Basketful of Heads
Original:Basketful of Heads Ano:2020•País:EUA Páginas:180• Autor:Joe Hill, Leomacs•Editora: DC Black Label |
Basketful of Heads, título que inaugura o sub-selo Hill House Comics da DC Black Label, poderia ser traduzido grosseiramente como “Cesto de Cabeças”, que, de cara, não só o título quanto as capas ou artes promocionais entregam o punchline do argumento: em setembro de 1983, uma jovem mulher chamada June Branch encontra-se em uma situação desesperadora quando seu namorado e recém contratado da polícia local, Liam, fora sequestrado por um grupo de presidiários fugitivos que parecem estar determinados a não deixar testemunhas para trás. Acuada e desesperada, ela conta apenas com um machado estranho que parece possuir um estranho poder associado. June precisa sobreviver e ainda ajudar Liam em toda essa situação infernal.
A versão utilizada para avaliação é a coletânea dos sete números publicados entre Outubro de 2019 e Maio de 2020, capa cartonada com 180 páginas e lançada em Setembro de 2020.
Joe Hill já se estabeleceu como autor reconhecido, conseguindo equilibrar a sombra que sempre acompanha filhos que podem “sofrer” pelo ofuscamento dos talentos de seus pais – caso alguém não saiba, Joe é filho de ninguém menos que Stephen King, a referência moderna no campo de literatura. Nascido como Joseph Hillström King em 1972, adotou o nome artístico de Joe Hill por volta de 1997, justamente para ser reconhecido por seus méritos e não por associação de seu nome.
Para uma rápida referência da carreira de Hill, podemos citar os dois grandes sucessos escrito pelo mesmo como conjuntos de histórias: Fantasmas do Século XX – Contos (20th Century Ghosts) e A Estrada da Noite (Heart-Shaped Box), publicadas no Brasil ambas pela Arqueiro, trazendo o primeiro e um dos maiores sucessos do autor, respectivamente, no cenário internacional, inclusive com o direito de figurar na lista de best seller em oitavo lugar.
Mas aquilo que realmente nos apetece é sua experiência como roteirista de quadrinhos, e essa veio com Locke & Key (2008-2013, IDW Publishing), ilustrada por Gabriel Rodriguez, a qual rendeu-lhes uma indicação ao Eisner, e que basicamente fala sobre existências extra-planares e as portas para atravessá-las, existindo em uma mansão (Keyhouse) com uso específico de algumas chaves especiais. Uma série produzida pela Netflix baseada no quadrinho foi lançada na plataforma.
Uma excelente estreia nos quadrinhos, que ainda inclui Kodiak (2010) , The Cape (2007-2018), Thumbprint (2013), Warith: Welcome to Christmasland, Shadow Show: Stories in Celebration of Ray Bradbury: “By the Silver Water of Lake Champlain” (2014), Tales From The Darkside (2016), também ilustrada por Gabriel Rodriguez, e finalmente Basketful of Heads.
Basketful of Heads, apesar de ter sido publicada em sete edições, funciona bem em uma leitura de consumo único (a famosa “em uma só sentada”), no máximo dividida em três grandes blocos (escola tradicional?).
O primeiro bloco funciona como introdução do caso de June e Liam em um cenário típico de cidadezinha do interior dos Estados Unidos, em um final de verão de 1983 (Setembro) em Brody Island, Maine – de onde claramente os elementos remanescentes ainda dos anos 70 já mostram um forte ingrediente do prato que Hill vai utilizar, como detalhes para o set e paisagem da história nas páginas seguintes. Diga-se de passagem, Leomacs também capturou esses detalhes com o distinto Fusca-viatura do policial-com-óculos-rayban se aproximando da garota com shorts de abas desfiadas sentada na ponte com aquelas cores de verão ainda espalhando-se em tons pastéis, que inclusive se estenderam pelas páginas seguintes.
É uma introdução clássica de arquétipos que apresentam a normalidade com alusões daquele distinto flerte com a psicopatia dos bons e velhos slashers americanos. Aquele misto de sensualidade com realidade intoxicada do azedume da rotineira vida de uma assalariado. É quase como se estivéssemos lendo a descrição de um personagem do próprio King descrevendo sua vida no Maine com tiradas ácidas sobre a realidade. Certamente Hill, ao escolher o Maine como cenário, não conseguiria fugir desse clima que seu pai escreveu (e descreveu) tantas vezes ao longo da carreira.
Outros personagens, como o chefe de polícia Wade Clausen no papel eterno de policial-paterno, figura de autoridade dando ordens ao novato (Liam) e sendo enfezado para figura do político local, naquele balanço de micro poder e da dinâmica de pequenas cidades, são apresentados na sequência, enquanto há uma batida policial para deter um grupo de fugitivos de um penitenciária ali próxima. E como parte da dinâmica de camaradagem, Liam é convidado para um jantar irrecusável na casa Wade e sua esposa, e obviamente June está elencada para acompanhar o namorado. Este é o arco de apresentação até a chegada à casa de Wade, e daí tem início um vórtice insano logo após a invasão da casa, pelo que parece, pelos fugitivos ainda cedo avistados e sendo capturados pelo chefe Wade.
Apesar da estrutura ser convidativa a um punhado de clichês no quesito pessoal, o quê se vê são personagens críveis e com pequenas características sutis que lhes garante uma ou outra profundidade psicológica e algum detalhe que faz do tempero da estória ainda mais instigante, ao ponto que você acompanha sem notar a passagem das páginas. Você respira junto dos momentos que June também o faz.
O desenvolvimento da narrativa é uma constante mudança de caça e ratos, com doses cavalares de violência, com a devida licença poética para as proporções de forças algumas vezes – um pouco irrealistas, em que os elementos sobrenaturais servem, após impacto inicial, como adereços narrativos. Alguns elementos novelísticos do drama dão um pitada de romance policial, mas nada denso como C. Doyle e Agatha Christie, e nem com aspecto de novela mexicana – tudo muito comedido dentro do ritmo.
Quanto à arte de Joe Leomacs, como já citei ali acima, acertou em cheio o meio termo que evoca por vezes a nostalgia das EC Comics e horror comics de um era de ouro com Pablo Marcos, Enrique Badía, Claremont, e por outras vezes lembra um cartoon com expressões exageradas, sardas no rosto e olhos como pequenas esferas negras. É auxiliada pelas cores do Dave Stewart, de tons brandos e pastéis, ou cores chapadas sob os traços em uma simplificação direta demarcando os tempos da narrativa.
O letrista da obra foi Deron Bennett, que fez um belíssimo trabalho de junção entre as letras e a arte em muitos quadros, o que me faz pensar um pouco no trabalho de letristas que se encarregaram de ajustar – ou refazer – nas versões traduzidas (a versão que li foi a original em inglês).
Outro aspecto da obra digno de nota são as incríveis capas que intercalam os números, dignas de emoldurar e fazer parte da galeria da parede de qualquer fã do gênero de horror americano, principalmente os mais próximos dos slashers ou anos 70.
Para finalizar, a obra é de fácil consumo, que proporcionará um mini-festival gore intercalado por uma trama policial com uma jovem sobrevivente ao bom e velho estilo Scream Queen. Joe Hill é um cronista de mérito próprio, mas que traz a mesma boa sensação dos escritos do pai, e Leomacs brindou muito bem em casar o traço com o sentimento nostálgico, sem tirar o pé do autoral moderno.