![]() Siksa Kubur
Original:Siksa Kubur
Ano:2024•País:Indonésia Direção:Joko Anwar Roteiro:Joko Anwar Produção:Tia Hasibuan Elenco:Faradina Mufti, Reza Rahadian, Widuri Puteri, Muzakki Ramdhan, Christine Hakim, Slamet Rahardjo, Fachry Albar |
Escrito e dirigido por Joko Anwar – talentoso cineasta indonésio, responsável pelos impressionantes Impetigore / Herança Maldita (2019), Os Escravos de Satanás (2017) e sua continuação, Pengabdi Setan 2 (2022) – Siksa Kubur aka Grave Torture (algo como Tortura do Túmulo) é um longa-metragem inspirado em um curta homônimo de sua própria autoria lançado em 2012. O enredo explora um conceito religioso do Islamismo, o tormento do túmulo, que afirma que pecadores serão torturados dentro de seus túmulos, de acordo com a gravidade de seus pecados em vida.
A trama acompanha os irmãos Sita e Adil, que viviam felizes até perderem os pais em uma explosão causada por um homem-bomba. O criminoso teria sido motivado por sons e gritos aterrorizantes gravados em uma fita k7. Esta gravação comprovaria as torturas sofridas por um desconhecido dentro de um túmulo – o tal castigo pós-morte comentado no parágrafo anterior. Para se purificar e evitar o mesmo destino, o homem-bomba se sacrificaria em nome de Alá, em um ato insano que culminaria na morte de dezenas de pessoas. Agora órfãos, Sita e Adil são enviados a um orfanato religioso, onde vivem abusos morais e físicos. Sita desenvolve uma personalidade cética e crítica em relação à fé e à religião e, quando adulta, se dedica a provar que o tormento do túmulo não seria real e sim uma superstição. Porém, esta obsessão vai aprisionar ela e o irmão em um pesadelo bizarro no qual crer no extraordinário pode ser a única alternativa possível.
Ainda que o longa seja o menos expressivo da carreira do diretor Anwar dentro do gênero horror, Siksa Kubur tem um plot inicial diferenciado e alguns momentos bem interessantes, como os bons diálogos que discutem a religião e a ética, além de um ato final pesado e brutal. Os cenários, assim como em outras produções indonésias de horror, colaboram para uma ambientação opressiva: são casarões (aqui um asilo) velhos, sujos e com muitos cômodos, herança de um período colonial, quando a Indonésia passou pela dominação de diferentes países europeus.
Em relação ao roteiro, ele é estruturado de maneira inteligente, no qual o primeiro ato mostra-se propositalmente confuso, até que tudo vai sendo esclarecido, evitando qualquer diálogo mais expositivo. Apesar de não ser uma obra aberta, nem tudo é detalhado, obrigando o espectador a preencher algumas lacunas, ou a ignorá-las, algo que pode ser feito sem maiores impactos na trama principal.
Do elenco, destacam-se a protagonista Faradina Mufti (atriz que já havia trabalhado com Anwar em Impetigore, em um papel secundário) e o veterano Slamet Rahardjo (do horror Pemandi Jenazah, 2024), como o desprezível personagem que defende que se não há ética religiosa ou pecado, qualquer atitude é permitida.
Alguns infernautas podem estranhar a base religiosa de Grave Torture, o que é até esperado, não pelo fato da inspiração ser religiosa, afinal praticamente todas as obras sobre exorcismo seguem regras do catolicismo e muitas sobre casas assombradas se baseiam no espiritismo, mas sim por adaptar conceitos de uma religião pouco conhecida no ocidente. É importante pontuar que não é fácil interpretar a mensagem que o diretor Anwar quis transmitir (se é que ele quis). Poderíamos dizer que o enredo é a favor da religiosidade, já que a sua tagline “Você precisa acreditar!” e o seu desfecho sobrenatural parecem corroborar o dogma do tormento do túmulo e a existência de um deus regendo o mundo, no caso Alá. Contudo, durante muitos diálogos, a cética protagonista levanta pontos importantes sobre a religião, além do episódio que se passa no orfanato, onde a mesma religião é retratada como opressora e por vezes complacente com crimes (no caso sexuais). É relevante questionar também que, apesar de Joko Anwar ser um muçulmano praticante, ele opta por colocar um personagem muçulmano como um homem-bomba. Não é negar que isso ocorra, no entanto este estereótipo acaba fortalecendo a visão preconceituosa que nós, ocidentais, temos daqueles que seguem o Islã. Contudo, na opinião deste que vos escreve, toda esta ambiguidade é extremamente positiva, pois evita que qualquer camada mais ideológica se destaque e o longa se torne apenas um panfleto religioso.
Diferente de Impetigore e Escravos de Satanás, Grave Torture não exagera no sangue e na violência explícita, ainda que traga cenas impressionantes, como o desfecho (em que uma criatura come o rosto de um pecador, que se regenera e é comido de novo infinitamente). O destaque de fato é uma tensa sequência de um escalpelamento ocorrido em uma máquina de lavar roupas. Esta ficará na memória dos mais fracos por um bom tempo.
Siksa Kubur estreou nos cinemas indonésios em 11 de abril de 2024, o dia de Eid al-Fitr (celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadã). Iniciou com uma bilheteria expressiva de mais de 250 mil ingressos vendidos, um recorde para produções locais. Ao final foram mais de 4 milhões de espectadores, tornando-se uma das produções indonésias de maior bilheteria de todos os tempos. No mesmo ano concorreu a dezessete prêmios no Festival de Cinema da Indonésia, incluindo Melhor Filme. Entretanto, acabou vencendo apenas a categoria dedicada ao “som”.
Enquanto este texto é escrito, Siksa Kubur não está disponível legal ou oficialmente no Brasil. Contudo, o longa deve entrar em breve no catálogo da Netflix, visto que a plataforma de streaming oferece o filme a outros países, como nos Estados Unidos, por exemplo.
Enfim, Siksa Kubur aka Grave Torture (2024) é uma boa opção para o infernauta que prefere obras fora do eixo América-Europa. Tecnicamente ambicioso e impecável. E se não apresenta o mesmo gore das outras obras do cineasta Joko Anwar, traz uma reflexão válida sobre os perigos e o poder exercido pelas religiões, sejam elas quais forem.