Se existe algo que praticamente todo fã de filme de terror precisa conviver é com os comentários referentes à paixão por este gênero cinematográfico. Família, amigos, namoradas, parentes das namoradas, colegas de trabalhos… Todos criticam. Frases como “você tem um gosto doentio” ou “esses filmes não podem atrair coisas boas” são tão faladas por mães e tias que já fazem parte do dia-a-dia familiar.
Felizmente, o gosto por filmes de terror, ou pela literatura gótica do período anterior ao cinema, nunca fez nenhum ser humano se tornar assassino. Ou se fez, os número são de casos isolados e, desta forma, culpar as películas por isso nunca chegou a ser oficializado. Desta forma, os fãs dos filmes de terror costumam ser pessoas iguais aos de gêneros tão distintos como drama, aventura e comédia.
Na verdade, a admiração por tramas de terror faz parte do que a autora Vanessa Schwartz, no livro O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, chama de “gosto do público pela realidade”. Segundo ela, tal característica é bem comum até nas pessoas que nunca assistiram ou assistiriam alguma película do gênero.
Antes de seguirmos com este artigo, responda com sinceridade. O que você falaria para um amigo que convidasse você para passar uma agradável tarde em um necrotério olhando os corpos dos indigentes? Achou estranha a pergunta? Pois tal proposta era feita, e aceita, com grande naturalidade na Paris no último terço do século XIX.
Vanessa Schwartz define que “nenhum povo do mundo aprecia tanto os divertimentos quantos os parisienses. Manhã, tarde e noite. Há sempre algo para ser visto.” O necrotério em questão foi construído em 1864 no centro de Paris, atrás da catedral de Notre Dame e era aberto ao público sete dias por semana, do amanhecer ao anoitecer. A instituição teve início em uma sala escura e úmida, onde os visitantes só podiam entrar um após o outro e precisavam forçar seus rostos contra uma abertura para identificarem os cadáveres.
Tal informação pode ser vista como um interesse pelo macabro, mau gosto e um desrespeito com os mortos, mas na verdade, a autora defende que o necrotério funcionava como uma espécie de teatro ou museu, quase semelhante ao famoso de cera que surgiu algumas décadas depois na própria Paris. Na verdade, o necrotério possuía uma função pública. O local tinha o principal objetivo de servir como depósito para o morto anônimo, cuja identidade, esperavam os admiradores, pudesse ser estabelecida por meio desta exibição pública.
O necrotério também serviu como um auxiliar visual do jornal, colocando no palco os mortos que haviam sido descritos em detalhes, com sensacionalismo, pela imprensa francesa. Quando as matérias locais noticiavam algum crime bárbaro, ou corpo que fosse considerado “novidade”, como o de crianças, o número de visitantes dobrava naquela semana. Tal interesse, segundo Schwartz, nada mais era do que uma curiosidade natural, que mudou de palco quando foi inaugurado o museu de cera.
Isso representaria um gosto pelo macabro? Segundo a autora, não necessariamente. Schwartz explica que era o entretenimento que chamava a atenção das pessoas. Claro que o fato dos “objetos expostos” serem corpos sem vida despertavam uma certa curiosidade que deve ser considerada normal do ser humano.
THE EXIBITION
Basta pensar que hoje, mais de 150 anos depois, as pessoas saem de suas casas, pagam caro para visitarem a mostra Bodies – The Exhibition na qual estão expostos corpos humanos. Neste caso, cerca de 20 cadáveres foram “trabalhados” para serem exibidos sem pele, abertos ao meio ou formados apenas por músculos e nervos. Os corpos em exibição estão preservados através de uma técnica criada e patenteada por um anatomista alemão chamado Gunther von Hagens em 1977.
A técnica criada por von Hagens está patenteada como “Plastination“, que consiste em preservar órgãos e tecidos; a água e a gordura são substituídas por determinados plásticos, rendendo espécimes que podem ser tocados livres de odor e decomposição.
Diversas questões foram levantadas sobre a origem dos cadáveres. Von Hagens afirma que os corpos foram doações voluntárias, como de presos chineses, e que todas as fontes estão documentadas e claramente reguladas. É difícil informar se o público pagante desta exposição é fã de Sexta-feira 13 ou de E O Vento Levou. O que é possível acreditar é que, assim como no Necrotério de Paris, todos têm interesse, ou curiosidade, sobre esta máquina chamada corpo humano.
A verdade é que talvez exista um interesse ainda maior quando o corpo já está sem vida. Basta observar a forma como simples pedestres desviam suas rotas diárias para verem o acidente de trânsito que deixou um corpo estirado no asfalto. Ou quando uma bala perdida fez mais uma vítima bem no centro da cidade. Dentro desta ótica, quem teria um gosto mais doentio? O fã de filmes de terror que admira uma ficção ou o pai de família que tirou fotos com o celular dos corpos destroçados de vítimas de um grande acidente de trânsito?
Já vi essa amostra, eh realmente interessante
Visitei a mostra “Bodies – The Exhibition” no shopping Iguatemi, em Fortaleza. É impressionante. Detalhe para a comparação entre o pulmão do fumante e o do não-fumante. Tinha fumante que passava mal e desmaiava ao vê-los.
realmente somos todos iguais nesse sentido,por isso não entendo quando as pessoas estranham esse meu fascínio por coisas ocultas.
Muito interessante. E é de se discutir a questão abordada!