A Última Esperança Sobre a Terra
Original:The Omega Man
Ano:1971•País:EUA Direção:Boris Segal Roteiro:John William Corrington e Joyce Hooper Corrington Produção:Walter Seltzer Elenco:Charlton Heston, Neville Anthony Zerbe e Matthias Rosalind Cash |
“Rezem para o último homem vivo. Porque ele não está sozinho.”
Sejam bem-vindos ao futuro. No caso ao ano de 1977. Uma guerra biológica entre a China e a União Soviética dizimou grande parte da população. Um dos poucos sobreviventes, o incansável Dr. Robert Neville, vasculha as ruas aparentemente desertas de Los Angeles em busca de alimentos, armas e outros humanos. Após o pôr-do-sol, ele se refugia em seu apartamento, convenientemente transformado em um bunker. Neville tenta se proteger de um grupo de indivíduos geneticamente contaminados e que se transformaram em albinos sensíveis a luz – o que lhes impede de andar durante o dia (vampiros?).
Liderados por Matthias (um popular apresentador de televisão antes da guerra), os mutantes investem toda a sua fúria contra o último representante dos paradigmas de uma sociedade cujos pilares foram a ciência e a tecnologia – mesma ciência e tecnologia responsáveis pela quase extinção da humanidade.
Curiosamente, parte do suplício de Robert Neville assemelha-se ao sonho mais ordinário dos cidadãos que sobrevivem atualmente nas caóticas metrópoles do século XXI. A calmaria deste mundo desolado permite ao cientista alguns momentos quase surreais, como andar sem destino com seu Cadillac vermelho por avenidas totalmente vazias ou, só porque furou um pneu, trocar seu “modesto” automóvel por um clássico Mustang azul conversível. Contudo, Neville é atormentado pelo silêncio absoluto, pela solidão e pela loucura iminente. Ao cair da noite, o cientista passa de caçador a caça, quando religiosamente é perseguido pela “família” – o nome do grupo de mutantes é uma alusão bizarra ao caso Charles Manson (o filme foi lançado poucos meses após o julgamento de Manson e seus seguidores, que se autodenominavam “A Família”).
Condenados a escuridão, os integrantes da Família usam óculos escuros e trajes negros que os protegem da luz; visual que remete às vestimentas dos monges e clérigos da idade média. Coincidência ou não, os princípios da doutrina medievalista também pregam, entre outras bobagens, a negação da ciência. Ironicamente, nesta idade das trevas pós-apocalíptica, é o cientista Neville quem possui, mesmo sem saber, a cura para o mal destes infectados.
O enredo de A Última Esperança Sobre a Terra é inspirado num dos livros mais importantes da literatura fantástica contemporânea, o clássico Eu Sou a Lenda; texto do norte-americano Richard Matheson que sofreu pelo menos quatro transposições para o cinema. A primeira e a mais importante delas foi em 1964 pelas mãos do cineasta italiano Ubaldo Ragona e trazia o brilhante Vincent Price interpretando o cientista Neville (Mortos que Matam, 1964). A Última Esperança Sobre a Terra é a segunda versão rodada apenas sete anos depois. Mais recentemente foram mais duas adaptações: o arrasa-quarteirão Eu Sou a Lenda (2007, com Will Smith) e o caça-níqueis da infame produtora Asylum, Batalha dos Mortos (2007, com Mark Dacascos).
É importante relembrar a importância que o autor tem para o gênero horror nos cinemas e na televisão. Richard Matheson escreveu dezenas de roteiros para séries clássicas como Alfred Hitchcock Apresenta (1962-1963), Além da Imaginação (1959-1964) e Histórias de Fantasmas (1972-1973), entre outras. Ele é responsável pelo roteiro de Encurralado (Duel, 1971), um dos primeiros longas-metragens de Steven Spielberg; seus contos deram origem a sucessos como A Casa da Noite Eterna (1973), Em Algum Lugar do Passado (1980), Ecos do Além (1999), A Caixa (2009) e Gigantes de Aço (2011).
