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Parte fundamental do universo das histórias em quadrinhos, principalmente de horror, a EC Comics explorou a psique americana pós-guerra e se tornou líder do mercado de quadrinhos em velocidade meteórica! Até que, um certo psiquiatra, com ideias conservadoras, e um bando de pais – e concorrentes – preocupados, puxaram o tapete daquela que já foi a maior e mais vendida editora de quadrinhos dos Estados Unidos!

A Educational Comics

A Educational Comics foi fundada por Max Gaines em 1944, quando o ex-editor conseguiu os direitos de seguir publicando Picture Stories from The Bible, após sair da All-American Publications, que havia acabado de ser comprada pela DC Comics. Suas intenções envolviam publicar histórias bíblicas e científicas para igrejas e escolas.

Um homem sempre à frente do seu tempo, Max Gaines é considerado por muitos como aquele que criou as revistas em quadrinhos – com a Funnies on Parade, na época em que trabalhava para a Eastern Color Printings e Famous Funnies: A Carnival of Comics para a Dell Publishing. Ambas as revistas contavam pequenas histórias no formato fotonovela, com fotos e balões de falas. Muitos historiadores consideram estas as primeiras revistas em quadrinhos de todos os tempos.
O gênio Max Gaines morreu em 1947 em um acidente de barco e deixou sua empresa para seu filho, Willian Gaines.

Foi assim que tudo começou.

Entertaining Comics

Quatro anos depois de ter passado algum tempo na Força Aérea, Willian Gaines voltou para casa para terminar os estudos e, quem sabe um dia, ser professor de química. Ao invés disso, Bill assumiu os negócios da família criando uma linha de gibis com temática de crime, horror, ficção científica e guerra. Ao seu lado, dois editores, Al Feldstein e Harvey Kurtzman (sim! Ele mesmo, o criador da Mad) ,seguiam dando uma força com as ilustrações de capas e assistência ao time de artistas que contava com gênios como Jack Davis, Frank Frazetta, Graham Ingles Joe Orlando, John Severin, All Willianson, Wally Wood, entre outros.

As histórias nessa época eram criadas, a partir de ideias de Bill, por Johnny Craig, Feldstein e Kurtzman, mas com o tempo outros grandes escritores como Carl Wessler, Jack Oleck e Otto Binder se juntaram à esquipe.

O pioneirismo da família Gaines também se manifestou em Bill, e a EC Comics foi a primeira editora a criar uma linha direta com seus leitores através da sessão de cartas e de um fã-clube oficial, o National EC Fan-Addict. Além disso, a EC permitia que seu staff de artistas assinasse os seus trabalhos, permitindo que cada um desenvolvesse o seu próprio estilo de ilustração e texto. Algo muito diferente do que era praticado no mercado de quadrinhos àquele tempo, como por exemplo no “Marvel Way” onde os artistas eram estimulados a seguir o estilo de Jack Kirby e Joe Simon dentro da Marvel Comics, para se criar a ideia de “unidade”.

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A EC ganhou notoriedade principalmente com sua linha de histórias de horror publicadas em revistas como Tales from The Crypt, Vault of Horror e Haunt of Fear onde seus protagonistas geralmente encontravam um destino cruel. Sua linha de histórias de guerra, publicadas em Frontline Combat e Two-Fisted Tales também ia à contra mão do que era publicado na época, com personagens nada heroicos. Shock Suspenstories possuía um clima noir e abordava temas sociais e políticos como o racismo, sexo e drogas muito antes dos anos 60.

Mas a menina dos olhos de Gaines era sua linha de histórias de ficção científica publicadas em Weird Science e Weird Fantasy, que eram desenvolvidas basicamente em cima de toda a leitura feita por Gaines. Nas páginas de Weird Fantasy e Weird Science os leitores puderam ver algumas adaptações de grandes nomes da literatura de ficção científica mundial, sendo Ray Bradbury, o principal deles. Ao todo, foram seis edições baseadas em contos do autor em Weird Science e oito em Weird Fantasy. Bradbury, inclusive chegou a entrar em contato com a editora após a publicação da história Home To Stay no número 13 de Weird Science, acusando os autores de plágio. Este foi o segundo caso de uma adaptação “não oficial” da EC de uma história de Bradbury. Posteriormente, o autor seria creditado em todas as histórias, tornando-as pequenas adaptações oficiais de seus trabalhos.

O design característico das capas e títulos, imitados até hoje como ícones de histórias de terror, a arte marcante e os finais-surpresa se tornaram a marca-registrada da EC juntamente com o trio de “apresentadores” de seus títulos de horror, O Zelador da Cripta (Crypt Keeper) o Guardião da Câmara (Vault Keeper) e a Bruxa Velha (Old Witch) apareciam antes e depois das histórias principais conversando diretamente com os leitores como se estivessem contando o que iríamos ler naquelas revistas em falas cheias de humor negro e jogos de palavras (“Greetings boils and ghouls”). Esse tipo de brincadeira com os leitores seria assimilado futuramente em outra publicação da EC, a MAD, e também por Stan Lee na Marvel.

