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José Mojica Marins

Terça-Feira, dia 5 de agosto de 2008, no Bar Steidel, às 15 horas. Data, local e hora do confronto entre o Boca do Inferno e o Mestre do Horror José Mojica Marins, popularmente conhecido como Zé do Caixão.

Sete anos se passaram desde que o site foi fundado, mas o encontro com o Zé sempre foi impossibilitado por razões que desafiam a ordem natural do universo. Quando criança, o criador do site, Marcelo Milici, sonhava com o dia em que poderia estar frente a frente com o diretor do filme O Despertar da Besta. Foram diversos esbarrões na Rua Silva Bueno, onde o cineasta possuia um estúdio que conduzia com o mito a respeito da forma como selecionava seus atores. Ficar preso num caixão com insetos seria um sacrifício, um pesadelo real, mas valeria a pena se você pudesse fazer uma ponta num filme de terror dirigido pelo Mestre.

Anos mais tarde, com o surgimento do site, aconteceu o primeiro grande momento ao lado de Mojica. Foi durante o lançamento da extinta revista Cine Monstro, em 2004. Ao lado de Renato Rosatti, Marcelo conseguiu uma foto assustadora no Cinesesc da Rua Augusta, com o famoso grito. Ainda não havia tido a oportunidade de conversar com o cineasta, mas a dupla conseguiu um telefone de contato para marcar uma entrevista. Assim que chegou em casa, a surpresa: o papel com o telefone simplesmente havia desaparecido. Sumiu, foi sugada por um vortex, ou teria caído durante o evento?

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A possibilidade de entrevistá-lo surgiu somente há cerca de um mês, quando o filme Encarnação do Demônio começou a ganhar espaço publicitário. Marcado para a semana da estreia, ela quase aconteceu duas semanas antes, com a desistência de um jornalista. Mas, como o aviso veio tarde, o encontro acabou sendo adiado para dia 5 de agosto.

Aconteceu, então, dia 28 de agosto, uma Coletiva de Imprensa do filme Encarnação. Depois de conferir a produção, Marcelo tentou por diversas vezes fazer perguntas ao seu ídolo, mas, sem a competência exigida, sempre foi deixado de lado. No entanto, conversou com Paulo Sacramento (que fez a montagem do filme) e com o ator Milhem Cortaz, o padre Eugênio. Ainda assim, não estava satisfeito.

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No grande dia, o clima era de um filme de terror B. Uma forte chuva invadiu São Paulo, causando um caos absurdo na cidade, porém, não abalou o determinado infernauta Marcelo, rumando em direção ao seu aguardado destino. Um passeio de carro até a estação Tamanduateí. Trem lotado, a visão do inferno em cores do Zé. Um amontoado de populares ocupando cada centímetro dos vagões, acabando com a teoria da física sobre dois corpos não ocuparem o mesmo espaço. Depois, mais um passeio pelo metrô, trocando informações com os dois integrantes da equipe que entrevistarão o Zé: o colaborador e amigo João Pires Neto, e o mais novo dente cariado da Boca do Inferno, o editor da Revista Mad e da Revista Wizmania, Raphael Fernandes.

Assim que chegou ao Bar Steidel, o grupo ocupou uma das mesas do recinto e iniciou uma conversa descontraída sobre Zé do Caixão, HQs de horror, o site, cenas do filme Encarnação, e algumas bobagens, como dobradinha, bife a rolê (pratos do dia) e as dificuldade de higienização do Mestre, quando possuía unhas grandes de verdade. A conversa tomou todos os rumos do absurdo, regada a uma bebida barata e amendoins. Culpa do astro do encontro que ainda não estava presente.

Cerca de uma hora depois do previsto, o Mojica chegou ao bar, chamando a atenção das pessoas presentes. Apesar de já estar no local, mesmo depois da apresentação do Boca do Inferno, a entrevista só teve início às 16h20, cerca de uma hora e vinte minutos além do previsto, quando os jovens “repórteres” já iniciavam um plano de incendiar o local e lançar uma praga contra o Mestre.

Foram apenas 30 minutos com o Mestre, mas, para aqueles que esperaram a vida toda por uma oportunidade como essa, a espera valeu a pena. Extremamente simpático, José Mojica Marins respondeu as perguntas com toda a disposição, tirou fotos, autografou DVDs, lançou praga e surpreendeu a todos com sua solicitude. Demonstrou espanto quando soube que o seu livro Prontuário 666 – Os anos de cárcere de Zé do Caixão já estava disponível, antes do lançamento. Tratou de adquirir um de imediato.

