Zaroff, O Caçador de Vidas (1932)

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Zaroff (1932)

Zaroff, O Caçador de Vidas
Original:The Most Dangerous Game
Ano:1932•País:EUA
Direção:Irving Pichel, Ernest B. Schoedsack
Roteiro:James Ashmore Creelman, Richard Connell
Produção:David O. Selznick
Elenco:Joel McCrea, Fay Wray, Leslie Banks, Robert Armstrong, Noble Johnson, Steve Clemente, William B. Davidson, Oscar 'Dutch' Hendrian

Pode-se afirmar que esse clássico thriller, praticamente o criador dos filmes sobre caçadas humanas, o subgênero chamado de “manhunter”, só existe por causa de uma outra produção. Explico, no começo dos anos 30 o excêntrico produtor, diretor, cinegrafista, roteirista e aventureiro nas horas vagas Merian C. Cooper, numa viagem a África, teve uma ideia que julgava genial: a história de um gorila gigantesco que vivia numa ilha repleta de seres pré-históricos e que seria levado até a civilização onde ele escaparia de seus algozes e causaria o maior estrago. Claro que estou me referindo ao clássico King Kong de 1933, que seria dirigido por Merian e seu amigo e parceiro de várias empreitadas Ernest Beaumont Shoedsack (ambos já tinham realizados alguns filmes juntos, incluindo elogiados documentários no cinema mudo). Cooper estava realmente obcecado em levar adiante o projeto que julgava grandioso e original, na verdade não tão original assim, já que a trama lembrava “demasiadamente” o conto The Lost World de Arthur Conan Doyle, tanto que a produtora RKO teve que comprar os direitos da história para não sofrer processo por plágio.

Pois bem, para levar adiante seu intento o faz-tudo maluco tentava convencer o produtor-executivo David Selznick de que tinha que liberar a verba. Entre as negociações e o começo efetivo das filmagens de King Kong, a dupla Cooper & Schoedsack, sobre o olhar severo de Selznick, acabariam por produzir outro filme, com um orçamento menor, como que se fosse um treino para a almejada superprodução. A direção ficaria a cargo de Schoedsack e de Irving Pichel. Assim nascia o antológico The Most Dangerous Game.

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A trama é simples e diabólica. O renomado caçador e playboy Bob Rainsford (o então novato Joel McCrea) esta viajando num iate com seus amigos quando sofre um naufrágio e acaba sendo o único sobrevivente parando na praia de uma ilha. Andando pela selva encontra uma espécie de castelo onde habita o sinistro conde Zaroff (o careteiro Leslie Banks), nobre russo que acabou se refugiando na ilha escapando da revolução comunista.

Na moradia, além de Zaroff, Bob conhece o capataz do anfitrião o sisudo Ivan, o cossaco (Noble Johnson), entre outros empregados. Conhece também os cães ferozes (os cachorros que aparecem aqui na verdade pertenciam ao ator Harold Lloyd, que os emprestou para a produção), e um casal de irmãos, náufragos como ele, a bela Eve Trowbridge (Fay Wray) e o bebum chato Martin Trowbridge (Robert Armstrong).

O interessante é que o próprio conde é um caçador nato, tendo inclusive o lado esquerdo do rosto paralisado devido a um acidente de caçada com um búfalo (na verdade o ator tinha esse lado da face paralisada graças a um ferimento que teve durante a primeira guerra mundial). De imediato ele reconhece seu novo hóspede e o convida para uma caçada diferente: “o jogo mais perigoso” como define o russo. Uma caçada noturna cheio de mistérios.

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Ao nosso herói, Zaroff faz mistério sobre seus objetivos com a intenção de reservar uma surpresa, entretanto Eve pressente que algo está errado ali, principalmente por que dois marinheiros que tinham sobrevivido junto com ela e seu irmão tinham desaparecidos durante essas caçadas. Ela tenta avisar Bob dos perigos do lugar, mas não demora muito para ambos descobrirem as reais intenções do russo, quando descobrem a famigerada sala de troféus do conde, uma coleção de cabeças decapitadas. Para piorar o conde tinha acabado de caçar o irmão de Eve.

Zaroff convida Bob para ser seu parceiro de caça. Horrorizado o náufrago recusa a oferta. O nobre ofendido então faz de seu hóspede o novo alvo de sua caçada. Tendo como regra a seguinte proposta: ele solta Bob e Eve selva a fora e lhes dá o prazo até a meia-noite do dia seguinte para se esconderem depois ele os caçará implacavelmente, tendo o prazo de até o amanhecer para fugir do russo. “Eu jamais perdi esse jogo” alerta Zaroff, tendo como acréscimo Eve como prêmio, “a fêmea para o vencedor“.

