N. (2019)

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N.
Original:N.
Ano:2019•País:EUA
Páginas:128• Autor:Stephen King, Marc Guggenheim e Alex Maleev•Editora: Darkside Books

A mente humana pode ser um portal que protege o consciente de suas insanidades. Uma vez que essa passagem se torna frágil, há grandes chances de desenvolvimento de doenças psicológicas como o T.O.C (transtorno obsessivo-compulsivo), a esquizofrenia e o distúrbio da identidade dissociativa, entre outras. Com essa brilhante teoria patológica com viés sobrenatural, Stephen King desenvolveu o melhor conto da antologia Ao Cair da Noite, com assumida influência de The Great God Pan, de Arthur Machen. Escrito de maneira documental, a obra traça uma maldição envolvendo a passagem por um lugar maldito, o tal Ackerman’s Field, que condena os visitantes a se tornar responsáveis por impedir que demônios, criaturas monstruosas, invadam a nossa realidade. Um enredo aterrorizante!

É claro que a qualidade absoluta de sua narrativa iria incentivar adaptações. Além de uma HQ animada para a CBS Mobile (vide abaixo) com produção da Simon e Schuster Digital e a Marvel Entertainment, foi realizada uma versão graphic novel pela própria Marvel em 2010, e que teve seu lançamento ano passado pela Darkside Books, contendo uma variação bem interessante da proposta por Stephen King. Manteve a estrutura, a atmosfera apocalíptica e soube ressaltar algumas das principais descrições originais, contando com a arte incrível de Alex Maleev (Homem-Aranha, Demolidor), e o roteiro de Marc Guggenhein (Wolverine, Homem-Aranha). O resultado só poderia ser extraordinário e assustador.

Diferente do texto original, as ações começam em 1911, no dia 26 de julho, data em que uma mulher, sofrendo abusos, foge de uma casa, pouco depois dela explodir, mas é atingida por um tiro. O assassino se suicida logo em seguida. As ruínas da casa formam 7 estruturas. Em 2008, Sheila está escrevendo uma carta para o amigo de infância Charlie, referente ao suicídio do irmão, o psiquiatra Johnny. Ela desconfia das razões que o levaram a se jogar de uma certa altura, e comenta que o médico deixou uma caixa com escritos sobre as análise de um curioso paciente, denominado apenas como N.. Contudo, com o material, há, em letras chamativas, um pedido: QUEIMAR!Tal como Pandora, a curiosidade me venceu e eu abri. Preferia não ter aberto.“.

A partir de então, o conto expõe a transcrição completa das consultas realizadas pelo Dr. John Bonsaint, na tentativa de ajudar o tal N. a se livrar de seu TOC e da necessidade de manter o universo em equilíbrio. A graphic novel facilita a compreensão do leitor com as imagens, sem os detalhes que fazem parte da escrita de uma avaliação médica. N. conta que em agosto de 2007 ele desenvolveu a doença a partir da visita que fez às terras de Ackerman, quando percebeu que o mundo, às vezes, perde seu eixo e ele sabe como equilibrá-lo novamente através da busca por números pares. Conta as pistas das cruzadinhas do jornal, números dos toques de telefone e até quantos pares de sapatos de uma determinada cor encontra em um percurso.

Assim, o fotógrafo por hobbie começa a descrever ao médico o dia em que atravessou Chester´s Mill, em Motton, e passou por uma estradinha de terra até encontrar sete pedras, como um Stonerange, e que trazia rostos de criaturas grafados nelas. Ao fotografar, notou que, através da lente, apareciam 8 e não sete. Aquilo o deixou tão absolutamente transtornado que precisou tocar as pedras para garantir a quantidade. Sentia que o oito “era um bom número” e o toque permitiu que se comprovasse a quantia, como se elas tivessem “se ajeitado“. O martírio do paciente é contado em detalhes ao doutor, que acredita que os relatos podem se tornar um livro ou um interessante artigo médico.

Atormentado por pesadelos assustadores, em desenhos que cobrem a página para mostrar uma literal visão do inferno na Terra, o destino de N. será selado pelas constantes visitas à região e pela responsabilidade de conter um Mal absoluto. Contudo, sua tragédia não irá se limitar a um terror pessoal, e a maldição das pedras de Ackerman irá afetar o médico, como já evidencia no prólogo, e as pessoas que souberem dessa verdade apavorante. Guggenhein vai além da obra de King para assombrar outras pessoas, incluindo o próprio leitor, envolvido com as cenas expostas na arte de Maleev.

Intrigante e passível de prendê-lo em uma única leitura, N. traz uma das melhores narrativas de King, e a graphic novel apenas materializa esse terror genuíno. Uma obra indispensável para os fãs do autor, dos traços da Marvel, e daqueles que almejam inspirações para futuros pesadelos. Talvez não seja recomendado para quem sofre do transtorno, pois pode terminar a obra, contando os quadrinhos e palavras do texto para que a ordem se estabeleça.

À propósito, esta resenha tem 777 palavras. Um péssimo número.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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