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Fim do encontro. Satisfeitos, os três rapazes se afastaram do Bar Steidel, com planos de outros encontros e trocas de material. Não havia mais chuva, o céu estava aberto, mas o trem…

(sem correções na entrevista redigida a partir do áudio para dar mais autenticidade)

Sobre sua participação no programa de rádio Pânico e o Incidente Gimenez

Mojica: No Pânico eu estava com medo com que eles iam me aprontar. Mas eles foram muito legais, mostraram um puta de um respeito, achei bem legal. Falei porra, sendo assim eu nunca vou fugir. Só não vou na Luciana Gimenez. Por mais que tenha se retratado… O que ela fez eu acho terrível. Vocês sabem que eu saí do programa. Eles me mandaram um fax dizendo como seria tudo, uma homenagem e tal. Pô! Cheguei lá fizeram uma p… falei: não quero problema familiar, entravam com problema, eu falei: se fazer outra pergunta dessa eu saio do programa. Pô, aí perguntaram: É verdade que você foi fazer uma fita pra ter relação com sua filha? Puta, eu saí com tudo, arranquei capa e tal. Só que eu deveria ter me lembrado de quando a revista publicou, acho que foi a Contigo, publicou que ela se retratou… Então, na mesma revista tinha a mãe da Luciana pelada. Porra! Você viu na revista, será que você viu sua mãe lá dentro? A mãe dela em pose pornográfica direto. Pô, ela pediu retratação, eu não fui. Ela quis fazer. Foi minha filha e ela fez a retratação. Minha filha ia trabalhar comigo na fita, mas não tinha nada a ver ela ir trabalhar tendo sexo com ela. E o pior é quando uma mulher chega pra você e diz:

Eu não ajudo ninguém, mas eu achei impressionante. Vou te dar uma ideia que você pode ganhar dinheiro e ser famoso: por quê você não faz filme de terror?
(silêncio)

Mojica: Por que eu não faço? É o que eu mais sei fazer. (risos) Aí foi minha filha explicar pra ela… Aí a desculpa dela era por que ela estava nos Estados Unidos. Porra, eu estive em cinquenta capas de revistas nos Estados Unidos, todo mundo sabe, Cofin Joe… Não deu, ela tentou escapar pra lá e não deu.

Boca do Inferno: Principalmente na década de 80…

Mojica: Agora eu também estou tendo. Veio aqui o Scott, que é editor da revista Ultraviolent, vai sair uma reportagem grande na Fangoria, a maior do mundo. Agora já tem uma outra que se considera a segunda, dessa eu vou ser capa. E de repente a mulher diz era por que eu estava nos Estados Unidos. Porra, é uma desculpa esfarrapada mesmo.

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Desabafo do Boca para o Mestre

Boca do Inferno: É, a gente trabalha com terror, já existimos há 7 anos a ainda existe essa dificuldade para conseguir patrocínio. Até mesmo para lançar esta revista em quadrinhos. Sofremos preconceito também. Pessoas que acham que quem gosta de filme de terror é satanista ou doente…

Mojica: Era isso que acontecia comigo. Zé do Caixão é um personagem, não tem nada a ver.

Mojica fala sobre sua revista em quadrinhos, Carlos Manga e Silvio Luís

Mojica: Eu fiz a minha revista em quadrinhos nas tiraram da banca. Me deram prejuízo. Eu cheguei a lançar na época 200 mil exemplares. Mas aí o cara (Silvio Luís) chegou e rasgou a revista no programa Quem tem Medo da Verdade. Quando ele rasgou a revista, o Carlos Manga falou porra, você tem coragem de fazer isso, o homem que vem aqui, não tem estudo, que luta pelo Brasil fazendo alguma coisa, lança uma revista que estão sendo vendidos 200 mil exemplares e aí você rasga na cara dele, nosso convidado… Hoje eu tenho um programa do Canal Brasil onde eu entrevistei ele: Eu fiz tudo aquilo porquê me pagaram, meu caro, pelo amor de Deus não me jogue uma praga porque eu que precisava ganhar dinheiro, eu tava ganhando pra fazer isso, nem foi ideia minha.Relembrando bons e velhos amigos

Boca do Inferno: Gostaríamos de saber se você ainda tem contato com o pessoal que trabalhou nos dois primeiros filmes? Você ainda possui contato com o pessoal daquela época?

