Boomika
Original:Boomika
Ano:2021•País:Índia Direção:R. Rathindran Prasad Roteiro:R. Rathindran Prasad Produção:M. Ashok Narayanan, Kaarthekeyen Santhanam, Kalyan Subramanian Elenco:Avantika, Aishwarya Rajesh, Pavel Navageethan e Vidhu |
Estranhos eventos sobrenaturais aterrorizam um grupo que deseja reformar uma antiga escola abandonada. O jovem casal Samyuktha e Gautham pretende passar algum tempo na propriedade e desenvolver um projeto para transformá-la em um grande complexo residencial, lucrando muito com o empreendimento. Junto a eles estão, além do filho pequeno, uma famosa arquiteta chamada Gayatri, a irmã de Gauthan, Aditi e Dharma, um ajudante geral. Já na primeira noite, todos acabam aprisionados na envelhecida construção e são obrigados a desvendar um antigo mistério que envolve o local – só assim poderão, quem sabe, sobreviver.
Dirigido por R. Rathindran Prasad, o indiano Boomika – não confundir com Bhoomika, outro longa produzido na Índia e lançado em 1991 – teve seus direitos de exibição internacional adquiridos pela gigante Netflix em 2021 e foi disponibilizado para a audiência brasileira em agosto deste mesmo ano. O roteiro, também escrito por Prasad, tem o seu suposto mérito por (pelo menos tentar) subverter os clichês do tão explorado subgênero casas assombradas. A partir de uma situação simples e lugar-comum – como a reunião de alguns amigos isolados em uma mansão supostamente habitada por espíritos – a trama evolui para um inusitado e ambicioso manifesto pró-ambiental.
(o próximo parágrafo apresenta alguns SPOILERS)
No enredo, os personagens são assombrados por mensagens e outros incidentes paranormais provocados pelo fantasma de uma garota especial de 15 anos que vivia e morreu naquela mesma propriedade. A garota em questão era a filha do bibliotecário e chamava-se Boomika (nome que, no idioma tâmil, faz referência a palavra Terra). Apesar das condições mentais e comportamentais diferenciadas (um tipo de autismo severo), ela demonstrava um talento artístico incomum, pintando compulsivamente desenhos coloridos que retratavam a natureza como um organismo unificado e vivo. Esta relação intensa e incompreendida com as plantas e os animais acaba levando Boomika à morte. Entretanto, pouco tempo depois, seu espírito retorna como uma manifestação furiosa da natureza, protegendo-a da degradação causada pelo homem. O roteiro utiliza-se do discurso científico e ecológico, apresentando diretamente nos diálogos dos personagens teorias como o aquecimento global, a Extinção PT (Permiano-Triássico, extinção em massa ocorrida há 252 milhões de anos determinando a morte de 95% das espécies marinhas e 70% das terrestres) e especialmente a Hipótese de Gaia (proposta em que a biosfera e os componentes físicos da Terra estão intimamente integrados quase como se fossem um “único ser”). Em resumo, é bem-vindo que o enredo brinque com as expectativas do gênero e que aborde uma discussão tão relevante, ainda que insista em alguns momentos nos flashbacks extremamente didáticos e explicativos.
Obviamente, cabe ao espectador superar algumas poucas barreiras culturais – por exemplo, segundo o filme, na Índia, para alguém se acalmar quando está assustado esta pessoa deve beber água…quente! – antes que alguém diga, não, não é chá. Apenas água quente. (Observação do autor: pesquisando na internet, teoricamente beber água quente faz bem para saúde). Porém, no caso desta obra em particular, este estranhamento cultural é mínimo. Não temos a presença daqueles clipes musicais multicoloridos característicos das produções locais (independente do gênero), mas vemos um longo e curioso flashback que é um mini-filme dentro do filme, contrapondo temporariamente o suspense e o terror com uma trama que narra o passado dramático e trágico de Boomika na escola.
Contudo, o desempenho pouco natural do elenco principal (formado por Avantika, Aishwarya Rajesh, Pavel Navageethan e Vidhu) deve incomodar (com razão) os mais exigentes. Falta vida e emoção aos personagens e esta artificialidade com que o horror é vivenciado (associada aos ambientes claros e ângulos de filmagem quase sempre muito abertos) impede que o suspense seja efetivamente desenvolvido, mesmo que a trilha sonora seja forçada ao extremo para provocar alguma tensão.
No que se refere aos parâmetros que estamos acostumados associar ao gênero terror, a produção indiana é muito “limpa”, o gore é inexistente e quase não há sangue, mesmo nas cenas mais violentas. Neste sentido, não há também qualquer cena de maior impacto visual ou mesmo emocional. Os efeitos não comprometem, apesar de alguns cães selvagens em CGI pouco convincentes, mas que posteriormente entendemos como um simulacro projetado pelo espectro de Boomika.
A duração de mais de duas horas também deve afastar parte da audiência. Mas no geral, Boomika não chega a ser enfadonho, principalmente após ultrapassar a primeira hora, quando a trama se torna mais interessante.
Enfim, ainda que Boomika tenha uma série de falhas e não seja a porta de entrada ideal para quem quer conhecer melhor o cinema de terror indiano (para esta função, indico 13B: O Medo Tem um Novo Endereço, de 2009 ou mesmo Stree, de 2018 – este último disponível também na Netflix), o longa-metragem tem seus méritos, entre eles dar vida a uma pequena e surpreendente fábula de horror ecológica.