O roteiro de A Última Esperança Sobre a Terra, escrito pelo casal John e Joyce Hooper Corrington, apresenta vários acertos, mesmo não sendo absolutamente fiel ao texto original. Os vampiros sedentos de sangue das páginas de Matheson foram convertidos em hippies-albinos-homicidas. Esta mudança, eliminando o fator sobrenatural, permite uma abordagem mais realista da trama, tornando possível questionar os conflitos raciais e o fanatismo religioso tão in voga na época. A paranoia típica do período da Guerra Fria, o temor por um holocausto nuclear ou biológico é também muito bem aproveitado pelo roteiro. Todas estas mudanças foram bem aceitas pela crítica, que entendia que havia a necessidade de inovar – principalmente pelo fato do intervalo entre o lançamento de Mortos que Matam e A Última Esperança Sobre a Terra ser inferior a 10 anos. Contudo, o roteiro comete o mesmo equívoco da versão mais recente (Eu Sou a Lenda): ignora a grande reviravolta que representa o clímax da novela de Matheson. Em ambos os filmes o cientista Robert Neville é apresentado como um virtuoso e inquestionável herói. No livro, entretanto, em determinado momento, sabemos que quem causa mortes por onde passa é o próprio Neville. É ele na verdade o grande vilão. Ele é uma lenda para os vampiros.
A Última Esperança Sobre a Terra foi dirigido pelo especialista em televisão Boris Sagal. O filme conta com um ótimo elenco, encabeçado por Charlton Heston, que entre 1968 e 1973 trabalhou em três longas com temáticas muito semelhantes, nos quais o futuro do planeta Terra é retratado sob uma perspectiva um tanto pessimista e sombria. São eles: A Última Esperança Sobre a Terra, o clássico O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968) e ainda No Mundo de 2020 (Soylent Green, 1973). A bela atriz negra Rosalind Cash (de Klute, o Passado Condena, 1971) interpreta Lisa, a parceira de Neville; juntos eles formam o polêmico casal inter-racial, muito comentado pela sociedade americana na época. Completa o elenco o carismático ator californiano Anthony Zerbe (o Conselheiro Hamann de Matrix Reload e Matrix Revolutions), interpretando o antagonista Matthias. A trilha sonora de Ron Grainer utiliza arranjos compostos por interpretações extravagantes que misturam jazz e pop. A ousada mistura, que inicialmente causa estranheza no espectador, parece atender a proposta incômoda e controversa do enredo.
O ômega do título original em inglês (The Omega Man) refere-se a vigésima quarta e última letra do alfabeto grego. Numa tradução mais literal, o título em português seria algo como “O Último Homem” ou mesmo “O Homem Ômega”. A escolha da distribuidora brasileira (A Última Esperança sobre a Terra), acertada ou não, tem um apelo bem mais dramático e poético, diga-se de passagem – mesmo que traga implícito um grande spoiler. Ainda sobre este símbolo grego que parece uma ferradura (Ω), o ator Charlton Heston já havia se deparado com ele em De Volta ao Planeta dos Macacos (1970), quando encontra uma raça de mutantes que adoram uma bomba atômica pintada com os símbolos alfa (α) e ômega (Ω).
Enfim, A Última Esperança Sobre a Terra, além de um clássico absoluto do gênero, é um filme emblemático que reflete as preocupações de uma geração e de uma época um tanto conturbada. Pode parecer datado aos olhos menos atentos. Mas ainda hoje impressiona pela originalidade (fato raro, tratando-se de uma refilmagem). Uma obra essencial para qualquer cinéfilo ou apreciador do cinema fantástico de boa qualidade.
Parágrafos finais da novela de Richard Matheson, Eu Sou a Lenda:
“Robert Neville olhou para o novo povo sobre a Terra. Sabia que não pertencia àquela gente, sabia que, como os vampiros, ele era o anátema, o terror a ser destruído. E abruptamente, outra idéia nascia, divertindo-o, apesar da dor. Uma gargalhada partiu de sua garganta. Virou-se, apoiando as costas na parede enquanto engolia as pílulas. O circulo se fechava e se reiniciava, pensou sentindo a letargia final tomar conta de seu corpo. Um novo terror nascia com sua morte, uma nova superstição se instalava na fortaleza da eternidade. Eu sou a lenda.”
gostei muito de eu sou a lenda,e esse que o inspirou deve ser demais,pena eu nunca ter assistido.
Sim. É muito bom. Só não sei onde envomtra-lo.