Quando Last Shift foi lançado em 2014, Anthony DiBlasi era apenas um nome de poucas referências: havia feito o bom Lentes do Mal (Dread, 2009), o longa Cassadaga (2011), além de Missionary e participado da antologia The Profane Exhibit (ambos de 2013). Não era um cineasta para você observar com atenção, devido à filmografia tímida, até que uma certa delegacia em vias de ser desativada se tornou o palco de um espetáculo satânico. Desenvolvido com poucos recursos em ambientação única e poucos personagens, a trama apresentou um horror que pendeu entre o psicológico e o gráfico, apresentando um inferno de extensão crescente, envolto em claustrofobia e sustos.
O enredo é focado em Jessica Loren (Juliana Harkavy), uma policial novata que é designada para trabalhar no último turno (daí o título original) de uma delegacia que está fechando suas portas. Toda a equipe já foi transferida para uma nova unidade, restando apenas materiais de evidências a serem recolhidos na madrugada pela HAZMAT, e o cuidado em atendimentos presenciais, uma vez que as ligações já foram desviadas para uma central. Apesar da insistência da mãe para que ela não aceite o trabalho, ainda mais porque o pai dela trabalhava ali e faleceu em serviço, Jessica viu nessa conexão familiar uma possibilidade de abrandar a perda.
Recebida com certa hostilidade pelo comandante Cohen (Hank Stone), ela conhece os ambientes e é instruída de apenas uma restrição: evitar ir à detenção, ainda que sem qualquer hóspede. Aos poucos, DiBlasi e o roteirista Scott Poiley vão tornando o trabalho mais difícil, começando com manifestações sobrenaturais: armários que se abrem sozinhos, movimento de estantes, cadeiras empilhadas e a aparição no teto de uma mensagem escrita a sangue, “SOW” (porca). E tudo vai se complicando com a aparição repentina de um mendigo (J. LaRose), que urina no chão e se recusa a sair, além de ligações telefônicas de uma tal Mônica, aparentemente presa sob custódia de uma ameaça numa residência rural.
Jessica é atormentada por visões fantasmagóricas, com pessoas enforcadas e com sacos sobre a cabeça, reservando o melhor momento para a cena em que fica presa numa cela de detenção, recebendo apenas a iluminação de uma lanterna. Ao conversar com a prostituta Marigold (Natalie Victoria, esposa do diretor), ela e o espectador recebem algumas pistas do que está acontecendo ali: o líder de um culto, John Michael Paymon (Joshua Mikel), esteve preso numa cela com duas asseclas, Dorthea (Kathryn Kilger) e Kitty (Sarah Sculco), e que, diferente do que foi divulgado, os três cometeram suicídio no local. Além de assassinatos, eles teriam angariado seguidores para um dos reis do inferno, o demônio Paimon.
Last Shift é uma descida ao inferno, quase literal. A policial precisa lidar com fantasmas, influências demoníacas, corpos que se arrastam pelos corredores, telefonemas, sons, pessoas invadindo, televisores que funcionam sozinhos, cadeiras agitadas, além de informações assustadoras sobre o passado de seu pai. DiBlasi promoveu um show de horrores, com sangue e pessoas deformadas, conduzindo a protagonista ao seu limite psicológico. Se existe uma ressalva em seu filme, ela se deve unicamente à atriz Juliana Harkavy, que não soube expressar seu pesadelo acordado como devia. Faltou desespero, expressão de medo, choque, gritos insanos de uma pessoa que nunca enfrentou uma situação de perversidade e satanismo.
Considerado em muitas listas como o melhor filme de 2014 e falado em língua inglesa, ainda assim DiBlasi achou que deveria refazê-lo. Não como Hitchcock, que refez O Homem que Sabia Demais, de 1934, lançado no Reino Unido, em uma versão americana em 1956. DiBlasi quis dar uma nova visão sobre sua própria obra, com uma protagonista mais contextualizada, funcionando como uma reimaginação do horror proposto. Acrescentou cenas, retirou manifestações fantasmagóricas, ainda que mantivesse a essência, e, assim, comandou o desnecessário longa Malum.
