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Hallow Road: Caminho Sem Volta
Original:Hallow Road
Ano:2025•País:Irlanda, UK, República Tcheca
Direção:Babak Anvari
Roteiro:William Gillies
Produção:Richard Bolger, Nate Bolotin, Aram Tertzakian, Lucan Toh
Elenco:Rosamund Pike, Matthew Rhys, Megan McDonnell, Tadhg Murphy, Stephen Jones, Paul Tylak

por Renato Droguett

Ao longo da história do cinema, alguns thrillers provaram que não é preciso mais do que um espaço restrito para criar tensão sufocante: Ryan Reynolds, enterrado vivo em Buried (2010), transformou um caixão em pesadelo absoluto; Tom Hardy, sozinho ao volante em Locke (2013), mostrou como uma cabine de carro pode carregar drama existencial; A Vastidão da Noite (2019) reaproveitou a estética minimalista que lembra radioteatro — perfeita para atmosfera e para deixar o espectador usar a própria imaginação como arma —; e, mais recentemente, Locked (2025) atualizou essa tradição do “filme de espaço único” para uma nova geração. É nessa linhagem que se insere Hallow Road: embora o título sugira que a estrada seja o atrativo principal, o que realmente dá tônica ao filme é a relação — e o drama — familiar, cuja dinâmica íntima, comprimida no espaço de um carro em movimento que transforma a viação em claustro emocional, o insere nesse pequeno panteão de longas de confinamento.

Na trama, acompanhamos Maddie (Rosamund Pike), uma paramédica acostumada a lidar com emergências, e seu marido Frank (Matthew Rhys), que recebem uma ligação perturbadora da filha adolescente durante uma noite de Halloween. O casal parte pela estrada que dá título ao filme, mergulhando em uma corrida contra o tempo repleta de dúvidas, medo e silêncios pesados demais para caber dentro de um veículo. Dirigido por Babak Anvari (Under the ShadowWounds) e roteirizado pelo estreante William Gillies, o longa aposta em tempo quase real, atmosfera minimalista e tensão crescente para construir seu impacto.

A força de Hallow Road está, antes de tudo, nas atuações. Rosamund Pike confirma sua reputação como uma das atrizes mais versáteis e intensas do cinema contemporâneo: ela alterna desespero e racionalidade com uma naturalidade que prende o espectador. Matthew Rhys, discreto mas igualmente preciso, funciona como contrapeso, sustentando os momentos de maior descontrole com sobriedade. O roteiro, mesmo em sua contenção, dá espaço para esses diálogos carregados de subtexto, onde cada silêncio pesa mais que as palavras.

Outro trunfo é a construção da tensão a partir do implícito. Anvari evita cair na armadilha da explicação excessiva — preferindo sugerir, deixar pistas visuais e sonoras, trabalhar com a escuridão da estrada e os ruídos que vêm de fora do carro. O resultado é um clima que se acumula lentamente, mas sem jamais perder o ritmo: há urgência em cada cena, como se o espectador estivesse preso dentro daquele carro, compartilhando a ansiedade dos protagonistas.

No entanto, nem todas as vias são bem pavimentadas nessa road: quando o filme procura ancorar-se no realismo, nota-se uma série de escolhas narrativas que fragilizam a verossimilhança: certas decisões de personagens e o recurso a coincidências convenientes funcionam mais como artifícios de roteiro do que como consequências motivadas, o que reduz a tensão dramática que se pretende alcançar. Por outro lado, a sinuosa transição de gêneros do longa permanece na superfície; símbolos e insinuações são introduzidos sem o aprofundamento necessário para que esses elementos atuem plenamente como força temática ou estética. O efeito combinado é uma inconsistência tonal — o filme hesita entre sustentar um realismo rigoroso e explorar o fantástico de modo revelador — e essa indecisão acaba por diluir a potência de ambas as abordagens.

Porém, esses pequenos buracos não tiram o brilho do passeio. Com Hallow Road, o terror psicológico ganha um exemplar que equilibra minimalismo estético e potência emocional. É um filme que prova como, às vezes, o espaço mais amplo para o horror não está no cenário, mas dentro das pessoas — e do que elas escondem umas das outras.

Alerta de spoilers

Quando abordamos os aspetos reveladores do enredo, a leitura crítica muda de patamar: o filme sugere — e em determinados momentos aparentemente confirma — que Alice já morreu, e que o telefonema e boa parte das interações que vemos são, na verdade, manifestações alucinatórias e sintomas de culpa por parte dos pais. Paralelamente, o texto narrativo semeia signos de horror folclórico — a figura ambígua da “mulher” que surge como arauto, símbolos ritos-like e a ideia do changeling (a criança supostamente “trocada” por uma entidade, tropeço mítico usado historicamente para explicar mudanças comportamentais ou enfermidades) — o que abre uma via interpretativa inteiramente sobrenatural. Ao reunir essas duas instâncias, Hallow Road pratica uma ambiguidade explícita: parte do filme pode ser lida como um colapso psíquico íntimo (culpa, negação, alucinação), outra parte como a operação de uma força externa e folclórica que substitui ou perverte a criança. Tecnicamente, o trabalho de som e edição colabora com essa polissemia — ecos, sobreposições de vozes e rupturas de continuidade que ora remetem a vozes “reais”, ora a memórias distorcidas — mas, narrativamente, a simultaneidade das leituras gera tensão e também tensão não resolvida. Trata-se de uma escolha estética arriscada que enriquece o filme ao promover múltiplas leituras, porém peca por não articular com maior coerência as consequências dessas leituras; como resultado, a ambiguidade amplifica o impacto emocional para alguns espectadores, enquanto para outros acaba funcionando como um elemento de incerteza que dilui a potência explicativa de ambos os caminhos — o psicológico e o folclórico.

Fim dos spoilers

Com Hallow Road, o terror psicológico encontra um exemplar que realmente equilibra minimalismo estético e potência emocional: a câmera confinada, o silêncio que pesa e a direção conteudista de Anvari criam um ambiente em que cada olhar e cada pausa valem mais que set-pieces caros — com destaque para a performance magnética de Rosamund Pike e a tensão constante que o filme sustenta. Porém, o longa possui algumas reservas sensatas: a transição entre gêneros e de elementos tonais poderia ter sido mais bem trabalhada e há pequenos furos de verossimilhança que atrapalham o realismo em momentos-chave. Ainda assim, para quem gosta de terror que respira pelo subtexto — que prefere a sugestão ao expediente barato do susto — Hallow Road funciona como uma experiência intensa e muitas vezes perturbadora, capaz de deixar o espectador pensando no que viu (e no que escolheu acreditar) muito depois do fim dos créditos.

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