Ao relatar uma experiência traumática ocorrida com Lorraine Warren (Vera Farmiga) durante um exorcismo, Ed (Patrick Wilson) explica que a esposa entrou em um estado de depressão profunda, ficando oito dias sem se alimentar ou sair do quarto. Segundo o especialista em paranormalidade, ela teria tido uma visão aterradora, que a consumiu internamente, evidenciando desgastes físicos e psicológicos. Esse episódio narrado em Invocação do Mal (The Conjuring, 2013) é deixado em aberto, sem detalhes ou explicações, servindo para justificar essa preocupação mútua e a forte relação de afetividade do casal, as principais armas contra qualquer entidade sobrenatural ameaçadora.
E são exatamente esses elementos românticos – vamos dizer assim – que fazem a diferença na franquia criada por James Wan e também percorrem sua filmografia. Fantasmas, demônios, casas inquietas por manifestações inexplicáveis são adereços desses sentimentos, representados, em Invocação do Mal 2 (The Conjuring, 2016), pela canção de Elvis Presley e pela vitrola que, no momento de tensão, teima em não funcionar, aguardando a hora certa de soar inspiradora. Além desses toques poéticos que engrandecem a obra do cineasta, o filme ainda traz uma boa e reflexiva história de horror, além de uma cena de abertura capaz de induzir o espectador a arrepios e à satisfação quase plena.
Se a casa de maior representatividade para o subgênero das consideradas malditas é a ocupada na Avenida Ocean, 112, conhecida popularmente pelo seu distrito, Amityville, nada mais justo que seja prestada uma homenagem adequada ao endereço assombrado. A narração de ninar de Lorraine atravessa uma das características janelas oculares da residência até uma mesa onde uma invocação está em processo. Que entidade maligna teria sido capaz de provocar Ronald DeFeo a executar toda a sua família, e estaria ainda presente no ambiente, atormentando os demais ocupantes como os Lutz? Lorraine embarca numa realidade fantasma atuando como o inimigo no comando do futuro assassino, recriando seus crimes violentos. Esse passeio pelo “outro lado” remete ao “the further” de Sobrenatural (Insidious, 2010), do próprio Wan, e permite a recriação de uma foto “real” tirada na casa, onde aparecia um garoto com os olhos brilhantes.
A ponte de acesso entre o caso de Amityville e o poltergeist de Enfield é o questionamento sobre a veracidade dos acontecimentos. Há quem defenda ainda hoje a ideia de que Ronald teria assassinado seus pais por um distúrbio psicológico nada relacionado às vozes malignas que dizia ouvir. E os Lutz teriam se aproveitado do passado sombrio para buscar a fama e auxiliar os envolvidos na produção de livros e filmes relacionados, uma vez que não existem registros comprovados de fenômenos estranhos no local. E esse tal “pesadelo inventado” poderia muito bem ter espelhado os acontecimentos bizarros da Rua Green, em Enfield, Londres, quando a família Hodgson começou a relatar o início de um inferno pessoal bastante contestado.
A pequena Janet (Madison Wolfe, de Renascido das Trevas, 2015) e sua irmã Margaret (Lauren Esposito) começaram a notar coisas estranhas em sua casa, depois que resolveram brincar com uma Tábua Ouija. Batidas fortes na porta e nas paredes – a primeira comunicação com o Além, segundo alguns estudiosos – e o sonambulismo de Janet, que, de tanto acordar na sala, resolvera se amarrar à cama. O sumiço de um controle remoto e o retorno do carrinho de bombeiros de uma tenda são os maiores alertas sentidos inicialmente, incomodando também os irmãos Billy (Benjamin Haigh) e Johnny (Patrick McAuley) e a mãe recém-divorciada Peggy (Frances O’Connor, de Mercy, 2014).
Quando o movimento dos móveis é flagrado até mesmo pela polícia e vizinhos e Janet começa a emitir uma voz demoníaca, os Hodgson passam a ser reconhecidos pelos mistérios de sua residência, sendo entrevistados na TV e observados de perto pelo especialista Maurice Grosse (Simon McBurney, Missão: Impossível – Nação Secreta, 2015), da Sociedade de Pesquisa Psíquica. A história chega aos ouvidos de Ed e Lorraine, perturbados por uma presença constante na sua residência, na pele azulada de uma freira-demônio (Bonnie Aarons, de Arraste-me para o Inferno, 2009). Aliás, ela é que a traz o primeiro frio na espinha no espectador, com destaque para a cena do passeio de sua sombra até o quadro pintado por Ed.
O casal viaja para a terra do Led Zeppelin em busca de um contato com o fantasma dos Hodgson. Embora sensitiva, Lorraine parece não sentir nenhuma manifestação na morada, nem flagrar nenhum fenômeno visto pelos familiares e pelo público. A ideia é reforçada pela presença da personagem de Franka Potente, Anita Gregory, que, assim como a verdadeira, não tinha dúvidas do talento cínico de Janet em forjar efeitos e emitir vozes. E a fala de Maurice sobre o resultado obtido com suas pesquisas somente amplia os questionamentos de Lorraine sobre a veracidade dos acontecimentos – algo bem diferente da história real, em que tanto Ed quanto Lorraine sempre notaram os fenômenos, embora sua passagem pelo ambiente assombrado tenha sido rasteira.