Mojica: O Ilídio eu ainda tenho contato. O Nagiba tá aqui, me acompanha há mais de cinquenta anos. Só que você conversa com ele, ele não sabe a comida que acabou de comer. Ele tem aquela doença…

Boca do Inferno: Alzeimer…

Mojica: …ele tem isso, terrível. E o Ilídio, uma vez por ano a gente se telefona. O Mário continua com o negócio de venda de terras e tal. Fiquei sabendo que ele recebeu um tiro e ficou com o rosto deformado. E a Magda Mei, por incrível que pareça, foi uma grande surpresa ela me telefonar. Magda Mei é artístico, Neusa é o nome dela. Pelo que me falaram ela casou com um cara que é superciumento. Eu falei pra ela: olha, o pessoal ta querendo te entrevistar. Mas ela falou: Eu nunca fiz fita de terror na minha vida. Eu fiz Meu destino em Suas Mãos. Aí eu entendi que ela tava com o marido do lado.

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Boca do Inferno: Ela era sua secretária mesmo?

Mojica: Ela era minha secretária e eu a coloquei na fita como Magda Mei.

Sobre a parceria com Lucchetti e o futuro

Boca do Inferno: E todos aqueles filmes que estavam previstos na época do Lucchetti, você tem intenção de lançar algum? Na coletiva você falou que o próximo filme seria O Devorador de Olhos, que é um dos filmes que estavam naquela lista.

Mojica: Devorador de Olhos. A gente ta trabalhando no roteiro, a primeira fase já ta feita. Foi escrito há quase trinta anos, então estamos adaptando como fizemos com o Encarnação, para o terceiro milênio, para esta década de agora. O Devorador é então a nossa meta. Mas o povo ta falando muito em continuação. Se A Encarnação acontecesse nestes três primeiros dias – sexta, sábado e domingo – aí vamos ter quarenta cópias a mais do Encarnação. Vamos fechar um contrato mundial com a Fox – por enquanto o contrato é apenas para a América latina. Aí pode acontecer contrato pro mundo todo. Se isso estourar. E só o problema de por mais 40 cópias, aí eu sei que a coisa vence. Essa é a ideia, se isso vingar com a Fox, é começar a trabalhar em outro projeto, Sete Ventres para o Demônio.

O sonho do Lucchetti era fazer alguma coisa da trilogia, mas quando ele me conheceu eu já tinha feito Esta Noite, e O Encarnação já estava escrito também. Daí eu pensei em pegar ele para fazer adaptação. Ele é um cara genial, que faz roteiro rápido, mas ele tem esse problema da Inglaterra, que terror tem que ter castelo. Pro Zé do Caixão não dá certo.

Boca do Inferno: Isto que gostaríamos de saber. Sua relação com ele.

Mojica: É muito boa. Continuamos conversando. Ele me fez quatorze ou treze roteiros pra cinema. Para televisão nós fizemos acho que mais ou menos uns cento e cinquenta roteiros, que eu usei na antiga Tupi, na Bandeirantes e na Record. Fora os Quadrinhos.

Boca do Inferno: E vocês pensam em fazer novas histórias em quadrinhos juntos?

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Mojica: Acho que a gente pode voltar, vamos ver o que acontece. Acho que o futuro do Zé do Caixão está nos dias 8, 9 e 10. Estou pedindo pra todos que me seguem, motoqueiros, roqueiros, góticos, que não deixem pra ver na outra semana. Então tenho que esperar este final de semana. Mas segunda-feira estou sabendo.

Sobre a consagração no Festival de Paulínea

Mojica: Acho que estou abrindo uma porta muito grande depois de trazer sete prêmios de Paulínea. Todos os principais. Não era um festival de terror. Então eu quebrei a virgindade da discriminação. Quebrei tabus. Melhor fotografia, montagem, direção de arte, música, filme, som e o principal pra mim: crítica, que sempre me malhou. Porra, quando falaram José Mojica Marins, por Encarnação do Demônio, Prêmio da… Crítica Jornalística, eu fiquei doido. Só me malharam a vida toda. Quando anunciaram o primeiro prêmio eu fiquei assim… fora. Aí eu subi e era outro e outro. Mas eu ainda tava concentrado no prêmio da crítica.

