Quando Chega a Escuridão (1987)

4
(10)

Quando Chega a Escuridão
Original:Near Dark
Ano:1987•País:EUA
Direção:Kathryn Bigelow
Roteiro:Kathryn Bigelow, Eric Red
Produção:Steven-Charles Jaffe
Elenco:Adrian Pasdar, Jenny Wright, Lance Henriksen, Bill Paxton, Jenette Goldstein, Tim Thomerson, Joshua John Miller, Troy Evans

No mesmo ano em que Michael (Jason Patric), Sam (Corey Haim) e a mãe Lucy (Dianne Wiest) chegaram a Santa Carla, na Califórnia, o jovem Caleb Colton (Adrian Pasdar) iria se encantar com a forasteira Mae (Jenny Wright). Ela apresentaria a noite, em sons que somente as criaturas que habitam a escuridão poderiam ouvir, até morder seu pescoço e fazê-lo se tornar parte de uma gangue de vampiros. A similaridade entre os enredos é mais uma daquelas coincidências promovidas pelo gênero fantástico: Os Garotos Perdidos (The Lost Boys) e Quando Chega a Escuridão (Near Dark) foram lançados em 1987, mas tiveram aceitações diferentes, embora ambos sejam cultuados como belíssimos exemplares do vampirismo, com a esquiva do gótico.

Enquanto o primeiro teve a direção de Joel Schumacher e foi um grande sucesso de bilheteria, o seu co-irmão, comandado pela quase estreante Kathryn Bigelow – que depois ganharia o Oscar em um confronto direto com o ex-marido James Cameron (não será a única vez em que você lerá o nome dele por aqui) por Guerra ao Terror, em 2010 -, alcançou uma bilheteria baixa, sem superar o orçamento de apenas U$5 milhões, embora tenha boas críticas e se fortalecido como filme cult. Parece que o espectador aceitou muito melhor a gangue urbana, que tinha entre seus membros o poderoso David (Kiefer Sutherland), a gibiteca dos irmãos Frog e a trilha sonora incrível com músicas marcantes como People Are Strange, versão Echo and the Bunnymen, do que o faroeste vampírico, com o insano Severen (Bill Paxton) e a frieza de Jesse Hooker (Lance Henriksen). Talvez uma análise mais acentuada pode justificar essa preferência.

O longa de Bigelow começa exatamente com o processo de transformação de Caleb. Mordida próximo do amanhecer, ele é capturado pela gangue a poucos metros da fazenda de seu pai, Loy (Tim Thomerson), e sob a testemunha da irmã Sarah (Marcie Leeds). O caubói, então, conhece a família maldita: liderada por Jesse e sua esposa Diamondback (Jenette Goldstein), ainda tem o cachorro-louco Severen e o jovem Homer (Joshua John Miller, que, curiosamente, é meio-irmão de Jason Patric, que estrelou Os Garotos Perdidos). Eles atravessam o deserto a bordo de um RV, cometendo pequenos crimes e se alimentando de caronistas e frequentadores de bares isolados.

Caleb até tenta voltar para a família, mas sofre pelas dores da transformação inicial e pela necessidade de sangue. Assim que morde o braço de Mae, ele finalmente descobre sua nova natureza que envolve uma vida noturna e a capacidade de regenerar o tecido através do líquido vital. No entanto, como Michael, o rapaz não se sente à vontade para matar e sofre pela cobrança dos demais. Em uma das cenas mais emblemáticas da produção, o grupo chega a um bar para causar terror, atacando os frequentadores enquanto incendeia o ambiente. Caleb tem a chance de vampirizar uma vítima, e novamente não se sente seguro para isso. Poderia ter selado o seu destino se não fosse uma ação ousada durante um cerco policial.

