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Trágica Obsessão
Original:Obsession
Ano:1976•País:EUA
Direção:Brian De Palma
Roteiro:Paul Schrader, Brian De Palma
Produção:George Litto, Harry N. Blum
Elenco:Cliff Robertson, Geneviève Bujold, John Lithgow, Sylvia Kuumba Williams, Wanda Blackman, Patrick McNamara

O jornalista André Barcinski costuma dizer que o diretor Brian De Palma (assim como Quentin Tarantino depois dele) sempre faz filmes sobre filmes. Isso no sentido de que, para De Palma, o ato de fazer cinema é um fim por si só. A gramática cinematográfica constitui a razão de existir de sua obra, e ela se sobrepõe até mesmo à verossimilhança da história que está sendo contada. Ainda que se busque uma aparência de realismo, seus personagens vivem em um universo muito particular e aqueles eventos só fazem sentido dentro de um filme. E talvez poucas obras de De Palma necessitem tanto de uma elevada suspensão de descrença para serem apreciadas quanto Trágica Obsessão (Obsession, 1976).

Escrito por um dos grandes roteiristas da história de Hollywood, Paul Schrader (responsável por Taxi Driver: Motorista de Táxi (Taxi Driver, 1976) e Touro Indomável (Raging Bull, 1980), entre outros roteiros consagrados), Trágica Obsessão conta a história de Michael Courtland (Cliff Robertson), um rico empresário de Nova Orleans carregado de culpa após as mortes trágicas da esposa, Elizabeth (Geneviève Bujold), e da filha, Amy (Wanda Blackman), durante um sequestro. Dezesseis anos se passam, e, durante uma viagem a Florença, na Itália, Michael se depara com Sandra (também vivida por Bujold), uma sósia de sua esposa, com quem passa a envolver-se, levando a consequências inesperadas.

Completando uma verdadeira trinca de ouro cinematográfica, a De Palma e Schrader junta-se Bernard Herrmann na trilha sonora, compositor que já possuía no currículo as trilhas de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) e de vários filmes de Alfred Hitchcock.

Falando no Mestre do Suspense, ao ler a sinopse acima você talvez a tenha achado familiar. Afinal, se Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980) é o Psicose (Psycho, 1960) de De Palma e Dublê de Corpo (Body Double, 1984) é seu Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), sim, Trágica Obsessão é seu Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958). Sendo um cineasta que se alimenta de cinema, como já mencionado, De Palma nunca fez questão de esconder suas referências e homenagens.

Porém, conforme a câmera do diretor passeia lindamente pelas paisagens de Florença, é impossível não estabelecer a ligação com outra enorme influência sua, o giallo. Esse subgênero italiano do cinema de terror e suspense é marcado pelo uso autoconsciente da vocação turística do país, bem como de tramas intrincadas e rocambolescas, exatamente como De Palma faz aqui.

E, se eu usei a palavra “passeia”, é porque o estilo narrativo de De Palma, que pode se tornar intrusivo em certos momentos – como quando em alguns filmes ele faz uso da split-screen, dividindo a tela em duas –, aqui flui feito água. Para comprovar, basta assistir à primeira parte do filme, que vai até o desfecho do sequestro, uma aula de como contar bem uma história com imagens e relativamente pouco diálogo.

Também imagética e textualmente encontram-se muito bem traduzidos alguns dos temas do filme, como a ânsia de replicar algo na esperança de recuperá-lo e o desejo de preservar uma imagem mesmo sabendo que aquilo que se esconde por trás dela é bem diferente. O primeiro tema é bem ilustrado através da figura do mausoléu que Michael ergue para Elizabeth e Amy, uma réplica da Basílica di San Miniato al Monte, em Florença, local onde ele e Elizabeth se conheceram. E o segundo, por meio da cena onde Michael e Sandra interagem pela primeira vez, nessa mesma basílica, que conta com um belo diálogo sobre o dilema entre restaurar uma pintura histórica ou substitui-la de vez pelo rascunho que existe por debaixo dela. Com tantos acertos no roteiro é até curioso pensar que Schrader e De Palma tiveram uma discordância tão grande (mais especificamente, quanto a uma parte da história que se passava dez anos no futuro, em 1985, e que foi descartada pelo diretor) que os levou a romper laços completamente.

Outro ponto de discórdia foi a atuação de Cliff Robertson, inexpressiva na maior parte do tempo e emocionando somente nos momentos em que Michael demonstra seu fascínio pela sósia de sua esposa falecida. De Palma declarou que o ator veterano agiu de maneira propositalmente difícil durante as filmagens. Felizmente, Bujold entrega uma ótima performance no papel duplo, e John Lithgow, presença frequente nos filmes de De Palma, esbanja magnetismo como Robert, melhor amigo e sócio de Michael.

Apesar do sucesso comercial na época do seu lançamento, Trágica Obsessão costuma não ser um título tão lembrado dentro da filmografia de De Palma. É claro que ser obscurecido por clássicos absolutos como Carrie, A Estranha (Carrie, 1976), Vestida para Matar, Um Tiro na Noite (Blow Out, 1981), Scarface (1983) e Os Intocáveis (The Untouchables, 1987) não configura demérito nenhum. Trágica Obsessão é certamente mais um atestado de excelência de um cineasta que celebra sua técnica sem soar pedante. Até porque o conteúdo com que trabalha é algo extremamente popular, e nem poderia ser diferente, levando-se em conta quem é sua grande inspiração. Hoje em dia é até difícil de se ter noção disso, mas na maior parte de sua carreira Hitchcock foi considerado um criador de entretenimento, tendo atingido o status contemporâneo de autor intelectual apenas a partir da celebração dos críticos franceses nas décadas de 1950 e 1960. De Palma sempre soube que não é necessário ser uma coisa em detrimento da outra, bem como sabia Hitchcock. E Shakespeare.

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