A Casa que Jack Construiu (2018)

4.4
(13)

A Casa que Jack Construiu
Original:The House That Jack Build
Ano:2018•País:Dinamarca, Suécia, França, Alemanha
Direção:Lars von Trier
Roteiro:Lars von Trier
Produção:Louise Vesth, Jonas Bagger, Piv Bernth, Peter Aalbæk Jensen, Marianne Slot
Elenco:Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman, Siobhan Fallon Hogan, Riley Keough

Eis aqui mais um produto controverso da rica e, hoje, consideravelmente extensa filmografia do cineasta dinamarquês Lars von Trier. Esse “consideravelmente extensa” tem em vista não só a quantidade de filmes que o realizador produziu, mas os profundos níveis de experiência que cada obra sua nos proporciona. Impossível não sair abalado de qualquer filme de Lars. Ver dois filmes seus em sequência, então, é algo que beira o sadismo.

A Casa que Jack Construiu, seu trabalho mais recente até o momento, mergulha fundo numa das figuras mais emblemáticas do lado obscuro do imaginário popular moderno: o serial killer. O filme narra a história de Jack, um “engenheiro” com uma sorte poderosa e um projeto de construir uma casa, que seria sua obra máxima. Entre idas e vindas sem conseguir alcançar seu intento, ele se perde no vício em matar, algo que toma 12 anos de sua vida, até que sua sorte finalmente o abandona.

A narrativa começa nesse ponto final de sua carreira, com Jack, literalmente, encontrando a morte. A morte aqui se materializa sob a figura do poeta romano Virgílio, que age como uma espécie de Caronte (o barqueiro que guia a alma dos recém-mortos até o Hades na mitologia grega) enquanto guia Jack pelos labirintos do seu mundo inferior particular, e este narra sua saga. Essa saga é contada em capítulos, onde Jack detalha aquilo que chama de “incidentes” (assassinatos) mais marcantes de sua jornada, e que, ao longo do tempo, transformaram seu gosto por poder em vício, ou ainda, elevaram seus crimes ao status de “arte”, conforme sua perspectiva.

Lars von Trier, que também assina o roteiro do longa, faz de Jack um assassino assustador. Todas as características de sua psicopatia são enumeradas, detalhadas e desenvolvidas ao longo da trama, permitindo perceber a “evolução” de Jack como um serial killer. Após o primeiro “incidente”, ocorrido de forma totalmente impulsiva, Jack passa ao nível de assassino “organizado”, planejado, onde dá vazão ao seu TOC por organização e limpeza, algo que, na melhor das hipóteses, o mantém longe de suspeitas. Sua sorte surreal encoraja e fortalece outras de suas características psicopatas, como a misoginia, o egoísmo, o narcisismo e a alta inteligência, tornando-o, ao longo da experiência, imprudente, desorganizado, provocador.

Tudo isso é perceptível pois o roteiro nos conduz com maestria pela mente de Jack. A história é narrada em flashbacks, e o acesso que temos às memórias de Jack não vem de forma linear, mas mesclando a narrativa de seus crimes com imagens de sua infância (que já nos dão indícios de sua personalidade perturbada), e referências clássicas da arte mundial às quais seus impulsos são relacionados (afinal, Jack é um “assassino intelectualmente refinado” e entende que a arte e a morte mantêm relação intrínseca) – um bom artifício que nos induz a imaginar como Jack se sente. Ou como ele não sente. E essa é a parte perturbadora.

Lars von Trier, apesar de ser conhecido por seu cinema psicologicamente cru, não é um adepto da direção de terror. Ele não usa de muitos artifícios para criar cenas de tensão, tampouco de grandes efeitos visuais para passar aquilo que deseja. E mesmo assim, o horror está presente em muitos momentos de A Casa que Jack Construiu.

A cada cena que passa, e à medida que “desconstruímos” a personalidade de Jack, mais assustador ele se torna. O ator Matt Dillon, em seu melhor papel (e olha que ele esteve em O Selvagem da Motocicleta (1983) e em Drugstore Cowboy (1989)), consegue distribuir quilos de tensão em cena ao assumir diversas personas nas interações com suas prováveis vítimas. Saber que a coisa não vai terminar bem, então, torna boa parte das 2h30 de filme em algo pesado e muito desconfortável de acompanhar.