O pai de Caleb segue a trilha do filho, pede ajuda à polícia e sai pela estrada ao seu encontro, algo que, quando acontecer, vai exigir a decisão do rapaz, sobre qual família irá se manter. Como a própria diretora explica nos bastidores da produção no box da Versátil Home Vídeo, é um filme que fala sobre a importância da família, seja ela de sangue ou não. E, claro, existem metáforas sobre relacionamentos proibidos, a influência das drogas e hábitos muitas vezes cultuados e repreendidos pelos mais jovens. E, dentro dessas temáticas, há uma história de vampiros, mas que não menciona o termo e nem segue a cartilha do gênero – aliás, a única relação existente é a questão da luz do sol como um inimigo morta das criaturas.

Ainda que empolgue pelos confrontos que remetem ao faroeste, o que atrapalha no roteiro da própria Bigelow e Eric Red (de A Morte pede Carona, Lua Negra e Refém do Espírito) falha exatamente nessa questão do sol. O tempo entre o anoitecer e o amanhecer acontece de maneira súbita, com os vampiros sempre agindo com a proximidade do sol – não é estupidez, mas pela necessidade desse elemento servir ao enredo. Por exemplo, na cena em que Caleb dá carona a Mae no começo, ela chega a dizer que “não tem pressa“. Alguns minutos depois, param o carro, refletem sobre a noite, tentar montar a cavalo, até ela perceber que já está quase amanhecendo. Em outro momento, como no último ato, os raios solares despontam muito rápido, servindo aos propósitos do protagonista.

Contudo, pode-se elogiar a maquiagem – incluindo o rosto semi-queimado de Severen, que ilustra a capa – e a fotografia de Adam Greenberg, que trabalhou em O Exterminador do Futuro (1984), dirigido por James Cameron. Ele não só “emprestou” o diretor de fotografia como três atores que estiveram em seu filme seguinte, Aliens, o Resgate (1986). Lance Henriksen, Bill Paxton e Jenette Goldstein haviam participado da continuação do clássico de Ridley Scott, e foram convidados a entrar no elenco de Quando Chega a Escuridão. No vídeo dos bastidores eles contam como isso aconteceu: Paxton recebeu o roteiro e telefonou na madrugada para Henriksen, que não queria fazer de jeito nenhum de um filme B de vampiros, mas aceitou saber mais. Logo, estavam jantando, com Goldstein, decidindo qual papel iriam assumir. Felizmente Henriksen não se sentiu à vontade para fazer o pai de Caleb, pois teria muita semelhança com o personagem que faria no ano seguinte em Pumpkinhead – A Vingança do Diabo.

Dois anos depois dessas ajudas de Cameron, que até fez uma pontinha no filme, ele e a diretora teriam um casamento rápido, que durou apenas três anos – e viria aquele confronto já mencionado no Oscar. Ambos seguiriam em suas carreiras, sendo que Quando Chega a Escuridão passaria a ser o único filme de terror de Kathryn, com mais especialização em thrillers. Ela comanda bem o filme, principalmente em cenas complicadas como a do caminhão que atropela Severen, e no tiroteio no chalé, contando com o apoio do bom elenco, principalmente do saudoso Bill Paxton, que rouba a cena como um vampiro sem freios.

Inferior a Os Garotos Perdidos, mas com uma boa história de sugadores de sangue sem presas e clichês, Quando Chega a Escuridão acertadamente adquiriu a força de um cult que merece ser conferido e apreciado. Foi lançado no box Vampiros no Cinema, da Versátil, ao lado de Nosferatu (1922), Cronos (1993) e A Noite dos Demônios (1972), com a boa qualidade que essas produções merecem.

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 4 / 5. Número de votos: 10

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Avatar photo

Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Quando Chega a Escuridão (1987)

  • 07/06/2020 em 00:48
    Permalink

    Aew cara ai sim esperei muito por essa resenha desse filme, desde a época em que via lost Boys na sessão da tarde que eu sabia que esse filme existia e até hoje não procurei assistir e vi tb que vc fez a resenha de um filme que sou fan número 1 ali hehe, vou lá ver agora <3 <3 <3

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *