3.7
(12)

Devorar
Original:Swallow
Ano:2019•País:EUA, França
Direção:Carlo Mirabella-Davis
Roteiro:Carlo Mirabella-Davis
Produção:Eric Tavitian, Frédéric Fiore, Haley Bennett, Joe Wright, Mollye Asher, Mynette Louie, Sam Bisbee
Elenco:Haley Bennett, Austin Stowell, Denis O'Hare, Elizabeth Marvel, David Rasche, Luna Lauren Velez, Zabryna Guevara, Laith Nakli, Babak Tafti, Nicole Kang, Olivia Perez, Kristi Kirk, Alyssa Bresnahan, Maya Days, Elise Santora, Myra Lucretia Taylor, Kathleen Butler

Iniciarei este texto dizendo que o título nacional Devorar é um belo exemplo de como estragar metáforas. Swallow, palavra em inglês que traduzida para a língua portuguesa significa Engolir, simboliza de forma muito mais clara e precisa os dissabores vividos pela protagonista. Sejam eles no sentido literal ou alegórico.

Na trama, Hunter e seu esposo Richie são um exemplo de família tradicional (brasileira): ele, charmoso e muito bem-sucedido; ela, uma jovem totalmente dedicada ao lar no início de uma gestação. Os sogros dão todo o suporte que eles precisam, incluindo a luxuosa casa de vidro em que eles vivem. Tudo seria lindo e perfeito aos olhos de quem vê se ela não desenvolvesse uma curiosa compulsão: engolir os mais variados objetos que ameaçam verdadeiramente a sua vida e a de seu filho.

A verdade nua e crua da existência de Hunter é que ela é o retrato da mulher invalidada que não é dona do próprio corpo e sua rotina aparentemente perfeita esconde elementos indigestos que muitas mulheres já tiveram que engolir pelo menos uma vez na vida: um companheiro distante que a vê apenas como um bibelô; familiares altamente controladores e sufocantes; a voz constantemente invalidada e necessidades que não interessam a ninguém; o julgamento constante a alguém que perde totalmente seus próprios desejos para viver somente com a função de gestar e criar bebês.

Esta é uma obra angustiante e tão bem construída, que é capaz de causar desconforto sem mostrar cenas grotescas ou aterrorizantes. O curioso é que esta é uma película que pode muito bem ser classificada como algo entre o gore e o body horror mesmo sem violência gráfica e sem ser concebida como um filme de terror. As cenas da compulsão da protagonista provocam repulsa conforme observamos seu sofrimento de machucar a si mesma, contrastando com seu prazer de se desafiar a engolir lentamente objetos afiados e cada vez mais perigosos.

Todo o elenco se comunica muito bem com o público e até podemos relevar o roteiro que perde um pouco o ritmo no fim do segundo e terceiro ato, impondo estereotipados ares de vilania aos pais de Richie. Certamente, um grande destaque do longa é Haley Bennett, que finalmente pôde mostrar todo seu potencial como atriz em uma performance digna de Oscar. Sua protagonista não é estúpida ou caricata, é uma pessoa doente em negação, que em sua submissão quase claustrofóbica desperta empatia como muitas protagonistas grávidas de filmes de horror, nos lembrando muito da personagem de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary.

O diretor Carlo Mirabella-Davis acerta muito na composição do seu thriller psicológico, e as diretoras de arte, Erin Magill, e de fotografia, Katelin Arizmendi, executam uma excelente construção de suspense sensorial como os vistos em Suspiria ou no mais recente Demônio de Neon. A intensa utilização dos reflexos potencializa a melancolia e solidão de uma vida onde tudo é milimetricamente perfeito e está encaixado devidamente em seu lugar: começando pela casa. A atmosfera sexy para os desejos de Hunter e o modo como são desenvolvidas suas transições evidenciam um cuidado com a beleza estética tão bem executado, que até o foco nos variados objetos ensanguentados não consegue corromper os planos frios e elegantes, que estranhamente combinam muito bem com uma narrativa para quem tem estômago forte.

Mesmo com falhas de roteiro e com seu final que levanta ares de história de superação, Devorar garante seus méritos pelas boas interpretações e pela ótima composição estética e sonora, sendo uma obra que merece ser conferida por quem gosta de tramas angustiantes. E ainda tem o bônus de aguçar importantes reflexões acerca de saúde mental, meritocracia, feminismo e maternidade compulsória, temas que mesmo que muitos prefiram evitar, sempre são muito importantes refletir. Sobretudo em dias atuais.

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