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O Monge
Original:The Monk
Ano:1796•País:UK
Autor:Matthew Gregory Lewis•Editora:

Quando se diz que o gênero horror tem suas raízes no romantismo gótico, a primeira associação é com a obra-prima de Mary Shelley, Frankenstein: O Prometeu Moderno, publicada em 1818. É claro que o estilo, com sua gênese em O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole, já evidenciava traços de uma literatura perversa muito antes disso, se levar em consideração a produção de William Shakespeare, por exemplo, mas é possível dizer que o gênero propriamente dito se desenvolveu na ousadia do dramaturgo inglês Matthew Gregory Lewis.

Nascido em 9 de julho de 1775, Lewis estudou na escola Westminster e fez seu bacharel e mestrado ironicamente na universidade Christ Church, em Oxford, seguindo os passos de seu pai, Matthew Lewis. Acompanhou os problemas de relacionamento dele na tentativa de se separar de sua mãe, Frances Maria Sewell Lewis, e também buscou uma carreira como diplomata. Fez traduções de obras clássicas como a ópera francesa Felix, escreveu a farsa A Intriga Epistolar e posteriormente a peça As Índias Orientais, enquanto tentava se espelhar em Walpole na produção de um romance gótico. Foi com a tradução do complicado Oberon, de Wieland, na Alemanha, que Lewis atraiu a atenção de Johann Wolfgang von Goethe. Quando ocupou a função de adido da embaixada britânica em Haia, na Holanda, ele encontrou no tédio local a possibilidade de desenvolver seu romance Ambrosio aka O Monge.

“Lewis, monge ou bardo milagroso / Quem de bom grado faria do Parnaso um cemitério; / Até o próprio Satanás contigo pode temer habitar, / E em teu crânio discernir um inferno mais profundo.” (Lord Byron)

Publicado anonimamente, em três partes, o livro fez sucesso suficiente para já na segunda edição Lewis assumir a autoria, mesmo com a publicação sofrendo restrições pela censura, obrigando-o a alterar algumas das passagens. Ainda assim, conquistou elogios de Lord Byron e até de Marquês de Sade. Depois que sua peça The Captive, estrelada por Harriett Litchfield, teve a primeira exibição, a equipe envolvida saiu horrorizada da produção e ela não teve outra, pelo conteúdo agressivo que mostrava uma mulher presa numa masmorra, acreditando que sairá de lá como uma assassina. No verão de 1816, Lewis visitou Percy Bysshe Shelley e Mary Shelley em Genebra, Suíça, e contou cinco histórias de fantasmas, registradas por Mary Shelley no Diário de Genebra. Em 1818, enquanto uma criatura feita de partes humanas ganhava vida, Matthew Gregory Lewis foi sucumbido por uma febre amarela, quando retornava da Jamaica.

A concepção de O Monge foi o que permitiu notoriedade a Matthew Gregory Lewis. Com influências assumidas em Os Mistérios de Udolpho, de Ann Radcliffe, e Caleb Williams, de William Godwin, a obra foi considerada por críticos como plágio, devido aos trabalhos de tradução do autor. O próprio mencionou a base da criação de A Freira Sangrenta, um dos grandes momentos do livro, com base nas tradições alemãs, mas negou que o restante tivesse inspiração direta em qualquer produção anterior. O Monge teve quatro edições, sendo que a última já com bastante alterações pelo escritor, com a exclusão de passagens mais pesadas e uma crítica à Bíblia, o fez pedir desculpas no prefácio de outro trabalho: “…eu não tinha a mais distante intenção de desprezar os Escritos sagrados, e que, se eu suspeitasse que produzisse tal efeito, não teria escrito o parágrafo“.

Mesmo com tais mudanças é impossível não notar a perversidade de seu conteúdo – e isso é um absoluto elogio. Nos últimos acordes do século XVIII, Lewis apresentou um livro extremamente ousado com temáticas até então não exploradas na literatura como culto satânico, bruxaria, perdição sexual, estupro, assassinato, sequestro, tortura, exorcismo, pedofilia e incesto, degradação psicológica de um homem santo e a descida gradual a um inferno literal. Tudo isso numa literatura dinâmica, bem escrita, numa linguagem sem floreios e perturbadora. Pode-se dizer que Matthew Gregory Lewis é um dos principais fomentadores do horror.

O Monge se divide praticamente em três narrativas que se entrelaçam. A principal é a do monge Ambrósio, uma figura popular pelos votos religiosos e pela dialética de seus sermões profundos, mas que descobre entre os eclesiásticos que o seguem no mosteiro que um deles, apresentado como Rosário, é na verdade uma mulher, Matilda. Ela teria se disfarçado de homem para se aproximar de seu amado, e acaba ajudando-o quando ele é mortalmente mordido por uma serpente, adquirindo admiração na mesma proporção em que o tenta, principalmente pela doçura de uma aparência que remete a um quadro que ele possui em seu dormitório.

Durante o sermão eloquente no ponto de partida do livro, é possível notar o interesse da jovem Antonia, de 15 anos, pelo talento discursivo do monge, enquanto ela é admirada na plateia por um rapaz presente na missa, Lorenzo. Este é irmão de Agnes, uma jovem freira de uma abadia vizinha, e que decide abandonar seus votos para se casar com Don Raymond. Ao ser impedida pelos pais, até mesmo de sair de casa, ela resolve fugir usando a lenda da Freira Sangrenta, uma entidade que uma vez a cada cinco anos passeia pelo Castelo de Lindenberg com o hábito sujo de sangue, conduzindo um punhal e uma lamparina.

Apesar dos esforços em evitar a sedução de Matilda, Ambrosio cai aos encantos da moça, mas também se apaixona por Antonia. Mesmo enciumada, Matilda resolve ajudá-lo na invocação de Lúcifer para que o monge possa se aproximar e ter literalmente o corpo da garota. Mas tudo precisa ser feito de modo a manter a reputação santa de Ambrosio, sendo necessário enganar a mãe dela, Elvira, para permitir o acesso. A narrativa do monge corrupto intercala com a de Agnes, quando esta engravida de Don Raymond e é mantida sob sigilo no mosteiro de Santa Clara. Conhecido como Alphonso d’Alvarada, Raymond terá sua aventura particular no confronto com bandidos, numa estadia próxima a Estrasburgo.

Todas as narrativas se cruzarão no decorrer do livro e principalmente na última parte, quando entra em cena o Tribunal de Inquisição. Quando o leitor já está no apagar das luzes das páginas macabras de Lewis, este traz três revelações surpreendentes, daquelas de deixar qualquer um boquiaberto. O Monge se encerra de maneira apavorante, levando tanto o antagonista quanto quem estiver acompanhando as páginas a uma sensação de pessimismo e desespero. Se uma obra transgressora como essa não for vista como peculiar e de qualidade literária excepcional, é porque há a injustiça dos críticos.

Quando um livro se torna capaz de provocar o leitor, mesmo que através da repulsa, é porque ele atingiu seu objetivo. E Lewis fez isso muito bem, em uma linguagem agradável, bem escrita, sem aqueles exageros descritivos da época, e com uma narrativa surpreendente. É possível compreender toda a polêmica que o envolve, mas também é passível aceitar sua importância para a literatura de horror na escrita de um visionário, um crítico de sua época, capaz de trazer reflexões sobre seu conteúdo e principalmente a respeito do período. Vale a pena conhecer a jornada de Ambrosio rumo ao inferno, além de personagens profundos e enigmáticos, envoltos em um pesadelo literário.

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