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O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos
Original:idem
Ano:2016•País:Brasil
Páginas:168 páginas em preto, branco e verde• Autor:Dudu Torres, Antonio Tadeu, LuCas Chewie, Airton Marinho, Fabrício Bohrer, Caiuã Araújo, Marcio de Castro, Lucas Pereira, Raphael Fernandes, Samuel Bono, Jun Sugiyama, Daniel Bretas, Hilton P. Rocha, Bárbara Garcia, Elias Aquino e João Pirolla•Editora: Draco

Em 2015 a Editora Draco lançou O Rei Amarelo em Quadrinhos (2015), o primeiro título de sua coleção antologias em quadrinhos de terror, impressa em duotone com tons de cinza e mais uma cor, que trazia diversos autores dos mais variados estilos adaptando para os quadrinhos o universo criado por Robert W. Chambers (1865-1933). A HQ foi um sucesso, garantindo inclusive o troféu HQ Mix de melhor publicação mix. Os fãs queriam mais e logo a editora anunciou que o próximo título da coleção traria a interpretação livre de um novo time de autores para o universo criado por H. P. Lovecraft (1890-1937) e seus mitos de Cthulhu em O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos.

Ao contrário do título anterior, inspirado no pequeno e incisivo universo do Rei Amarelo criado por Chambers, em O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos os autores estão diante de um universo vasto e riquíssimo onde muitos autores além de Lovecraft já criaram infinitas histórias envolvendo deuses ancestrais de formas inomináveis. Mas o time de autores selecionados pelo editor Raphael Fernandes não se intimida e vai além, trazendo para os quadrinhos brasileiros oito histórias que exploram o horror cósmico com maestria. Logicamente que quando estamos falando de uma HQ no formato de antologia, algumas histórias e artes serão melhores que as outras, mas o time é homogêneo e o resultado é surpreendente.

A HQ que abre a edição, O Salmo do Sangue Antigo de Dudu Tavares, segue os passos de Lovecraft ao colocar o homem comum diante da descoberta de um universo muito mais vasto do que sua mente poderia conceber e a espiral de loucura que se segue a esta descoberta. Dudu mostra com sua arte espetacular como o horror lovecraftiano é algo universal e atemporal, podendo se moldar a qualquer realidade e momento histórico.  A história seguinte, Os Tambores de Azatoth, de Antonio Tadeu e LuCas Chewie, surpreende colocando um perturbado Robert Oppenheimer, o físico norte-americano por trás da bomba atômica, buscando ajuda mística devido a pesadelos constantes com algo terrível que surgiu junto da nova era que ele pode ter criado com sua bomba. O texto de Antonio Tadeu aliado à arte de LuCAS Chewie resultam em uma das melhores histórias do encadernado. A junção do universo de Lovecraft e personagens reais unindo um o terror cósmico fictício ao maio horror real criado pela humanidade é uma sacada genial.

O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos - Slide

Histórias envolvendo forasteiros chegando a vilarejos e cidades que escondem segredos obscuros são recorrentes no universo de Lovecraft. As duas histórias seguintes de O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos exploram estes aspectos da literatura lovecraftiana. Macio, de Airton Marinho e Fabrício Bohrer, coloca uma jovem contra uma cidade tomada por uma estranha enfermidade que as autoridades locais acreditam ser um teste divino. Cheia de simbolismos, Macio é mais uma excelente história de Airton Marinho, que talvez fosse mais contundente se contasse com uma arte mais realista do que a de Fabrício Bohrer que, mesmo sendo muito competente, parece reduzir o impacto do resultado final. Já em Insana Luz, de Caiuã Araújo e Marcio de Castro, onde dois detetives chegam a uma pequena cidade para investigar o aparente desaparecimento de uma equipe de cientistas, os traços cartunescos de Marcio de Castro, neste caso, reforçam o tom absurdo de insanidade e loucura do texto de Caiuã Araújo.

Clhithmaek’ tyivh de Lucas Pereira mostra dois antropólogos visitando uma tribo isolada no interior da Amazônia para estudar um antigo ritual secreto com resultados catastróficos para ambos. Uma história clássica de horror, direta e violenta, mas sem a força do subtexto de algumas das outras que compõem O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos. A Linguagem da Fé, de Raphael Fernandes e Samuel Bono, é uma das melhores histórias da coletânea e insere os horrores da loucura lovecraftiana no desespero cotidiano de um homem em crise pela falta de emprego que o leva ao afastamento gradual da família e à aproximação de “Deus” em um estranho culto. Raphael amarra com naturalidade o terror cósmico ao medo nosso de cada dia denunciando a loucura por trás da “fé” explorada por algumas igrejas. A arte de Samuel Bono dá à história o tom soturno e opressivo ideal para o conto.

O Caso da Truta Salmonada de Jun Sugiyama, Daniel Bretas e Hilton Rocha traz uma pegada oriental ao encadernado em uma história maluca sobre um sushiman cansado de sua rotina que terá que servir clientes bizarros em seu restaurante. Apesar de absurdo, o conceito criado por Jun Sugiyama, funciona por colocar um sushiman em um restaurante onde se serve frutos do mar, para enfrentar monstros vindos do universo lovecraftiano, povoado de criaturas vindas das profundezas do oceano, muitas delas com aspectos de animais marinhos. A ótima arte de Daniel Bretas e Hilton Rocha funciona perfeitamente para retratar o absurdo e a bizarrice da situação. Fechando o encadernado, temos O Que Dorme de Bárbara Garcia e Elias Aquino, um conto clássico lovecraftiano envolvendo uma jovem que se sente deslocada na pequena cidade em que vive até que estranhos acontecimentos mostram que talvez ela seja a única preparada para o que está por vir. Bárbara Garcia cria um dos mais sinistros contos de O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos, que consegue o resultado ideal graças à arte espetacular de Elias Aquino, capaz de criar o clima opressivo e insano perfeito para fechar a coletânea.

E tem a capa de João Pirolla. Que capa!

Apesar de nossa longa tradição nos quadrinhos de terror e dos grandes mestres que fizeram história dentro do gênero, o horror nas HQs brasileiras muitas vezes se resume a pastiches e imitações dos clássicos da EC Comics e Warren nos moldes de Creepy e Eerie, por exemplo. Portanto, é extremamente gratificante quando nos deparamos com revistas em quadrinhos como O Rei Amarelo em Quadrinhos e O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos que vão além, buscando novos limites e estabelecendo novos patamares para o terror em quadrinhos no Brasil. A Editora Draco e toda a equipe envolvida na produção destas obras talvez ainda não saibam, mas estão fazendo história na nona arte brasileira e irão figurar, num futuro não muito distante, ao lado dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais de horror.

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