuo Katô, Masaaki Takashima Elenco:Yûrei Yanagi, Yue, Ryôta Koyama, Hitomi Miwa, Asumi Miwa, Yumi Yoshiyuki, Kazushi Andô, Chiaki Kuriyama, Yoriko Dôguchi, Jun'ichi Kiuchi, Denden, Tarô Suwa, Reita Serizawa, Shirô Namiki, Takako Fuji, Takashi Matsuyama, Yûko Daike |
Com elogios ao material, Shimizu logo começaria a trabalhar em seus primeiros longas, ambos de 2000, e filmados quase que simultaneamente. O primeiro, Ju-On: The Curse, apresenta o letreiro sobre a tradição japonesa referente ao rancor, e é dividido em pequenos capítulos com nomes de personagens, além de não seguir uma linha cronológica absoluta para dar o tom de uma maldição cíclica. Na base narrativa, Kayako, casada com Takeo, sente uma paixão avassaladora pelo professor Shunsuke Kobayashi (Yûrei Yanagi). Quando seu marido ilustrador descobre a traição através de um diário, ele a mata, depois finda o filho Toshio (Ryôta Koyama) e o gato Mar. A violência dos crimes cometidos desencadeia uma maldição “onryō” na casa, em Nerima, Tóquio, levando qualquer pessoa que visite o local ou tenha envolvimento com alguém que a visitou a sofrer consequências sobrenaturais.
O primeiro capítulo, intitulado “Toshio“, mostra o professor Kobayashi conversando com sua esposa grávida Manami (Yue) sobre não ter conseguido contatar seu aluno do fundamental Toshio. Ele resolve então ir à casa, encontrando o garoto na grade da janela com sinais de ferimentos no corpo. A casa está uma bagunça, com sinais claros de abandono e aparentemente sem qualquer vestígio dos pais. Na cena que depois seria refeita até mesmo na refilmagem americana, o professor olha pela janela enquanto o garoto escancara a boca. Em Ju-On: The Curse 2, muitas das cenas deste são reaproveitadas, mas não a de Toshio na janela, e a boca aberta acompanha um miado.
Mais tarde, há a continuação da cena, com o professor descobrindo o diário de Kayako, várias fotografias recortadas, desenhos estranhos e a própria mãe de Toshio morta no sótão. Kobayashi recebe uma ligação de Takeo, anunciando ter feito o parto de sua esposa, com o feto ensanguentado em suas mãos. O fantasma de Kayako mata o professor e depois persegue Takeo nas ruas, finalizando-o – diferente da refilmagem americana que incluiu o suicídio de Takeo na maldição.
Yuki (Hitomi Miwa) é o segundo segmento da produção. Nela, há indícios que a casa agora foi ocupada pela família Murakami. A filha Kanna (Asumi Miwa) está na casa com sua tutora Yuki, até recordar que precisa ir à escola alimentar os coelhos – sim, é uma conexão com o curta “Katasumi“. Yuki, que tem medo de gatos, vê um preto pela casa, e depois é morta por Kayako, enquanto o irmão de Kanna, Tsuyoshi (Kazushi Andô) sai para encontrar a namorada Mizuho Tamura (Chiaki Kuriyama), mas nunca chega ao local porque descobrimos que ele é o garoto do telefonema do curta “4444444444“, morto por Toshio, e este também reserva uma visita a ela.
Outro episódio mostra o detetive Yoshikawa (Denden) e seu assessor Kamio (Tarô Suwa) investigando a morte de Hisayo Yoshida, a outra menina morta no curta dos coelhos. E eles encontram uma mandíbula junta ao corpo, sem saber que pertence a Kanna, quando esta retorna para casa e surpreende sua mãe Noriko (Yumi Yoshiyuki) em uma das cenas mais aterrorizantes do filme. E ainda há o segmento que envolve a empresa proprietária da casa, Suzuki Real Estate, pertencente a Tatsuya Suzuki (Makoto Ashikawa), reservando a irmã psíquica dela, Kyoko (Yûko Daike), um encontro com a nova residente, possuída por Kayako.
![]() Ju-On: The Curse 2
Original:Ju-On 2
Ano:2000•País:Japão Direção:Takashi Shimizu Roteiro:Takashi Shimizu Produção:Takashige Ichise, Kazuo Katô, Masaaki Takashima Elenco:Yûrei Yanagi, Yue, Ryôta Koyama, Hitomi Miwa, Asumi Miwa, Yumi Yoshiyuki, Kazushi Andô, Chiaki Kuriyama, Yoriko Dôguchi, Jun'ichi Kiuchi, Denden, Tarô Suwa, Reita Serizawa, Shirô Namiki, Takako Fuji, Takashi Matsuyama, Yûko Daike |
Como se nota, muito do que é visto aqui foi aproveitado nas produções vindouras, incluindo Ju-On: The Curse 2, lançada no mesmo ano. Os primeiros trinta minutos reeditam cenas do primeiro, como a visita do professor Kobayashi, a descoberta da morte de sua esposa, o encontro de Takeo com Kayako nas ruas até a possessão de Kyoko, na visita ao seu sobrinho Nobuyuki (Tomohiro Kaku). Os atuais moradores da casa, Yoshimi (Kaori Fujii) e Hiroshi Kitada (Kaei Okina) protagonizam uma cena que depois seria visto em O Grito 2 , quando ela, durante o café da manhã, acerta a cabeça de seu marido com uma frigideira.
O detetive Kamio reaparece, desta vez com o apoio de Iizuka (Reita Serizawa). Enquanto investigam a nova condição de Nobuyuki, descobrem o estado de loucura de Yoshikawa e são também sucumbidos a um encontro com Kayako. Mas, as partes mais interessantes são reservadas para Nobuyuki, perseguido pela assombração na escola: várias Kayakos são vistas como ameaça, justificando como o fantasma consegue aparecer em vários ambientes ao mesmo tempo. E o epílogo só traz as vozes de jovens que visitam a morada, sentindo o gosto ruim do saquê – Kyoko havia dito que aqueles que não apreciarem o sabor devem fugir imediatamente da casa – e dão indicações de que a maldição irá ter continuidade.
Com recursos reduzidos, como ter apenas uma câmera, o que comprova sua pouca mobilidade e cortes entre as cenas, Shimizu consegue fazer uma assustadora antologia conectada a uma casa maldita. Faz um trabalho não muito bom no som, e há algumas atuações bem amadoras, assim como uma fotografia escura, mas ambos os filmes são interessantes em seu enredo sobrenatural e sangrento. Consciente do material de que dispunha, era óbvio que o cineasta daria uma sobrevida ao conteúdo em duas produções, a refilmagem americana e sua continuação. É como um terror sendo esculpido até alcançar um formato considerado ideal.
Infelizmente, estas produções iniciais não foram lançadas por aqui, e cabe ao infernauta cavar pela internet em busca dos filmes. Valem a pena para entender os passos de construção de uma dos enredos mais aterrorizantes do j-horror!