![]() A Filha do Demônio
Original:La setta
Ano:1991•País:Itália Direção:Michele Soavi Roteiro:Michele Soavi, Dario Argento, Gianni Romoli Produção:Dario Argento, Mario Cecchi Gori, Vittorio Cecchi Gori Elenco:Kelly Curtis, Herbert Lom, Mariangela Giordano, Michel Adatte, Carla Cassola, Angelika Maria Boeck, Giovanni Lombardo Radice, Niels Gullov, Tomas Arana, Donald O'Brien |
Penúltimo filme de horror de Michele Soavi, realizado antes de sua obra máxima, Pelo Amor e Pela Morte (Dellamorte dellamore, 1994), A Filha do Demônio é uma produção atmosférica, envolta em satanismo e culto, destacando no roteiro o nome de Dario Argento, com quem ele havia trabalhado em A Catedral (La chiesa, 1989). Com o título original La Setta (na tradução, “a seita“), o longa teve exibição no Festival de Toronto com o título traduzido, mas chegou ao mercado americano e brasileiro com o péssimo A Filha do Demônio / The Devil´s Daughter, um spoiler desnecessário quase similar ao do clássico A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1982).
Além de Argento, assinam o roteiro o próprio Soavi e Gianni Romoli, repetindo essa parceria no filme seguinte. A Filha do Demônio é um filme menor dentre os quatro confeccionados por Soavi no período, e é o menos simbólico e profundo, sem provocar interpretações. Talvez ele tivesse um maior reconhecimento se fosse lançado uns quinze anos antes, época da propagação insana de cultos religiosos e fanatismo tribal. Deve ser essa a razão do enredo começar em 1970, no sul da Califórnia, quando um grupo de hippies encontra o líder espiritual Damon (Tomas Arana, de A Catedral) no deserto, serve-lhe comida, para depois ser brutalmente assassinado por ele e seus seguidores, oferecendo os corpos a Lúcifer.
As ações saltam para 1991, em Frankfurt, Alemanha, onde todos falam fluentemente o italiano. A jovem Mary Crane é perseguida e morta por Martin Romero (Giovanni Lombardo Radice, de Cannibal Ferox), que depois exibe o coração da vítima no metrô e se mata. Eis que finalmente surge a protagonista, a professora Miriam Kreisl (Kelly Curtis), que quase acidentalmente atropela o idoso Moebius Kelly (Herbert Lom, de A Hora da Zona Morta), próximo a Seligenstadt, optando por levá-lo a sua casa sem saber que se trata de um dos seguidores do culto. Durante a noite, ele coloca perto do rosto da moça um besouro, que adentra a narina dela lhe trazendo um estranho pesadelo em que está em um campo florido e enxerga uma pessoa crucificada.
Quando Miriam sai em busca de um médico para cuidar do senhor, que fingia dificuldade para respirar, ele aproveita para descer aos porões da moradia e abre uma passagem secreta para um poço, onde dá início a um ritual, atirando nele um pacote que deixa a água azulada. Logo, ela traz a sua morada o jovem Dr. Franz Pernath (Michel Adatte) para ajudar o moribundo constatando a morte no local, com uma mortalha sobre o rosto. Aos poucos Miriam passa a perceber outras situações estranhas como uma mulher escondida no porão, e o desaparecimento da mãe da aluna Samantha (Yasmine Ussani), uma tal de Claire Heinz (Angelika Maria Boeck), que recentemente desenvolveu pesquisas sobre uma espécie extinta de besouro. Depois a amiga dela, a falante Kathryn (Mariangela Giordano), é afetada pela mortalha e tem uma experiência de possessão em um estacionamento de caminhões, levando a protagonista a algumas descobertas no necrotério.
Como é comum no subgênero das seitas religiosas e satanismo, Miriam demora a perceber que não se pode confiar em ninguém. Nota-se uma clara influência de O Bebê de Rosemary, principalmente no último ato quando os envolvidos no culto lhe dão a oportunidade de fazer algo, uma ação como a de Rosemary no clássico de Roman Polanski. Embora seja uma produção italiana, com o envolvimento de Argento, a violência gráfica é até contida, ainda que tenha uma ou outra cena angustiante, como a de retirada de um rosto ao estilo Leatherface e a da ave cutucando um pescoço aberto para se alimentar de vermes.
O filme traz uma narrativa um pouco disforme, demorando para que o espectador saiba quem é a protagonista e o que está acontecendo. Miriam é até levemente tridimensional, destacando sua solidão, a bagunça de sua moradia, seu trato com o coelho de estimação – que depois adquire relevância – e dificuldade de se relacionar, tendo na amiga sua principal escudeira. Os demais personagens são pouco desenvolvidos, incluindo Moebius e o Damon, que perde força na segunda metade. Embora o enredo transmita uma sensação de insegurança, deixando transparecer uma ideia de que não existe escapatória, ao mesmo tempo evidencia facilidades do roteiro pelas oportunidades oferecidas à “filha do demônio“.
É um bom filme, mas distante de figurar entre os destaques do diretor como Pássaro Sangrento, A Catedral e principalmente o excepcional Pelo Amor e Pela Morte. Contudo, é bem realizado e atmosférico, como produções de culto satânico devem ser.