Sombras da Noite
Original:Dark Shadows
Ano:2012•País:EUA, Austrália Direção:Tim Burton Roteiro:Seth Grahame-Smith, John August Produção:Christi Dembrowski, Johnny Depp, David Kennedy, Graham King, Richard D. Zanuck Elenco:Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Eva Green, Helena Bonham Carter, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Bella Heathcote, Chloë Grace Moretz, Gulliver McGrath |
Tim Burton adapta Vamp
Ok, ok, não levem tão a sério a frase acima. Ela é jocosa e sensacionalista, mas como toda a brincadeira tem sua ponta de verdade como verá a seguir… Tudo começa em 1966, ano em que estreava na TV estadunidense uma novela chamada Dark Shadows. Criada por Dan Curtis (diretor do Drácula de 1973 com Jack Palance no papel título), poderia ser uma novela como qualquer outra, exceto pelo fato de ser uma das primeiras (senão a primeira) a flertar com temas sobrenaturais: Vampiros, lobisomens, zumbis, bruxas, viagem no tempo, etc.
A cultura de novelas nos Estados Unidos é muito diferente do Brasil, primeiro por conta do horário de exibição, normalmente durante as tardes, quando a maioria das donas de casa tem a TV inteiramente disponível para elas; e segundo, por se manterem no ar através dos anos e, não raramente, estourarem a barreira de décadas. Neste aspecto não é de se impressionar que Dark Shadows tenha ficado quase 5 anos no ar totalizando mais de 1200 capítulos.
A novela acabou se tornando uma espécie de cult e houveram outras tentativas de se manter no ar através de muitas maneiras diferentes: dois filmes para cinema dirigidos pelo próprio Dan Curtis (em 1970 e 1971), um revival tentado em 1991 com Barbara Steele em um dos papéis principais, – mas que foi abruptamente cancelado após somente 12 episódios por conta da transmissão da Guerra do Golfo – e um episódio piloto filmado em 2004 de um seriado nunca levado ao ar.
Após o falecimento de Dan Curtis em 2006, a Warner Bros comprou os direitos sobre a novela e dois grandes fãs de Dark Shadows se prontificaram para realizar o filme: Tim Burton e seu compadre Johnny Depp (para quem não sabe, Depp é padrinho dos filhos de Burton). Adiado por conta da greve dos roteiristas de 2007, finalmente o pontapé inicial foi dado em 2010 com o roteiro sendo escrito por Seth Grahame-Smith, um nome bem adequado à tarefa, já que é autor dos livros que mesclam história e elementos fantásticos como Orgulho e Preconceito e Zumbis e Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros, este último adaptado ao cinema através do filme homônimo.
Com as filmagens iniciando só em maio de 2011, Burton reuniu sua gangue já conhecida de seus filmes: além de Depp no papel principal (e também como produtor), também estão no filme a atual esposa Helena Bonham Carter, o designer de produção Rick Heinrichs, o figurinista Colleen Atwood, o editor Chris Lebenzon e o compositor de cabeceira Danny Elfman para realização da trilha sonora.
Finalmente lançado em Maio nos Estados Unidos, o filme abriu com bilheteria baixa para os padrões dos filmes de Burton, parte pelo esmagamento pelo lançamento próximo com Os Vingadores, contudo não é o único… Apesar de ter aquele padrão estético já conhecido dos demais filmes de Burton, a produção peca pela falta de foco, de motivação aos personagens, ousadia limitada pela censura e uma morosidade generalizada que lembra efetivamente um novelão de 200 capítulos condensado em 2 horas.
A melhor parte do filme é o início (e até culpada pela sensação geral, pois o tom muda e cai drasticamente em seguida) onde é contada a história da família Collins, no século 18, que, disposta a fazer fortuna, migra da Inglaterra para os Estados Unidos e se estabelece no estado do Maine tornando-se rapidamente magnatas da indústria pesqueira e acabam batizando o vilarejo de Collinsport.
O primogênito da agora magnata família chama-se Barnabas (Depp) e cresce como um playboy “bon vivant“, que acaba se apaixonando com a bela Josette (Bella Heathcote, O Preço do Amanhã), mas a notícia acaba caindo como uma bomba no coração de sua amante anterior Angelique Bouchard (Eva Green, 007 – Cassino Royale), que calha de ser uma bruxa.
Movida pelo ódio causado pelo ciume, Angelique mata os pais de Barnabas, amaldiçoa sua família, enfeitiça Josette para se jogar do precipício, e como desgraça pouca é bobagem, transforma Barnabas em vampiro. Perseguido por toda a cidade, acaba aprisionado em um caixão de ferro enterrado na floresta de Collisport por toda a eternidade.
