Geek Love (2018)

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Geek Love
Original:Geek Love
Ano:2018•País:EUA
Autor:Katherine Dunn •Editora: DarkSide Books

A palavra “geek”, hoje, é usada como sinônimo de “nerd” e se refere a pessoas que gostam de tecnologia, quadrinhos, jogos de tabuleiro etc. Mas, lá pelos idos de 1500, os alemães usavam a palavra “geck” para se referir a pessoas tolas, ingênuas. Esse termo originou o “geek” em inglês, que teve seu uso registrado pela primeira vez em 1916, significando artistas de circo que faziam truques mais peculiares, como arrancar a cabeça de galinhas a dentadas. E é esse último o termo que Katherine Dunn usou no título de seu livro, Geek Love, lançado originalmente em 1989 e publicado no Brasil no ano passado pela DarkSide Books, com tradução de Débora Isidoro.

Geek Love acompanha a família Binewski, uma trupe circense itinerante composta inicialmente por Aloysius “Al” Binewski, sua esposa e a pessoa que arranca as cabeças das galinhas, Crystal Lil, e os filhos do casal. Para conceberem crianças com habilidades para se apresentarem no circo da família, Al prescrevia a Lil as mais diferentes drogas, o que fez com que seus filhos nascessem com mutações. O primogênito é Arturo “Arty”, nascido com nadadeiras no lugar dos membros. Depois vieram as gêmeas siamesas Electra “Elly” e Iphigenia “Iphy”, e em seguida Olympia “Oly”, uma anã corcunda albina e considerada a mais sem graça da família. Por último veio Fortunato “Chick”, que quase foi abandonado pelos pais antes de eles perceberem que o garoto tinha poderes telecinéticos.

“Que melhor presente pode se oferecer aos filhos além da capacidade inerente de ganhar a vida simplesmente sendo eles mesmos?” – Crystal Lil

A narradora da história é a própria Oly, hoje uma mulher de 38 anos que vive no mesmo prédio onde moram Lil, agora idosa e sem memória devido às drogas, e Miranda, a filha que Oly entregou a um orfanato pouco depois de nascer. Os acontecimentos que Oly narra no presente se intercalam à história dos Binewski no circo, cerca de duas décadas antes, quando, depois de um período de dificuldades financeiras, a trupe se tornou um sucesso, atraindo multidões por onde passava, em uma trajetória perturbadora que envolve até mesmo prostituição e a formação de um bizarro culto.

Talvez Geek Love passe uma impressão enganosa de início. A vida de uma família circense só pode ser incrível! Mas claro que não é bem assim, e, com o passar dos anos, as histórias contadas por Oly revelam problemas cada vez mais graves nas relações entre os personagens. O ponto é que tais problemas são nada mais que humanos. Dunn colocou em seu livro personagens que são artistas e que têm peculiaridades que poderiam afastá-los do leitor, eliminar qualquer possibilidade de identificação, mas há questões abordadas na história que são comuns a qualquer pessoa, como o relacionamento entre irmãos, ao mesmo tempo protetor e brutal – mas que, no livro, toma proporções bem maiores do que o que seria saudável.

Outro fator muito característico dos Binewski é a forma como eles enxergam a si próprios. Em uma interação entre Oly e Miranda, já fica claro o que a mãe pensa sobre as “deformidades” da família. Miranda conta que pretende remover sua cauda, ao que Oly reage pensando “vadia, arrogante e imbecil”. Exceto Miranda, que não cresceu no mesmo ambiente da geração anterior, os Binewski viam seus corpos como perfeitamente normais e valorizavam suas esquisitices, até mesmo fazendo pouco dos ditos “normais” – uma visão bem diferente, por exemplo, dos freaks de American Horror Story: Freak Show, apenas um dos vários programas influenciados pelo livro de Dunn. Como viviam exclusivamente para o circo, o mundo de toda a família se limitava àquele ambiente, ao local para onde espectadores iam para admirá-los, e foi somente depois de ter que passar a viver no “mundo real” que Oly percebeu que era considerada diferente pela maioria das pessoas.

“Antes eu não entendia que alguma coisa sobre mim precisava ser explicada” – Olympia Binewski

Geek Love não é uma leitura leve, e em vários momentos alterna entre o chocante e o desolador. Mas são essas características que fizeram com que tantos artistas fossem influenciados pelo livro desde seu lançamento. Para sentir um pouquinho desse ambiente circense, acesse aqui um trecho do livro, disponibilizado pela DarkSide Books.

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Silvana Perez

Escolheu alguns caminhos errados e acabou vindo parar na Boca do Inferno em 2012. Apresenta o podcast do site, o Falando no Diabo, desde 2019. Fez parte da curadoria e do júri no Cinefantasy. Ainda fala de feminismos no Spill the Beans e de ciclismo no Beco da Bike.

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