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Pelo Amor e Pela Morte
Original:Dellamorte dellamore
Ano:1994•País:Itália, França, Alemanha
Direção:Michele Soavi
Roteiro:Gianni Romoli, Tiziano Sclavi
Produção:Heinz Bibo, Tilde Corsi, Gianni Romoli, Michele Soavi
Elenco:Rupert Everett, François Hadji-Lazaro, Anna Falchi, Mickey Knox, Fabiana Formica, Clive Riche, Katja Anton, Barbara Cupisti, Anton Alexander, Pietro Genuardi, Patrizia Punzo

As raízes do detetive sobrenatural Dylan Dog dialogam com um outro herói, com menos brilho e popularidade. Antes de conceber seu personagem mais conhecido, o criador Tiziano Sclavi escreveu um romance em 1983 intitulado “Dellamorte Dellamore” apresentando o “homem do cemitérioFrancesco Dellamorte, que depois teria uma interpretação bem característica de Rupert Everett. Coincidentemente, ou numa típica piada interna, Sclavi imaginou Dylan Dog com a aparência de Rupert Everett ao vê-lo em cena no longa biográfico Memórias de um Espião (Another Country, 1984), de Marek Kanievska, sem saber que, em 1994, o ator seria escalado como protagonista de uma adaptação anterior. E as coincidências vão além dos aspectos físicos e vestuário, mas também no humor ácido, no sarcasmo, na forma como enxerga e aceita influências sobrenaturais. Há quem diga entre os fãs mais fervorosos que Francesco é o próprio Dylan Dog, a gênese do investigador paranormal.

Independente dessa comparação e analisando o longa de Michele Soavi por si só, pode-se dizer que se trata de uma produção bem divertida, insana, resultando numa narrativa que poderia ser o mote de uma série de televisão. Considero este o melhor trabalho do cineasta, ainda ativo, e que tem no currículo outros bons filmes como O Pássaro Sangrento (Aquarius, 1987), A Catedral (La chiesa, 1989) e A Filha do Demônio (La setta, 1991). Não se sabe porque, depois de Pelo Amor e Pela Morte, Soavi deixou de lado o horror violento e metafórico para comandar longas de outros gêneros e estilo, apoiando-se em franquias e séries de TV.

Com produção de Tilde Corsi, Gianni Romoli e do próprio Soavi, o filme começa na apresentação do personagem, com a câmera passando por dentro de um crânio até mostrar Francesco Dellamorte depois de um banho, atendendo uma ligação, até que percebe alguém na porta. Um homem morto, rosto acinzentado e olhar arregalado, carregando uma maleta, é baleado na cabeça, com evidências de uma rotina cansativa e quase tediosa. Francesco é zelador do cemitério da pequena cidade de Buffalora, um local onde não se sabe a razão os mortos tendem a retornar sete dias depois que são enterrados. Sua função é abatê-los para novamente enterrá-los, um duplo serviço que lhe traz mais canseira do que satisfação.

Acompanhado de um rapaz deficiente mental, Gnaghi (François Hadji-Lazaro), que só pronuncia “Gna” para tudo e ainda assim permite a compreensão de Francesco, entre recolher os corpos para um novo enterro, ele tem como hobbies ler a lista telefônica, riscando os nomes dos recém-falecidos, e também montar um eterno quebra-cabeça de um crânio de verdade – uma bela ironia de seu lazer pessoal. Consciente de sua função penosa, Francesco tenta convencer o prefeito Scanarotti (Stefano Masciarelli) sobre o que acontece em seu local de trabalho, um cemitério que traz os dizeres em latim “Resurrecturis“, mas é sempre deixado de lado por outros afazeres. A sátira sobre a burocracia é expressa com o funcionário Franco (Anton Alexander) em um ambiente desorganizado de papeladas e falta de espaço.

Esse estresse começa a mudar de tom quando, no velório de um homem rico, ele se apaixona pela viúva (Anna Falchi) e fica atento a uma outra visita da moça para tentar uma aproximação. Demonstrando interesse pelo ossuário, ele consegue conquistá-la, tendo um momento íntimo sobre o túmulo do falecido. Francesco, considerado pelos locais como impotente, é atrapalhado pelo marido morto que a morde, e ela aparentemente morre. A cena de sexo é de uma poesia visual impressionante, contando com a química do casal, a beleza da atriz e a atmosfera taciturna de um cemitério sobre a luz do luar – um dos momentos mais bonitos do horror de todos os tempos!

Como a morte nesse filme não é o fim e tem outras representações, haverá consequências estranhas com a confusão do protagonista, enxergando sua amada em outras mulheres, como uma projeção de seus sentimentos, sua maneira de findar a solidão, chegando ao ponto de pedir para um médico retirar seu pênis para agradar um de seus interesses. Com a recusa e a injeção para impotência, Francesco descobre que a agora a moça passou a gostar de sexo e ele não pode atendê-la. Apesar da esquisitice da situação, é um reflexo do que acontece em muitos relacionamentos, mas principalmente com quem não quer mais viver sozinho.

Já Gnaghi tem seu próprio drama pessoal por ser apaixonado pela filha do prefeito, Valentina (Fabiana Formica), numa relação evidentemente platônica, até ela sofrer um acidente fatal de moto, voltando com o veículo e perder a cabeça, sem que isso diminua o interesse do rapaz por ela. Francesco nota o absurdo da situação, mas, como o amigo, também está em um processo de degradação psicológica, consequente da perda do amor de sua vida e a manutenção de sua solidão. Basicamente é uma das temáticas mais profundas do longa, ainda que traga situações bizarras e bem humoradas.

Em uma das cenas mais intensas, Francesco confronta a própria Morte, incomodada por ele insistir em matar os mortos em vez de findar os vivos – algo que ele faz simbolicamente em um massacre que não permite que o fraco investigador, Straniero (Mickey Knox), consiga encontrar motivos para culpá-lo, aceitando qualquer desculpa ou misturando os atos a uma ação drástica de Franco. O episódio também é carregado em metáforas, com a entidade servindo como um auto-questionamento sobre suas atitudes, assim como é possível entender que todos os elementos sobrenaturais podem ser fruto dos delírios de um homem frustrado e solitário. A prova disso está no último ato, na exposição de um belíssimo quadro apocalíptico, onde os papéis de Francesco e Gnaghi se invertem no ápice de seu declínio.

Pelo Amor e Pela Morte é um filmaço de horror, com elementos de humor ácido, esquisitices e belíssimas cenas metafóricas com o final levemente pessimista. Soavi concebeu uma obra de múltiplas facetas, sem se esquivar de um horror gráfico comum aos filmes de zumbis. Deve agradar fãs do gênero da mesma forma como os da arthouse, pela possibilidade de enxergar sua profundidade estranha e mágica.

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