Por falar em MAD, mais ou menos nessa época, a EC viria a publicar aquela que seria considerada a revista de humor mais famosa do mundo, iniciada como um projeto paralelo de Harvey Kurtzman. A EC faria fortuna com a MAD, chegando a lançar uma segunda publicação de humor, de menor sucesso, a PANIC.

Foram os tempos áureos da EC, mas tudo estava prestes a acabar nos anos seguintes.

A Caça às Bruxas Velhas

Em 1948 o psiquiatra Fredric Wertham publicou dois artigos, “Horror in the Nursery” (Horror na Enfermaria) e “The Psychopathology of Comic Books” (A Psicopatologia dos Quadrinhos) onde explorava a sua visão de que os quadrinhos eram nocivos para os jovens americanos, levantando a bandeira vermelha para os pais que começavam a olhar com maus olhos para as inofensivas revistinhas que seus filhos consumiam tão avidamente.

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Para melhorar a situação, um grupo de editoras fundou a Association of Comics Magazines Publishers no intuito de sinalizar para os pais que havia alguém olhando por seus filhos. O resultado foi em vão. A EC deixou a associação em 1950 após Gaines discutir com o diretor da associação, Henry Schultz. Apenas três editoras permaneceram membras da ACMP até 1954 quando o golpe de misericórdia na indústria dos quadrinhos foi desferido.

Fredric Werthan publicou em 1954, seu livro chamado Seduction of the Innocent (Sedução do Inocente), resultado de uma série de entrevistas feitas com jovens delinquentes em instituições correcionais. Werthan logo notou algo em comum em todos aqueles pequenos marginais: todos eles liam gibis! Em uma conclusão simplória e apressada, Werthan incluiu os quadrinhos como uma das grandes causas de delinquência entre os jovens americanos.

Fredric Wertham
Fredric Wertham

Pais enfurecidos cobravam das editoras o bem-estar de seus filhos e milhares foram às ruas promover grandes fogueiras onde estes criminosos coloridos, os gibis, eram queimados em praça pública. As vendas começaram a cair drasticamente e Gaines propôs às demais editoras que enfrentassem a censura imposta pela moral e bons costumes, lutando contra elas de dentro da indústria. Com isso, foi fundada a Comics Magazine Association of America e o terrível Comics Code Authority. Assim, todos os quadrinhos que pretendiam levar em sua capa o selo da CCA deveriam seguir normas rígidas. Gaines se revoltou com a proposta e deixou a associação que havia ajudado a fundar. As editoras que permaneceram com parte da CMAA estabeleceram regras um tanto convenientes que, além de ir de encontro com as preocupações dos pais e do suposto por Werthan, acabava de vez com a liderança de vendas das revistas da EC Comics.

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Dentre as regras do Comics Code Authority, que mais impactaram a editora de Gaines, estavam as seguintes: nenhuma revista deve conter as palavras horror, crime, terror ou estranho em suas capas; policiais, juízes e autoridades do governo não devem ser representadas de modo a gerar desrespeito pela autoridade estabelecida; de todas as formas, o bem deve triunfar sobre o mal; violência excessiva, assim como ilustrações desagradáveis, terríveis e escabrosas devem ser evitadas; vampiros, lobisomens, fantasmas e zumbis não devem ser representados; entre outras regras igualmente absurdas. Com isso, inúmeras distribuidoras começaram a se recusar a vender revistas da EC Comics alegando que o material acabaria encalhando nas bancas.

Com receio do que poderia acontecer com sua editora, Gaines criou uma nova linha de publicações, todas com o selo do CCA estampado em suas capas – a iniciativa ganhou o título de All New Direction (Uma Nova Direção) envolvendo em sua maioria, versões pasteurizadas do material que fizera da EC Comics uma das maiores editoras de todos os tempos.

A Cripta se Fecha

Nos anos que se seguiram ao CCA, Gaines travou uma árdua batalha contra a censura, tentando sempre manter a genialidade de seus quadrinhos e a qualidade do trabalho de seus artistas. Em um dos processos mais emblemáticos envolvendo a EC e a censura envolvia a edição 33 de Incredible Science Fiction, onde um astronauta humano viaja para um planeta para avaliar a possibilidade deste se tornar um representante da República Galática. Chegando lá, o astronauta encontra um planeta habitado por robôs divididos entre laranjas e azuis onde uma cor possui direitos e privilégios acima da outra. Tendo decidido que o planeta não era adequado para fazer parte da República Galática, o astronauta parte para casa, e no último quadrinho, remove seu capacete, revelando ser um astronauta negro.