Se a retratação de Maurice já fora superficial, o filme ignora outro elemento importante do período: Guy Lyon Playfair. Autor conhecido por sua presença em locais assombrados, e devoto de Chico Xavier e Uri Geller, ele foi o companheiro de Maurice nas pesquisas com os Hodgson, tendo seus momentos de desconfiança e crença. Foi sua literatura – This House is Haunted (1980) – que muitas das situações presenciadas na casa foram relatadas e facilitaram o roteiro de Carey e Chad Hayes, David Leslie Johnson e James Wan. Também serviu de base para o argumento principal a entrevista com Janet, retratada fielmente pela câmera do diretor, seja nas expressões das meninas, nas falas clássicas (“knock knock”) e até no pedido de Margaret para que a irmã tirasse o pé do sofá.
A condução acertada realizou belíssimos travellings pelos ambientes macabros, com a câmera atuando ora como um espectador curioso, ora como a entidade presente no local. Aliás, quase todo o trabalho técnico contribuiu para o resultado satisfatório como a fotografia noturna de Don Burgess e a trilha de Joseph Bishara, combinando adequadamente os elementos poéticos e assustadores. Vale menção o cuidado especial com a época retratada, e o retorno de personagens coadjuvantes que enriquecem o conteúdo como Judy, Drew e o padre Gordon (interpretados nova e respectivamente por Sterling Jerins, Shannon Kook e Steve Coulter). Só perde pontos pelo uso do CGI em alguns efeitos artificiais como o movimento e altura do “homem torto“, justificado pela transposição física de um desenho. Ainda que haja uma dose generosa de liberdade criativa ao relacionar dois inimigos, além de heroísmo exacerbado e os clichês característicos do subgênero, todos trabalham em sintonia para o resultado final. Seria difícil inovar depois de quase um século de produções similares – e James Wan sabe disso -, o que justifica seu passeio por outros gêneros e a poesia cinematográfica.
Invocação do Mal 2 está alguns passos atrás do original. Tem suas doses de arrepios e diversão, atuações convincentes e emocionantes, porém a desculpa para os elementos assustadores do primeiro filme são mais convincentes, ajudados pela referência ao clássico Os Inocentes (The Innocents, 1961) e pela presença da boneca Annabelle. Contudo, a sequência deve ser exaltada pela competência técnica e pelos sustos eficientes, levando todos a um único questionamento, indiferente aos acontecimentos reais ou imaginados: quando veremos novamente Ed e Lorraine Warren em mais uma experiência assombrosa?
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Dissecando o Medo #1: A História Real por trás de Invocação do Mal 2
Considero o primeiro filme bem melhor. Creio que se tivessem deixado o suspense para o espectador sobre a existência dos fenômenos ou fingimento da família, teria um resultado mais interessante. O final também foi fácil demais, poderia ter sido mais elaborado.
acabei de assistir ao filme… somente eu tive a impressão de que as letras na janela e na estante da sala da casa de Ed e Lorraine passaram a mensagem subliminar do nome do demônio nas cenas onde a filha do casal aparece??? Vou assistir de novo só ora confirmar…
Eu também percebi isso
Mas só percebi da segunda vez que vi o filme
Acabei de ver novamente
A parte mais linda, foi aquela que ele pegou o violão e começou a cantar Elvis pra família, pra levar um pouco de alegria pras crianças, e ela por sua vez sabendo o motivo pelo qual ele fez aquilo, ficou olhando pra ele toda orgulhosa e apaixonada.
Acredito que não haveriam atores tão maravilhosos e com um química tão perfeita e convincente que fariam melhor o papel desse casal. Ótimo filme em todos os sentidos!!!!!!!
Concordo plenamente! Foi a melhor parte…
A unica coisa que não me agradou foi justamente o CGI no personagem do “Homem Torto”… não consigo deixar de pensar em como ficaria fód* um Doug Jones interpretando esse personagem com efeitos práticos (só lembrar de Labirinto do Fauno).
Me desagradou também, Diego. Quem fez o Homem Torto foi o Javier Botet, que acho que tem uma aparência ainda mais impactante que o Doug Jones, e não precisava mesmo de CGI. Já viu os vídeos de teste de movimento de Mama?
Caramba! Acabei de assistir e achei mais assustador do que o filme. Algo assim teria me tirado o sono, infelizmente não puder ver algo do tipo em Invocação do Mal 2… Mas quem sabe um spin-off ala Annabele…
Hahaha né? Mas insistem em enchê-lo de CGI em Mama, Invocação do Mal 2, A Colina Escarlate… Acho que o único filme que assisti com ele usando só maquiagem foi REC.
Bela produção. Empolga assistir um trabalho tão cuidadoso de horror.
Filmaço de terror! Um dos melhores filmes do gênero!
Assisti e recomendo.
*Pelo incrível que pareça é uma boa pedida para o dia dos namorados porque conseguiram inserir uma bonita estória de amor do casal protagonista, embalada por uma trilha sonora romântica à la Elvis Presley, melhorando ainda mais o filme.
Estava extremamente curiosa para assistir, mas só tive tempo no dia 11/06… E através de algumas coincidências da vida (ou não!), fui ver Invocação do Mal 2 em um primeiro encontro! Existe gênero melhor do que o Terror? Haha
E quanto ao filme, somente concordo com a crítica e os comentários anteriores… Após ver o resultado final, até perdoei o uso do CGI. Gostei muito da continuação, e acredito que a linguagem poética e afetuosa utilizada no filme, tanto entre o casal Warren quanto pela família, são a cereja do bolo, dando à sequência um tom ainda mais profundo e envolvente.