Tudo em A Casa que Jack Construiu foi elaborado de forma minuciosa. A cenografia reforça as analogias entre os caminhos que Jack escolhe e as perturbações de mente a todo momento. A escolha da personalidade de suas vítimas, homens e mulheres (apesar de ele só lembrar das mulheres), também reforça o desprezo que tem por tudo o que não é como ele, um homem branco “altamente inteligente”, com o poder de Deus na capacidade de decidir sobre a vida e a morte de qualquer pessoa. Sua vontade se volta exclusivamente para seus projetos e idealizações pessoais; sua última réstia de amor é dedicada ao seu Paraíso perdido da infância.

Apesar do tom didático e até bem-humorado, A Casa que Jack Construiu é um filme difícil. Como numa epopeia regada a sangue, vísceras e corpos mutilados, Lars von Trier nos conduz pelos labirintos da mente de um serial killer para nos mostrar que, conforme as próprias palavras do diretor, “a vida pode ser má e sem alma”.

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Média da classificação 4.4 / 5. Número de votos: 13

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Pedro Emmanuel

Cearense, jornalista, quase geógrafo (ainda cursando), meio praieiro e ligeiramente antissocial. Minha viagem é aprender o máximo possível sobre a vida e sobre a morte, e assim ir assimilando alguns mistérios da existência. Vivo como se fosse um detetive, mas minha mente vagueia muito. Sou fã de Star Trek, Jefferson Airplane, e do Massacre da Serra Elétrica original.

10 thoughts on “A Casa que Jack Construiu (2018)

  • 09/03/2023 em 12:25
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    Esse diretor é um doente mental que deveria estar internado.

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  • 28/05/2022 em 18:04
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    Quando vi o filme li uma crítica que tecia um paralelo entre a obra de Jack e a do próprio Von Trier. Chega a ser um pouco sórdido (e o filme nos coloca nesse lugar), mas realmente Jack acredita que está fazendo arte e que nunca será compreendido, um pouco como o próprio Von Trier.

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    • 08/06/2022 em 13:42
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      Santo o Lars não é rssss e juro que pensei muitas vezes enquanto via o filme, que só um psicopata pra conseguir entrar tão bem na cabeça de outro.

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  • 19/05/2022 em 04:36
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    Filme bem realista e impactante 😉✌️
    Um dos melhores do Von trier

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  • 14/05/2022 em 21:34
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    O filme é bem transparente nessa discussão. em uma das cenas, um policial barra dois caras (o mais visível dos dois caras é negro), por estarem caminhando proximo a uma propriedade privada a noite. enquanto o policial aborda os rapazes, que provavelmente não estão fazendo nada, o jack vai até a viatura do policial (que está a poucos metros com os dois rapazes) e prende o seio de uma mulher que ele acabou de arrancar com uma faca no parabrisa, e sai tranquilamente. Na mesma cena, o Jack começa a discorrer sobre o porque de ele, apesar de ja ter matado homens, preferir matar mulheres. Dá uma conferida, é muito interessante esse filme.

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  • 14/05/2022 em 19:12
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    “homem branco”
    “misógino”

    Porra, não força a barra. O personagem é um psicopata, não tem absolutamente nada com a questão de ser homem branco.

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    • 16/05/2022 em 07:45
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      Perfil da maioria absoluta dos Seriais Killers da vida real: homem e branco.

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    • 17/05/2022 em 13:04
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      Concordo com seu comentário. Acho que o autor do texto forçou a barra mais uma vez

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        18/05/2022 em 10:41
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        Como o João disse no comentário logo acima do seu, Fernando: o perfil da esmagadora maioria dos serial killers é de homens brancos. Seu negacionismo não vai mudar os fatos que estão sendo espelhados no filme.

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    • 23/05/2022 em 11:11
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      Apesar de ser um FATO de que a mídia atual resolveu taxar o homem branco de “grande vilão” da humanidade (isso é escancarado em quase todo filme ou jogo atual). Eu devo ser obrigado á concordar com o pessoal aqui dos comentários de que realmente a grande maioria dos serial killers são homens brancos.

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