0
(0)

por L.F. Lunardello

CONTEXTO:

Ao criar Nosferatu, Murnau e os produtores Enrico Dieckmann e Albin Grau adaptaram o romance Drácula (1897) de Bram Stoker para a tela. Como não conseguiram obter os direitos autorais, tentaram driblar a censura simplesmente mudando o cenário e os nomes dos protagonistas. O filme de Eggers se baseia no roteiro de 1922 (Henrik Galeen) e no livro Drácula.

O DIRETOR & AS INSPIRAÇÕES:

Robert Houston Eggers (nascido em 7 de julho de 1983) é um cineasta americano.

Depois de trabalhar por anos como designer de produção, ele se tornou conhecido por escrever e dirigir filmes de terror históricos como The Witch (2015), The Lighthouse (2019) e Nosferatu (2024), bem como co-escrever e dirigir o filme de ação histórico The Northman (2022). Notável por sua precisão histórica, seus filmes frequentemente misturam elementos de terror, folclore e mitologia.

Eggers afirmou que seu Nosferatu também teve inspiração diretamente em filmes como The Innocents, um outro filme de horror gótico e psicológico.

Dirigido por Jack Clayton, o enredo segue uma governanta que cuida de duas crianças e começa a temer que sua grande propriedade seja assombrada por fantasmas e que as crianças estejam possuídas.

The Innocents por sua vez se baseia no livro The Turn of the Screw, de 1898, escrito por Henry James.

O livro pega emprestado tanto os temas de classe quanto de gênero de Jane Eyre, e acompanha uma governanta que, cuidando de duas crianças em uma remota casa de campo, se convence de que elas estão sendo assombradas.

Parte da crítica inclusive supõe que os eventos do livro são todos imaginados pela personagem da governanta, como pode-se perceber também em diversos personagens de Nosferatu, quanto à personagem Ellen.

A atriz Lily-Rose Depp (Ellen) disse que boa parte de sua inspiração veio das performances icônicas de Isabelle Adjani tanto em Nosferatu de 1979, dirigido por Werner Herzog, quanto no magnífico Possession, um drama de terror psicológico protagonizado pela atriz em 1981.

CURIOSIDADE:

Você pode mergulhar mais fundo ainda na obra com a edição de NOSFERATU da Editora Clepsidra financiada recentemente no Catarse e que em breve estará na loja online. Ela conta com:

  • novelização do filme, de 1925, por Hughes Chelton
  • textos complementares por Bruno Anselmi Matangrano, Carlos Primati, Felipe Vale da Silva, Albin Graun Henrik Galeen, Rita Von Hunty, Cid Vale Ferreira e Laura Cánepa.

O autor da novelização é o obscuro Hughes Chelton, que assinou dezenas de outras novelizações entre 1925 e 1928 no Le Film Complet e ao menos seis novelizações de filmes no periódico Mon Ciné. Muitas de suas publicações encontram-se disponíveis no setor de obras digitalizadas em domínio público da Biblioteca Nacional da França, mas nem seu Sindbad (“Serviço de Informações de Bibliotecários à Distância”) detém qualquer informação sobre sua biografia (não foi possível, também, esclarecer se “Hughes Chelton” seria um pseudônimo).

CRÍTICA DO FILME: (com spoilers)

Não sei se é possível considerar Robert Eggers um feminista.

No entanto, as mulheres que ele opta por retratar são sempre perigosas para o patriarcado. Até mesmo em contextos históricos precisos – Eggers faz o dever de casa – onde mulheres nem eram consideradas como uma “pessoa” (reinos vikings, Nova Inglaterra puritana, Alemanha do século XIX), ele nos dá mulheres com um nível de autonomia e importância sempre relevantes, quase como se possuíssem uma aura monstruosa e irredenta num recorte temporal no qual originalmente seriam apagadas, mortas e destroçadas.

Nosferatu se aprofunda tanto em seu gênero e cenário quanto os demais projetos do diretor: é profundamente gótico e melodramático, os personagens são emblemáticos em vez de profundos, a linguagem é um turbilhão de palavras requintadas em estruturas arcaicas e metáforas elegantes.

O filme poderia facilmente ser vítima de uma leitura superficial – mulher é ruim/mulher com tesão é muito ruim. Mas acho mais apropriado perceber as nuances mais complexas que têm origem em DráculaMina Harker, por exemplo, uma “Nova Mulher” vitoriana e não virginal é capaz de contribuir para a destruição do conde, enquanto a virgem Lucy não. Essa última, cujo ataque perpetrado por Drácula pode até ser entendido como uma ‘punição’ por seus desejos.

A sexualidade feminina tem um papel complexo e cheio de nuances nessa história de monstros habitualmente contada por homens, mas Eggers está no caminho certo: Ellen – assim como Mina – torna-se mais formidável graças às suas “falhas”. A conclusão abertamente sexual leva isso a um novo nível: nada de machos pudicos salvando o dia.

Ellen (interpretada visceralmente por Lilly-Rose Depp) – uma representação do desejo e da vergonha, que horroriza homens com seus ‘surtos’ – é, aqui, a “mulher de puro coração” e humana – ao invés do sobrehumano/divino da virgindade, normalmente exigido para derrotar o mal – que convida Orlok até seu leito.

Mais”, ela diz.

Consumido por seu “apetite”, ele esquece de retornar ao sarcófago e morre, quase como um predador que é vítima de seus próprios desejos torpes e da sagacidade de uma mulher que, como em The Witch e Northman, prevalece graças à sua escuridão.

Tecnicamente o filme beira o imbatível. Os departamentos que cuidaram de locação, fotografia, arte e efeitos se mantiveram com notas máximas ao longo da película. O único lamento que eu poderia relatar seria o da versão estendida nos dar apenas alguns minutos a mais de um mundo gótico e insólito tão bem construído.

Sobre o autor:

L.F. Lunardello é nordestino, pai, professor, tradutor, autor e revisor. Atuou em centenas de traduções científicas internacionais pela @nerdenglish e faz crítica de literatura, cinema e HQs no @baiaodacaveira. Sua ficção envolve sertões e horrores, às vezes misturando os dois. Já foi publicado pelas editoras DaRosa, Tábula e Diário Macabro, além de diversas publicações independentes na Amazon e ter ganhado o prêmio de conto da Universidade de Fortaleza, em 2023, com a história 1932

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 0 / 5. Número de votos: 0

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *