Dissecando o Medo #2: O Terror Real de Floresta Maldita

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Aokigahara (2)

Quando Sara Price resolveu investigar o desaparecimento de sua irmã gêmea Jess em Floresta Maldita (The Forest, 2016), os indícios a conduziram a um lugar no Japão conhecido popularmente como A Floresta do Suicídio. Esse mesmo ambiente tétrico já serviu de ambientação para outros filmes como Morte no Dia das Bruxas (Grave Halloween, 2013), com a viagem ao local sendo motivada pela busca do corpo da mãe da protagonista; Forest of the Living Dead, de Shan Serafin, com Michael Madsen, sobre uma modelo que se suicida na floresta depois de flagrar uma traição, transformando-se num demônio vingativo; e até o drama The Sea of Trees, de Gus Van Sant, com Matthew McConaughey e Naomi Watts, a respeito de um homem (McConaughey) que vai ao local para se matar e conhece outro suicida em potencial (Ken Watanabe), fortalecendo a relação a partir do convívio. Poderia ser apenas mais um palco assustador como a fábrica de Freddy Krueger, Crystal Lake ou a cabana de The Evil Dead, com uma diferença: Aokigahara realmente existe, com uma história por trás aterrorizante. Nesta segunda edição do Dissecando o Medo, vamos conhecer o que é verdade e as lendas que se escondem nas profundezas do “mar de árvores“.

Morte no Dia das Bruxas (2013)
Morte no Dia das Bruxas (2013)

Localizada na base do Monte Fuji, Aokigahara é um dos lugares mais famosos e assustadores do Japão. Conhecida também como Floresta do Demônio do Japão, o local já teve registro de mais de 1000 tentativas de suicídio, desde a década de 50, sendo considerado o segundo ambiente propício no mundo para cometer o ato, perdendo apenas para a ponte Golden Gate.

Há quem acredite que as lendas e induções ao suicídio se popularizaram após a publicação do romance Nami no To (Tower of Waves), escrito por Seicho Matsumoto, em 1960. A obra termina com o suicídio de um casal de amantes na Floresta, algo que poderia ter inspirado jovens que sofrem de amor a uma atitude similar. No entanto, há relatos anteriores à publicação do livro de pessoas que teriam se enforcado nas árvores da Floresta, possivelmente inspirando até mesmo o próprio autor da obra. Em 1993, outra obra de sucesso também motivou a perda da vida no local: “The Complete Suicide Manual“, de Wataru Tsurumui, descreve várias maneiras de cometer suicídio e aponta Aokigahara como o local perfeito para morrer. O livro se tornou a principal ferramenta para os depressivos, tanto que vários exemplares já foram encontrados na floresta, próximos a corpos pendurados nos galhos secos. Essa obra pode ser vista em vários filmes que trazem como pano de fundo a Floresta do Suicídio, e até foi considerada maldita – nos mesmos moldes que O Apanhador do Campo de Centeio, de J. D. Salinger -, pelo grande número de casos aparentemente motivados por ela no Japão, colocando o país no topo das tentativas e realizações de suicídios.

Lendas da Mata

As lendas que envolvem Aokigahara são anteriores às produções literárias. De acordo com registros na internet, durante os períodos mais agressivos de fome, famílias costumavam abandonar parentes no local para manter as provisões para os demais – e até mesmo servir como um ritual de colheita de almas desnecessárias. Devido a essas histórias macabras, muitas pessoas imaginavam o sofrimento dos abandonados e a possibilidade de que seus espíritos jamais seriam capazes de deixar a floresta. E não são as únicas assombrações da mata: há quem aponte a presença de demônios e fantasmas diversos, deslizando seus espíritos brancos e assustadores por entre as árvores para a testemunha dos que ainda não decidiram tirar a vida.

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E o que torna tudo ainda mais medonho é que a disposição das árvores, em seus mais de 3.500 hectares, com muita espessura e algumas inclinadas, às vezes dificulta a visão até mesmo para quem procura astros celestes, com espaços tomados completamente pela escuridão. Também amplia o cenário de morte a ausência de animais na região, não havendo nem sequer sons de pássaros ou criaturas pequenas. Imagine, então, como seria se locomover sem enxergar um palmo a frente, com o perigo de ser engolido pelas mais de 200 cavernas e buracos sombrios?

A grande extensão, somada ao breu absoluto, pode facilmente levar alguém a ser perder em Aokigahara. E se você pensa em utilizar seu celular ou tablet para manter a comunicação com amigos e familiares ou GPS para se localizar, esqueça! Pela proximidade vulcânica, o local é rico em depósito de ferro magnético – embora os crentes no sobrenatural vejam essa dificuldade de conversar com pessoas do lado de fora da floresta como uma influência demoníaca ou maldição: uma vez no local, sua vida pertence aos espíritos que caminham por lá!

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Sua vida é um dom precioso dado por seus pais.”. “Por favor, converse com um policial antes que você resolva se matar.” São algumas das mensagens que podem ser lidas nos arredores de Aokigahara. Além de frases de incentivos para não desistir, campanhas sociais, propagandas e psicólogos aparecem o tempo todo na mídia como força positiva pela manutenção da vida. No entanto, não há um combate real ao que leva a pessoa ao suicídio, como o trabalho excessivo, a disciplina escolar e a rigidez de conduta! Para camuflar o alto número de casos de suicídio, o Japão decidiu parar de informar a quantidade de tentativas. Em 2002, 78 corpos foram encontrados na floresta, excedendo o recorde anterior de 74, em 1998. Em 2003, o número saltou para 100; depois passou a 108, em 2004. Em 2010, houve o registro de 247 atos de suicídio, sendo que 54 pessoas conseguiram concretizá-lo. E há quem diga que esses números já são uma camuflagem do total verdadeiro, como uma forma de não associar o local como “ideal para tirar a vida“.