Boca do Inferno: Uma frase que o personagem Zé do Caixão fala muito na trilogia é Eu não acredito! Eu não Acredito! É mais ou menos isso, não? Acreditar somente quando acontece.

Porra, Zé do Caixão não é TRASH!

Boca do Inferno: A sua obra costuma ser tachada como trash. No início da sua carreira você foi rotulado de primitivo. E até mesmo A Encarnação do Demônio teve gente com a ousadia de dizer que é o filme é trash…

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Mojica: Eu precisei viajar no tempo pra entender porque fui chamado de trash. Foi por tudo aquilo que os críticos não compreenderam. Como na época eu não entendia, procurei saber quem eram os críticos. Fui atrás de vários deles e eles eram cineastas frustrados e estavam com fitas engavetadas. E eles lançaram esta moda de trash em cima de mim. Mas outros já viam minhas fitas com outros olhos: Fábio de Moraes, Glauber Rocha, Sganzella, Candeias, meu Deus do Céu… Luís Person veio uma vez falar comigo: Se o seu filme é trash o meu também é, se é por causa do baixo orçamento, do baixo custo. Eu apresentei na Band o Cine Trash, eu era o apresentador do Cine Trash. Mostrando o que era trash, mas não era o meu cinema. Basta dizer que não entrou um filme meu na programação. A própria Bandeirantes não aceitou: Não Mojica, pôr um filme seu tem que ser à noite ou na madrugada, no Cine Cult. Seu filme não tem nada de trash. E depois deste festival de Paulínea, eu abri um caminho pra cortar este trash, esta discriminação contra o terror. Ao redor deste Brasil todo, tem cada pessoal legal com ideias, mas tem medo de fazer por que há uma perseguição contra o terror. Então acho que estou abrindo caminho com A Encarnação pra que eles possam ir em frente e começar a fazer outros filmes. E não é possível que no país da superstição e do misticismo só tenha eu fazendo filmes de terror. Nós precisamos fazer isso para o americano engolir e não engolir o que o americano faz. Eles preferem plagiar Frankenstein, Drácula, Múmia, Lobisomem… Porra, nós temos nossas lendas aqui, vamos com ela.

Boca do Inferno: E eles pagam pau para os ingleses, nem é a cultura deles. E outra, o pessoal cultua Boris Karllof e Bela Lugosi, eles são ótimos atores, mas nenhum deles é diretor de cinema.

Mojica: Eu gosto deles. Vim a conhecer eles depois. Fui considerado a encarnação do Bela Lugosi. Boris Karloff eu tenho um anel que foi a filha dele quem me deu. E tem também o Lon Chaney Jr que é outro que eu gosto. Agora dizer que eu fui fazer coisa deles, eu nem sabia que eles existiam (na época do À Meia Noite), de tanto falarem procurei saber quem eram estes homens depois.

Falando sobre Quadrinhos

Boca do Inferno: Voltando a sua obra, ela me lembra muito quadrinhos…

Mojica: Quadrinhos tem tudo a ver comigo. Minha influência desde pequeno foi muito maior dos quadrinhos. Fui um dos maiores colecionadores de quadrinhos do Brasil, eu tinha de tudo, terror, aventura… mas eu acabei tendo que vender para fazer um filme. Vendi estes quadrinhos no centro, na Praça da Sé, no Viaduto do Chá. A gente pôs uma banquinha e eu ficava gritando. Até que chegou um colecionador e arrematou todas.

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1 comentário

  1. Citação no texto: Mojica fala sobre sua revista em quadrinhos, Carlos Manga e Silvio Luís

    Mojica: Eu fiz a minha revista em quadrinhos nas tiraram da banca. Me deram prejuízo. Eu cheguei a lançar na época 200 mil exemplares. Mas aí o cara (Silvio Luís) chegou e rasgou a revista no programa Quem tem Medo da Verdade.

    Comentário do usuário: Aquele Silvio Luís, o locutor de partidas de futebol, que já deu expediente na T. V. Bandeirantes do Rio de Janeiro?! Em um passado distante ele defendia CACHÊS dentro de programas sensacionalistas?! De qualquer forma, é o trabalho do José Mojica Marins que não cairá no esquecimento.

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