Segundo a história, o juiz Charles Murphy, administrador do Comics Code Authority, exigiu, sem qualquer base no CCA, que o astronauta negro fosse removido do último quadro da história. Gaines ficou furioso e telefonou para o escritório da Comics Magazine Association of America e ameaçou chamar uma conferência de imprensa e processar o juiz, que no alto de sua absurda autoridade respondeu “ok, então apenas remova as gotas de suor”. Gaines e Feldstein, autor da história, gritaram “VÁ SE FODER!” e desligaram o telefone.

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Este tipo de episódio deixa clara a arbitrariedade do CCA e o quanto às observações óbvias de Fredric Werthan, que não levou em conta que graças a popularidade dos quadrinhos como um meio de comunicação de massa naquele período qualquer garoto entrevistado por ele de fato teria algum tipo de contato com a mídia e atribuiu a isso os problemas de delinquência juvenil, entre outras coisas.

Nos anos que se seguiram, a EC acabou quase abandonando os quadrinhos e adotando um formato de revistas com contos massivamente ilustrados – chamados por gaines de “picto-fiction”. Mesmo com o selo do Comics Code Authority estampado em suas revistas, a reputação de Gaines e todo o seu histórico seguiu prejudicando a distribuição de seus materiais. Com o tempo, Gaines resolveu focar apenas na publicação de seu título mais rentável, a MAD, e seguiu carreira como editor até sua morte em 1992.

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No Brasil, diversas revistas da EC foram publicadas na Cripta do Terror entre 1991 e 1992. A editora Record lançou apenas 7 edições da revista que até o momento é a única publicação oficial dos títulos da EC no Brasil, embora algumas revistas de horror tenham publicado algumas histórias esparsas aqui e ali.

Frutos da Cripta

Em 1972 chegava ao cinema o filme Contos do Além (Tales from The Crypt) dirigido por Freddie Francis (de A Essência da Maldade), no formato antologia, contando com cinco histórias baseadas nos quadrinhos da EC Comics com Ralph Richardson (de Graystoke) como Guardião da Cripta. No ano seguinte, em 1973, A Cripta dos Sonhos (The Vault of Horror) dirigido por Roy Ward Baker (de O Clube dos Monstros) chegava com mais cinco histórias baseadas em diversas edições de Tales from The Crypt. Ambos os filmes foram produzidos pela Amicus, a concorrente direta da Hammer, e representam visões particulares e cheias de clima sobre histórias clássicas da EC.

Em 1982, o diretor George A. Romero (de A Noite dos Mortos-Vivos) e o escritor Stephen King se uniram para uma deliciosa homenagem à EC em Creepshow: Show de Horrores (Creepshow), repetindo a dose, cinco anos depois em Creepshow 2: Show de Horrores (Creepshow 2). Intercalando as histórias, uma animação bastante psicodélica trazia a versão dos autores do Guardião da Cripta. Ambos os filmes capturam muito bem o clima das histórias da EC e fizeram sucesso entre os fãs do gênero.

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Em 1989, ia ao ar pela HBO o seriado Contos da Cripta (Tales from the Crypt), que adaptava diversas histórias das revistas da EC Comics. Com diversas participações especiais, diante e atrás das câmeras, o seriado foi um sucesso em grande parte pelo simpático boneco animatrônico do Guardião da Cripta, que sempre apresentava as histórias com muito humor negro e usando aquele jogo de palavras que os leitores das revistas adoravam! Com o sucesso da série, uma trilogia de filmes foi planejada, mas apenas dois deles foram lançados sob a chancela do Contos da Cripta.

Foram eles Os Demônios da Noite (Tales from The Crypt: Demon Knight) de 1995 e Bordel de Sangue (Tales from The Crypt: Bordello of Blood) de 1996. O terceiro filme da trilogia, Ritual, só foi lançado em 2002 e, até o momento, é o último filme baseado nos quadrinhos da EC. Além dos filmes, o seriado ainda inspirou uma animação, Contos do Guardião da Cripta (Tales from the Cryptkeeper) com 39 episódios e que foi ao ar entre 1993 e 1994, e um programa infantil, o Secrets of The Cryptkeeper Haunted House, que foi ao ar entre 1996 e 1997.

É inegável a qualidade e a força de algumas das histórias lançadas pela EC Comics ainda hoje, mais de cinquenta anos depois. Com seu espírito anárquico e seu bom gosto para a literatura e artes, Willian Ganes não sabia, mas estava criando algumas das obras mais relevantes e influentes do gênero do horror de todos os tempos.

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1 comentário

  1. Caramba, até me assustei com a qualidade do texto, parabéns para quem escreveu.
    Acho que talvez estamos vivendo aqueles dias de caças as bruxas que foi citado no texto!!!

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