Carrie (2022)

4.5
(13)
Carrie
Original:Carrie
Ano:2022•País:EUA
Autor:Stephen King•Editora: Suma

Experiências pessoais são ótimas inspirações para criar histórias, seja algo que você de fato viveu ou apenas viu (ou simplesmente ouviu falar), como um mero espectador. Não é preciso ser algo espetacular ou chocante, se prestar atenção suficiente, qualquer acontecimento cotidiano pode se tornar grandioso com um pouco de imaginação, basta saber como contar. Transformar algo rotineiro em algo fantástico, isso é algo que Stephen King sabe fazer muito bem.

Seu primeiro livro publicado, Carrie, quase não existiu. Descartado no lixo do escritório após algumas poucas páginas escritas, a história foi baseada em duas ex-colegas de King da época do colégio, Sandy e Tina – vítimas de bullying e exclusão social, infelizmente tão comum com qualquer pessoa que seja diferente na adolescência –, como se fosse um jeito do autor pedir desculpas por não ter impedido as zoações na escola. Graças a Tabitha King, que resgatou as páginas abandonadas e insistiu para o marido prosseguir, temos hoje um clássico que já foi recontado diversas vezes. Agora em capa dura com relevo, nova tradução e conteúdo extra, Carrie é a mais nova adição da editora Suma à coleção Biblioteca Stephen King.

Possivelmente todos os fãs de horror – e até mesmo quem não acompanha o gênero, tamanha sua popularidade – já conhecem exaustivamente a estranha, excluída e poderosa Carrie White. Mas, se por algum motivo nunca ouviu falar, não sabe do que se trata ou até mesmo só sabe que é uma garota com poderes que foi humilhada no baile da escola, vamos falar um pouco sobre ela.

Todo colégio tem uma pessoa que é diferente de algum modo. Seja por causa do jeito quieto, aparência física, modo como se veste, crenças…enfim, a pessoa que é considerada A Estranha, que é excluída, que é zoada por cada coisa que faz, e até mesmo se não faz nada e tenta passar despercebida. Na escola Ewen, na cidade de Chamberlain, Maine, essa pessoa é Carietta White. Filha da religiosa fervorosa Margaret White, que mantém a filha na ignorância sobre as coisas mais básicas, que a tranca num pequeno quarto sem comida ou água por horas para rezar caso ela dê um passo que não aprova, Carrie é desprezada, oprimida e apavorada pela própria mãe e seu fanatismo delirante desde criança. Não é surpresa alguma que, quando a primeira menstruação de Carrie desce, ela não faça a menor ideia do que seja aquilo e entra em pânico, achando que vai morrer. Infelizmente isso acontece no chuveiro do vestiário feminino, e todos os olhares, dedos, gritos e falas maldosas estão voltadas para ela em uma cena traumatizante Absorventes são atirados, risos histéricos são ouvidos e palavras cruéis e selvagens atingem a adolescente. Até mesmo os professores, que deveriam estar lá para ajudar, parecem ter nojo dela e de sua ignorância.

Esse foi apenas o começo que desencadeou uma série de desgraças que só terminariam no famoso baile da escola. Enquanto uma das meninas do vestiário, Sue, tenta compensar a maldade que fez, outra das meninas, Chris, quer humilhar Carrie de um jeito inesquecível na frente de todos. Ninguém imaginava que a tola garota religiosa tinha fortes poderes telecinéticos, e logo mais todos que fizeram de sua vida um verdadeiro inferno na Terra iriam pagar. E ela aproveitaria cada segundo, até o fim.

A obra, apesar de publicada em 1974, aborda temas muito atuais de forma competente:  o fanatismo religioso doentio, o ambiente escolar tóxico, a falta de empatia. Não é difícil para alguém que sofreu bullying na escola se identificar com Carrie, o modo como é tratada e como se sente. As humilhações perversas e agressivas que sofre são descritas em detalhes, para sentirmos a mesma dor de Carrie e, quem sabe, trazer uma reflexão sobre o mal que podemos causar tanto com palavras quanto com atos – os quais muitas vezes julgamos como “brincadeiras” ou inocentes – e o impacto que isso tem nas pessoas. Quando enfim explode, as ações da adolescente após aguentar tanto sofrimento, tanto em casa quanto no colégio, são tidas como horrendas e bárbaras, mas na verdade são simplesmente o reflexo de anos de dor, medo e opressão desmedidos. Ninguém estendeu a mão para ela, aceitou suas diferenças, teve uma atitude gentil ou compreensiva, então por que ela deveria ter? Por que ela deveria poupar todas aquelas pessoas que nunca a pouparam, nunca ajudaram, nunca fizeram nada além de apontar e rir?

E são nesses pequenos questionamentos que mora o brilhantismo de King, que faz dessa história um clássico moderno. As reflexões atemporais, as condições humanas expostas, a polêmica que gera discussões, Carrie nos proporciona tudo isso.

Como dito anteriormente, as humilhações são detalhadas, bem como a destruição. Stephen King escreve de tal modo que é possível visualizar enquanto as linhas são lidas o sangue que banhou Carrie, o fogo que se espalhou pela cidade, as explosões, a vingança.

Em alguns momentos há a presença de informes jornalísticos, recortes sobre telecinese ou depoimentos sobre a noite do baile no meio do texto, o que quebra um pouco a fluidez da história em alguns momentos, enquanto em outros proporciona maior imersão, como se estivéssemos assistindo a um documentário. É interessante ver o ponto de vista de pessoas diferentes sobre o mesmo acontecimento.

É uma leitura rápida, porém intensa e impactante. O horror aqui não mora nos poderes de Carrie, no massacre do baile ou na destruição da cidade, essas coisas são apenas consequência de algo muito pior: a crueldade inescrupulosa das atitudes humanas, mais assustadoras do que qualquer dom sobrenatural.

Obrigada, Tabitha King, por resgatar Carrie. A garota estranha e excluída da escola enfim teve sua voz ouvida, sendo agora tão popular que virou um ícone pop.

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Louise Minski

Um experimento de Schrödinger entediado.

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