Antes de adentrar à trama central, também concentrada numa delegacia, o filme começa mostrando a insanidade tomando conta do policial Will Loren (Eric Olson), que conseguiu aplausos dos parceiros por desmantelar um culto que mantinha mulheres sob tortura e rituais satânicos numa fazenda. Liderado por John Malum (Chaney Morrow) e também contando com apoiadores como Dorothea (Clarke Wolfe), a seita influenciou de tal forma Will que, num surto, ele matou colegas e se suicidou no distrito policial. Confrontando a mãe Diane (Candice Coke), a policial novata – e mais linha dura que a sua versão anterior – Jessica (Jessica Sula) se voluntaria para trabalhar no último turno da delegacia de seu finado pai e que será desativada no dia seguinte – em Last Shift, ela tinha sido designada, numa coincidência mórbida.
No caminho, ela já sente a cidade tomada pela influência do culto, algo quase que funcionando como o princípio de um apocalipse. Pessoas risonhas enfrentando policiais, enquanto atiram cabeças de porcos em carros, demonstram a falta de controle. Como no anterior, Jessica encontra um irritado comandante Cohen (Britt George), que lhe dá as instruções, com a mesma orientação sobre as celas de detenção. Ela quer entender o que levou seu pai ao ato de loucura e arromba seu armário, onde encontra uma foto dela com ele, sem a surpresa do que a imagem poderia revelar mais à frente.
Também recebe a visita de um mendigo, desta vez do lado de fora, também urinando na entrada. Ele posteriormente será visto na sala de evidências, buscando algo apenas sugerido em Last Shift. Jessica também será incomodada por telefonemas agressivos, sem que se transmita uma ideia sobrenatural de perturbação. Aliás, não há armários que se abrem sozinhos, nem cadeiras, com todo o terror fantasmagórico sendo abandonado pelas visões assustadoras. Elas ocorrem sem o mesmo impacto, perdendo força na sequência mais aterrorizante do filme anterior, tomada por uma escuridão absoluta até a lanterna revelar que há algo ali na detenção.
Por outro lado, DiBlasi enxerta sequências de aparições, vultos e sustos constantes, mantendo a atmosfera de claustrofobia. O bom orçamento é evidente no sangue em profusão, em explosões de vísceras, na caracterização das entidades que vagueiam pela delegacia e constroem um horror crescente, abalando psicologicamente a jovem Jessica, com a ótima interpretação de Jessica Sula. Se a anterior não soube transmitir adequadamente seu medo diante desse pesadelo gráfico, Sula faz um trabalho convincente ao mostrar sua lenta degradação psicológica.
Apesar de algumas boas ideias, é inevitável não considerar Malum um filme completamente equivocado. O orçamento maior, os bons efeitos especiais e a mudança na narrativa, com aprofundamento do contexto, não justificam a realização de uma nova versão. Parece que DiBlasi quis apenas mostrar ao mundo que ele ainda existe, que sabe conduzir enredos pavorosos, para ser relacionado a novos projetos. Poderia ter optado por um novo filme, uma continuação do anterior ou até um prelúdio, trazendo mais informações sobre o culto e seus seguidores.
Assim como o anterior, é evidente o diálogo com Charles Manson e seus seguidores. Seja na configuração do mendigo invasor ou na postura das moças que seguem o líder, Last Shift e Malum colocam um olhar sobre seitas e os exageros de cultos religiosos. Manson mantinha um rancho, onde cultivava suas crenças, com referências musicais, principalmente aos Beatles, e, em 1969, convocou um grupo a cometer atrocidades, como o que culminou com a morte da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses. Mensagens como “porcos” eram encontradas nas paredes, tal qual a de John Michael Paymon.
Para aqueles que nunca viram Last Shift, pode ser que Malum surpreenda. É realmente uma narrativa de impacto, com a promoção de sequências perturbadoras em um ambiente único. Já para os que apreciaram a versão de 2014, o novo filme só irá despertar a vontade de vê-lo novamente, quando a descida ao inferno de uma jovem policial foi muito mais incômoda e assustadora.