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Está Tudo Bem – vol. 2
Original:Everything is Fine – vol. 2
Ano:2025•País:UK
Páginas:256• Autor:Mike Birchall•Editora: Suma

Imagine um mundo perfeito. Sem desentendimentos, sem brigas, apenas pessoas cordiais e amigáveis, sorrisos, belos dias e enfim, tudo está sempre bem. Uma utopia, muitos diriam. Mas qual o custo da perfeição? Qual o custo de estar sempre bem e feliz? Como uma sociedade consegue conviver sem o menor desentendimento que seja? A linha que separa utopia de distopia pode ser muito mais tênue do que pensamos, e o quadrinho de sucesso no Webtoon na categoria horror e publicado no Brasil pela editora Suma, Está Tudo Bem, é o exemplo perfeito disso.

No primeiro volume conhecemos Sam e Maggie, um casal comum e feliz, que vive uma vida feliz em uma sociedade feliz e perfeita. Tudo parece bem à primeira vista, mas pequenos detalhes começam a ser incômodos. Primeiramente, nessa sociedade perfeita todos usam uma cabeça gigante de gato sorridente, sinalizando que todos estão sempre bem e felizes. Além disso, a todo momento os personagens repetem o quanto o dia está lindo e tudo está bem, são excessivamente cordiais e parece existir uma preocupante falta de emoções reais. Tudo parece mecânico, ensaiado, forçado, vigiado. E é nessas pequenas entrelinhas que o terror cria suas raízes e começa a crescer. O segundo volume da série de Mike Birchall continua a narrativa diretamente do final chocante do primeiro volume, onde o casal precisa encontrar rapidamente uma maneira de esconder o delito de Maggie, caso contrário correm grandes riscos.

Sam, ao descobrir que Maggie assassinou o policial Tom no porão de sua casa, começa a ter um compreensível surto de pânico. Ela precisa assumir as rédeas da situação e controlar o marido, afinal, eles não têm outra opção a não ser se livrarem das evidências do crime. Além disso, precisam encontrar um modo de burlar a constante vigilância do governo e também a de seus vizinhos, Linda e Bob. O plano de Maggie começa a tomar forma quando descobrem que justamente o simpático casal de vizinhos foi o responsável pelo policial ter ido até sua casa. Não vai ser nada bonito, mas atitudes precisam ser tomadas em nome da sobrevivência.

Enquanto o casal executa seu plano, Birchall consegue mostrar muito bem o desespero deles e como vão tentar fazer tudo que é possível para conseguirem fazer sua ideia dar certo. A constante tensão dos personagens e como um mínimo erro cometido pode pôr tudo a perder consegue ser transmitida bem ao leitor, pois há uma certa aflição ao ver as ações sendo executadas. Além disso, o relacionamento de ambos é um tanto mais explorado nesse volume, mostrando como a opressão constante do governo os afetou como indivíduos e em seu matrimônio, e temos uma ideia um pouco melhor do que foi tirado deles.

Linda e Bob também são mais trabalhados, sendo um casal que não tem o menor pudor de passar por cima das pessoas próximas em prol de benefício próprio e como são hipócritas de apontarem o dedo para os outros por práticas que eles mesmos realizam, lembrando bastante pessoas na nossa sociedade que pregam virtuosidade e acusam os outros de fazerem coisas erradas que eles mesmos em segredo também fazem sem pudor. Quando se veem encurralados, as ações desesperadas de Linda e Bob acabam sendo bem similares às de Maggie e Sam.

Fica claro que o autor se inspirou em 1984, de George Orwell, para criar a história, com um governo autoritário e vigilância constante, onde tudo tem que estar sempre bem e nenhuma crítica às autoridades é tolerada, mas aqui temos um horror mais psicológico e implícito do que na obra de Orwell. O uso de máscaras esconde emoções e padroniza todos, ou seja, qualquer traço de individualidade é apagado. Tentarem criar uma sociedade aparentemente perfeita, mas que há muita sujeira por baixo dos panos, também é muito semelhante a alguns episódios de Black Mirror, como White Bear, Nosedive e Hang the DJ.

A estética fofa junto a todos esses elementos que causam estranhamento é o forte do quadrinho, fazendo com que o contraste visual seja parte do horror que há por trás de tudo. A pressão de parecer bem, mesmo quando tudo está um caos, faz com que nos identifiquemos com o desconforto do casal principal. O horror é silencioso e está no simples, sem precisar de sangue e sustos, que cresce aos poucos. As cabeças de gato, a forma mecânica como todos se tratam, diálogos desconfortáveis, a rigidez com que tudo acontece.

No segundo volume de Está Tudo Bem, Birchall consegue entregar uma distopia cheia de terror psicológico constantemente tensa e sufocante pela vigilância opressora sofrida pelos personagens. Por mais que todos tentem fingir perfeição e contentamento, ainda são humanos, com sentimentos e angústias que aparecem ocasionalmente, e ficam com medo quando algo sai do script que precisam seguir. A arte com trejeitos mais fofinhos casa bem com o clima de que “está tudo bem” nessa sociedade, mas não há medo em mostrar brutalidade quando necessário, afinal, “não está nada bem“.

No final desse volume acontece uma mudança de status quo, e nos volumes seguintes devemos descobrir como Sam e Maggie lidarão com isso e se finalmente tudo vai de fato ficar bem. Provavelmente não.

 

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