Esta eternidade dura “somente” 200 anos… Estamos em 1972 e Barnabas é acidentalmente libertado de seu sepulcro por um grupo de trabalhadores da construção civil que estava escavando o local. Com dois séculos de fome, Barnabas se alimenta deles e desajustado à tecnologia e comportamentos da época atual, consegue chegar a antiga mansão da família, agora decrépita onde encontra o que sobrou de sua família e seus demais habitantes: Elizabeth Collins (Michelle Pfeiffer, que trabalhou com Burton em Batman: O Retorno), a matriarca; seu irmão Roger (Jonny Lee Miller, Drácula 2000); seus filhos Carolyn (Chloë Grace Moretz, de Deixe-me Entrar e Carrie) e David (Gulliver McGrath); a psiquiatra de David, Julia Hoffman (Helena Bonham Carter), o zelador Willie Loomis (Jackie Earle Haley, A Hora do Pesadelo remake) e a nova governanta, Victoria Winters (Heathcote).
Assim como seus bens, a glória da família há muito se esvaiu e o negócio de pesca hoje é um monopólio exclusivo da Angel Bay, que (surpresa, surpresa!) é comandado pela mesma Angelique de 200 anos atrás. A partir daí o roteiro atira para todos os lados e, da perspectiva de Barnabas, várias histórias se desenvolvem… Ou quase… Temos o vampiro antiquado tentando se adaptar a uma época estranha até para quem viveu nela (hippies, vietnã, lâmpadas de lava), o triângulo amoroso entre o vampiro, a bruxa e a governanta, a vingança de Angelique e a quebra da maldição de Barnabas, só para citar alguns.
E é aí onde reside o principal problema de Sombras da Noite: duas horas não parecem suficientes para contar toda a trama e fica a sensação de que mesmo que o filme se arrastasse por mais algumas horas, a verborragia vitoriana de Barnabas não permitiria que a história fosse desenvolvida a contento e com a profundidade necessária.
Questões interessantíssimas e características da família disfuncional não citadas por motivo de spoilers que poderiam emergir para agregar mais valor ao resultado final são podadas em favor do foco exclusivamente nos dramas do protagonista (que já são numerosos) e termina cheirando como uma obra incompleta.
Claro que boas sacadas, principalmente as piadinhas e situações com Barnabas nos anos 70, fazem florescer um sorriso no espectador, porém tudo acaba no meio do caminho entre A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça e Alice no País das Maravilhas. Se o início prometia um drama com elementos do cinema fantástico movido pela vingança, logo vira uma comédia de situação, que desemboca em um drama familiar, depois vira um romance, flerta com o horror cinquentista da Hammer e volta para a comédia… Difícil definir Sombras da Noite a não ser cavar em sua própria origem: um novelão.
O elenco secundário aparece pouco e, consequentemente pouco tem a apresentar, mas desempenha bem o seu papel. Inclusive a produção conta com uma ponta do saudoso ator Christopher Lee e outra ponta de Alice Cooper como ele mesmo (e ele dentro de uma mansão decrépita me fez lembrar a bagaceira Monster Dog, que tinha Alice como protagonista). Apesar de Eva Green exagerar um pouco nos trejeitos, para salvar o time Johnny Depp está muito bem como Barnabas. Lembra bastante o clássico Nosferatu e não interpreta como uma caricatura bêbada de si mesmo como em seus filmes anteriores sendo um vampiro de respeito.
Os demais aspectos técnicos também são muito bem trabalhados, como sempre nos filmes de Burton, aliás. As composições de Danny Elfman são das melhores que ouvi nos últimos tempos, e a fotografia consegue mesclar a sobriedade gótica da família Collins com o colorido dos anos 70. Na minha opinião, só considero que há um uso excessivo das músicas da época como se Burton tentasse nos localizar a todo minuto a época onde a trama se desenrola.
Tim Burton pega leve na violência e tem um trabalho fácil ao mostrar uma produção acessível para todas as idades. Analisando os trabalhos anteriores do diretor a recepção morna do público estadunidense se justifica: Sombras da Noite não é o pior deles, mas não tem o mesmo drama de Ed Wood, o mesmo humor sarcástico de Os Fantasmas se Divertem, a mesma atmosfera de tensão de A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça ou a mesma violência poética de Sweeney Todd. Em resumo, o filme não é nem totalmente vivo, nem totalmente morto… Tal como Barnabas Collins…