Inspirado no conto homônimo de Richard Cornnel, considerado por alguns críticos como um dos melhores contos de todos os tempos. Teve um remake em 1945, A Fera Humana, de Robert Wise, ganhou uma clássica versão em quadrinhos pela EC Comics e inspirou uma leva de filmes como O Alvo de John Woo, estrelado pelo Jean-Claude Van Damme, Surviving the Game de Ernest R. Dickerson, com o Ice T e o Rutger Hauer, entre outros. Também teria inspirado o personagem Kraven, o caçador, um dos muitos inimigos do Homem-Aranha. E supostamente influenciado o famoso serial killer conhecido como Zodíaco.

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Um dos pontos fortes do filme, e que o ajudou a não envelhecer, é sem dúvida o roteiro escrito por James Ashmore Creelman, que alcança aqui um saudável e fascinante paradoxo: a trama ao mesmo tempo em que é simples e sem maiores enrolações, divide-se basicamente em duas partes: a primeira metade se ocupa com a apresentação dos personagens e a situação em que se encontram e a segunda é a caçada propriamente dita. É também rico em nuances psicológicos: primeiro do caçador que repentinamente se vê como presa (situação que surge meio como uma espécie de previsão no começo do filme quando, ainda no navio, Bob é questionado por um de seus amigos como ele se sentiria na pele dos tigres que caça) e a segunda é a questão sexual: assim como em King Kong o fator erótico aqui é bastante forte, principalmente na figura do demente conde, um homem claramente impotente e com traços de homossexualismo. E colocar a fêmea (como ele se refere a Eve) como troféu da caçada, coloca os personagens num nível de fetichismo e primitivismo animalesco.

Filmado todo em estúdio reaproveitando os cenários selvagens da produção A Ave do Paraíso de King Vidor, que também seria reaproveitado em King Kong. Tem seu ponto alto na caçada, valorizada pela câmera inquieta, num P&B cheio de clima, de Henry Gerrard e a música de Max Steiner.

No elenco temos algumas curiosidades: além de boa parte depois aparecer em King Kong, que definitivamente alçou a bela Fay Wray para a constelação de ícones da sétima arte. Temos Joel McCrea ainda bastante jovem, e assim como os cenários, também tinha participado de Bird of Paradise;  era o galã ao lado da estrela mexicana Dolores Del Rio. O interessante é que depois de The Most Dangerous Game McCrea estava interessado no papel de galã em King Kong, mas seu empresário cresceu o olho e acabou pedindo um cachê maior do que ele estava acostumado a ganhar. Resultado: perdeu o papel para Bruce Cabbot. Outra coisa curiosa é o personagem de Robert Armstrong, o do irmão de Eve, que aparece em todas as cenas invariavelmente bêbado. Merian Cooper era um inimigo ferrenho do álcool e embora ainda estivesse em vigor à famigerada lei seca, a bebida aqui representa um elemento maléfico.

Temos ainda a presença não creditada de Buster Crabbe,  como um dos marinheiros do navio. Ele praticamente entra quieto e sai calado. O cara seria depois um dos reis dos seriados Bs do cinema fazendo no ano seguinte a série Tarzan, The Fearlees, depois faria outros personagens como Billy The Kid, Buck Rogers, mas Crabbe ficaria imortalizado mesmo como Flash Gordon.

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No elenco se destaca ainda a figura de Noble Johnson, ator de extensa filmografia e amigo de infância de Lon Chaney, no papel do cossaco Ivan. Ele na verdade era negro e aqui está com a cara pintada de branco, e tem gente que acha que só brancos como o judeu Al Jolson no primeiro filme falado da história O Cantor de Jazz pintava a cara para parecerem negros. Depois Noble apareceria de cara limpa em King Kong, como o chefe da tribo.

A única coisa a se lamentar é o fato do filme, quando lançado, tinha 78 minutos. Criou tanta polêmica em sua estreia que os produtores se viram obrigada a fazer cortes, principalmente na cena da “sala de troféus”, reduzindo aos 68 minutos que conhecemos hoje, ou seja, são quinze minutos de corte. Torcemos para que ele seja devidamente restaurado algum dia.

De qualquer forma o que temos é uma obra ágil, instigante e inspiradora, que sobreviveu ao tempo. Num resultado muito superior a de produções feita no estilo “rápido e rasteiro“, como aparentemente foi concebido. Aliás, muito melhor que muita produção feita com a pretensão do esmero. The Most Dangerous Game é um clássico thriller psicológico que merece ser visto e revisto.

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Paulo Blob

Nascido em Cachoeirinha, editou o zine punk: Foco de Revolta e criou o Blog do Blob. É colunista do site O Café e do portal Gore Boulevard!

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