Não há nada bonito em morrer aqui“, disse um oficial da polícia local. A forma como muitos corpos são encontrados, decompostos, com a expressão de dor e sofrimento, representam o quanto a poesia relacionada ao ato está bem distante da floresta, como acreditam os românticos. Cada cadáver encontrado na região é colocado numa sala especial da polícia (também aparecem nos filmes), mas sempre há aquele que terá que ficar de vigia até que algum parente reclame o desaparecimento. Para tal decisão, fazem uma espécie de desafio do “papel, pedra e tesoura” (Janken), com o perdedor tendo que passar a noite solitariamente com o que sobrou dos corpos.

Os japoneses acreditam que não traz sorte para o fantasma das vítimas se eles forem deixados sozinhos. Seus espíritos gritam e choram durante toda a noite, enquanto seus corpos se levantam e caminham pela floresta em busca de companhia. Quem costuma ver tais assombrações são exatamente aqueles que entram no local para roubar os cadáveres, com a expectativa de encontrar coisas de valor deixadas para trás. Muitos desses “ladrões de túmulos” acabam se perdendo nas árvores e aumentam as estatísticas de morte.

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Hideo Watanabe, que possui um comércio nas proximidades da Floresta do Suicídio, contou ao Japan Times que diariamente encontra pessoas que saem do local, após uma tentativa de suicídio frustrada. Ele contou sobre uma garota: “Ela tentou se enforcar e não conseguiu. Com uma parte da corda ainda sobre o pescoço, ela estava com as órbitas saltadas na face. Chamei-a para dentro, ofereci chá e liguei para uma ambulância.” Já o monge budista Kyomyo Fukui disse ao New Zealand Herald que o ambiente é extremamente espiritual. Ele tentou montar um altar na floresta para combater os espíritos que tentam convencer as pessoas a se matarem. “Os espíritos, de pessoas que perderam a vida no local, ficam convocando outros a se matar.“, conforme pode ser visto em Floresta Maldita.

Em 2011, após o Japão decidir encerrar a divulgação dos números de tentativas de suicídio, foi realizado o documentário Suicide Forest in Japan, publicado no Youtube pelo Vice. Com pouco mais de 20 minutos, o vídeo traz a apresentação da famigerada floresta por um patrulheiro de prevenção de suicídios chamado Azusa Hayano. Muito do que pode ser visto nos filmes aparecem por aqui: a placa de incentivo à vida, as fitas usadas pelos que ainda estão na dúvida sobre o ato não se perderem, as tendas e carros abandonados e os rituais de morte. Em certo momento, ele encontra um boneco parecido com o Jack Skellington (O Estranho Mundo de Jack), pendurado de ponta cabeça como uma cruz invertida. “Eles pregam esse personagem de cabeça para baixo como um símbolo de desprezo pela sociedade.” O mais interessante de tudo é que na exploração pela floresta ele encontra os restos mortais de um suicida, além de um jovem acampado no local, decidindo se comete ou não o ato fatal.

Em outro vídeo, Chad Daniel fala sobre a força do livro “The Complete Suicide Manual” e passeia pelo “mar de árvores” com um diálogo emocionante sobre a preservação da vida. Ele mostra as cavernas escuras que acabam servindo como túmulos e, no momento mais impressionante, encontra os restos mortais de um suicida e fala sobre religião e crença em Deus.

E em outro documentário, mais curto, removido do youtube, há fotos dos objetos encontrados na floresta e o relato sobre um jornalista do Japan Times que teria entrado no local em 2011 e ouvira um grito assustador provavelmente oriundo de um Yurei (assombração perdida por conta de uma morte violenta). Por fim, ele fotografou os restos mortais de um suicida, em estado avançado de decomposição, o que impede sua associação com o grito. Como os fantasmas precisam ter seus corpos encontrados, para a realização do ritual de enterro tradicional, há quem acredite que o grito possa ser um pedido de ajuda. A narração, acompanhada de uma triste melodia, pode impressionar aqueles que buscam mais informações a respeito.

Sem musiquinha tétrica ou narração, com apenas três minutos, você acompanha uma breve caminhada pela floresta até que surge uma mulher, ainda viva. O que você faria? Seguiria-a até seu ato final, tentaria um diálogo?

Também fazem parte da imaginação e lendas de Aokigahara alguns vídeos e fotos com assombrações. Em dado vídeo, dois jovens, em um veículo pela estrada que leva à floresta, à noite, testemunham uma aparição. Não é aconselhável trafegar no local no fim do dia, mas caso precise fazê-lo, deve estar com os faróis apagados e não parar sobre hipótese alguma. Dizem que os corpos desses rapazes foram encontrados na manhã seguinte! Acredita?

Há centenas de outros vídeos com exploração em Aokigahara. Anualmente o local tem servido de ponto turístico no Japão, atiçando curiosos em busca de corpos e fantasmas. Como toda boa história de horror, nem todas as pessoas que visitam a Floresta conseguem sair de lá.

Você teria coragem de conhecê-la, mesmo sabendo de suas histórias depressivas e assustadoras?

Conhece algum local aterrorizante e que gostaria de saber mais nesta coluna?

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Dissecando o Medo #2: O Terror Real de Floresta Maldita

  • 18/08/2016 em 09:33
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    Muito bacana, parabéns pela pesquisa. Só uma dica: esse vídeo dos dois rapazes dirigindo quando avistam uma assombração é totalmente fake, pelos comentários do youtube parece ser um comercial de carro ou de pneu, seria legal tirá-lo daí porque não tem nada a ver com a floresta. De resto, está impecável. O patrulheiro japonês tem um ótimo coração, que pessoa boa e dedicada 🙂

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