3.5
(2)

O Nó do Diabo
Original:O Nó do Diabo
Ano:2017•País:Brasil
Direção:Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé, Jhesus Tribuzi
Roteiro:Fabiano Raposo, Ramon Porto Mota, João Matias, Ian Abé, Gabriel Martins, Jhésus Tribuzi, Anacã Agra
Produção:Ramon Porto Mota, Ian Abé, Jhésus Tribuzi, Fabiano Raposo
Elenco:Fernamdo Teixeira, Isabel Zuaá, Miuly Felipe da Silva, Yurie Felipe da Silva, Tacinho Teixeira, Alexandre de Sena, Zezé Motta, Everaldo Pontes, Cintia Lima, Edilson Silva, Clebia Souza

A ideia central do filme é curiosa e engenhosa: mostrar o horror da escravidão do Brasil, e de como ela ecoa até os dias de hoje em cinco histórias (sim, estamos diante de mais um filme de horror brasileiro dividido em formato antologia) que se desencadeiam em um mesmo cenário, separado por épocas distintas, criando uma unidade.

O cenário é a fazenda dos Vieiras (o cenário era a casa do escritor paraibano José Lins do Rego). E ao longo dos contos, separados por décadas, somando mais de um século, o patriarca, o temível Sr. Vieira, é interpretado pelo mesmo ator, Fernando Teixeira, que lhe dá uma áurea sobrenatural, lembrando Drácula, o nobre que atravessou séculos se alimentando do sangue da plebe. Seu Vieira representa o Brasil racista, escravocrata, reacionário e atrasado.

O filme começa com a primeira história nos dias atuais e vai recuando no tempo, numa ordem cronológica regressiva.

A primeira história, situada em 2018, é dirigida por Ramon Porto Mota. Mostra um capataz que deve cuidar da fazenda desativada dos Vieiras, e cuidar para que a população favelada, que margeia a propriedade, não invada as terras.

O capataz, que passa os dias escutando um locutor de rádio sensacionalista e reacionário, vai perdendo a razão e se transformando num serial killer, matando entre outros, gays, negros e mulheres. No fim terá que se acertar com os fantasmas da propriedade.

O tom panfletário desse primeiro episódio é evidente, e a analogia com a instabilidade do Brasil atual é clara.

Na segunda história, dirigida por Gabriel Martins, estamos em 1987. Um casal de negros pobres chegam à fazenda dos Vieiras em busca de trabalho. O casal passa por situações perturbadoras, inclusive depois que encontram objetos de torturas da época da escravidão. O marido tenta desesperadamente manter o emprego, mas a esposa vai se desesperando. Tenso e bem conduzido.

O terceiro episódio é dirigido por Ian Abé e se passa em 1921. Mesmo décadas depois da abolição da escravatura, negros ainda vivem em situações análogas de escravidão na fazenda dos Vieiras, comandada como sempre pela mão de ferro de Vieira, que não se omite em dar chibatadas em seus “empregados”. Neste episódio as protagonistas são duas irmãs (interpretadas pelas irmãs Miuly e Yurie Felipe da Silva), uma rebelde e outra “mansa”. Embora essa última se mostre aparentemente apática, ela demonstra possuir o dom de queimar tudo o que toca, o que lembra um pouco a protagonista do livro “A Incendiária” de Stephen King, que depois viraria o filme Chamas da Vingança, com Drew Barrymore como a garotinha que possui a capacidade de por fogo em tudo.  Como podemos ver esse episódio abraça o fantástico, além dos fantasmas contidos nos outros.

O quarto episódio é dirigido por Jhesus Tribuzi. Estamos em 1871, não por acaso o ano em que se instaurou a Lei do Ventre Livre, onde os filhos de escravos nasceriam livres. Aqui temos um escravo que perdeu a mulher e seu filho no parto. Afetado pelas perdas e cansado dos maus tratos o escravo foge da fazenda dos Vieiras, levando a tiracolo o cadáver de seu filho natimorto. Sendo caçado pelos capatazes.

Chegamos ao último segmento, que num ciclo acaba sendo dirigido novamente por Ramon Porto Mota, que nos entrega a história de um grupo de quilombolas que atacam a fazenda dos Vieiras.

Concebido para ser uma minissérie de TV, O Nó do Diabo sofre de dois problemas: a clássica irregularidade quando se trata de antologias, e o tempo de duas horas de duração, que acaba cansando o espectador e se diluindo aos poucos. O último episódio, por exemplo, não consegue continuar com o mesmo impacto do segundo e terceiro episódios, os melhores.

Os destaques vão para fotografia, a sonoplastia e para o elenco que mescla caras novas com atores veteranos como Zezé Motta e Fernando Teixeira, arrepiante como o Sr. Vieira.

Brutal e tenso, ainda que irregular, O Nó do Diabo, apesar de seus deslizes, é um filme relevante, com uma proposta corajosa e que usa dos artifícios do cinema fantástico para discutir a questão do negro na sociedade brasileira de ontem e de hoje. Só por isso já vale e muito ser conferido.

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