Livros de Sangue: Volume 4 (2022)

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Livros de Sangue: Volume 4
Original:Books of Blood – Volume 4
Ano:2022•País:EUA
Autor:Clive Barker •Editora: DarkSide Books

Após uma longa, sangrenta e horripilante estrada, chegamos ao volume 4 de Livros de Sangue. Publicado pela Darkside Books em parceria com a Macabra TV, a coletânea conta com seis livros escritos pela mente brilhantemente perversa de Clive Barker.

Neste volume, com introdução escrita pela historiadora e pesquisadora especialista em horror Gabriela M. Larocca, temos cinco contos brutais que voltam às raízes vistas no primeiro volume: de carne e sangue somos feitos, e à carne e ao sangue retornaremos.

A Política do Corpo, o conto mais criativo e divertido desse volume, nos dá um vislumbre de como seria se algum membro do seu corpo se rebelasse. Sim, é isso mesmo que você leu. Imagine suas mãos fazendo um complô para se separarem de seu corpo, te chamando de carrasco e opressor, tramando enquanto você dorme para se libertar e começar uma revolução. Pode parecer engraçado – e, de fato, é – mas, nas mãos de Barker, a graça logo se torna algo sinistro. Com ares de A Mão Assassina e Evil Dead, onde também temos mãos com vontades próprias, a história é cheia de um humor sádico, e talvez até desbloqueie um medo desconhecido no leitor. Aos poucos, em minúsculos eventos que vão tomando proporções cada vez maiores, não ser capaz de controlar as próprias ações acaba sendo algo assustador. Ainda mais se suas mãos são pequenos gênios do mal que querem causar uma violenta carnificina (spoiler: e vão conseguir). Fique atento ao menor tremor involuntário de seus membros. Pode ser que eles estejam cansados de viverem grudados.

Em A Condição Inumana, logo na primeira página nos deparamos com uma pessoa sendo intimidada por um grupo, aparentemente sem motivo. As provocações logo viram agressões e Pope, o sem-teto indefeso, nada podia fazer além de tentar defender seus poucos pertences daqueles valentões. Karney, que preferiu se abster da violência e apenas observar, torcia para que isso acabasse logo e seus amigos deixassem o pobre homem em paz. Enquanto aguarda, um pedaço de barbante cheio de nós acaba por chamar sua atenção no meio das coisas de Pope e, intrigado, acaba levando-o para casa. Fissurado por desafios, logo ficou mergulhado na tarefa de desatar aqueles difíceis nós. Não tardou para descobrir que era melhor não ter feito isso. Seus amigos começaram a morrer um a um, e Karney percebe que os nós e as mortes causadas por criaturas estranhas estão relacionados. O absurdo começa a tomar forma aos poucos nesse conto, que parece que vai seguir por uma direção, e acaba em outra completamente inesperada. Um belo e repulsivo lembrete de que somos nada mais que carne e sangue.

O próximo conto, Revelações, conta a história de Virgínia e de seu marido religioso, John. O casal está a caminho de Pampa para que John possa pregar suas fortes palavras para os fiéis, assim como acabara de fazer em diversos outros lugares. A forte chuva acaba por atrasar seus planos, forçando-os a parar em um motel e prosseguir viagem apenas na manhã seguinte. Logo o mundo de Virgínia se entrelaça com o de Sadie, uma mulher que também tem seus atritos com o marido. A única diferença é que eles estão mortos. A construção, feita de modo inteligente por Barker, mostra claras semelhanças entre as histórias das duas mulheres, até que chega um momento que as duas parecem virar apenas uma. Apesar de não possuir elementos tão macabros como de costume, a narrativa é tão bem construída e envolvente que esse fato mal faz diferença. O final é esperado, porém, bem satisfatório.

O menor conto do livro, Abaixo, Satã! é um dos melhores do quarto volume. Gregorius, um homem incalculavelmente rico, tem tudo e mais um pouco: cidades, palácios, quadros, carros, enfim, tudo. Entretanto, não era feliz, e atribuiu isso ao fato de não ter uma coisa: Deus. Decidido, usou sua fortuna para conversar com o Sumo Pontífice no Vaticano, fundou seminários e associações, rezou todos os dias e, mesmo assim, de nada isso adiantou. Ele ainda não tinha Deus. Abandonado, desalentado e desesperado, teve uma ideia: invocar Satã, o maior inimigo do Todo-Poderoso. Ora, se conseguisse tal feito, Deus haveria de notá-lo, afinal. Para isso, precisaria criar um Inferno na Terra para atrair a personificação suprema do mal. Torturas, mutilações e horrores indizíveis aconteciam do Inferno de Gregorius, como se fossem os nove círculos do Inferno de Dante. Se ele obteve sucesso em sua empreitada ou se apenas ficou louco, isso é algo que apenas o leitor poderá julgar. Assim como em Revelações, novamente o autor utiliza a religião como ponto de partida para dar vida à sua insana criatividade deturpada. Direto ao ponto e impactante, faz críticas às loucuras que as pessoas se submetem em nome da fé e a soberba dos humanos de acreditar que podem ter o que querem, quando querem. Corpos queimando e se contorcendo em agonia apenas para atrair a atenção de Deus? Bem-vindo ao mundo de Clive Barker.

Finalizando com A Era do Desejo, um grupo de cientistas tenta criar um afrodisíaco poderoso e infalível. Eles têm sucesso na experiência, porém, os efeitos colaterais são inesperados. Junto de um desejo incontrolável, vem uma violenta força sobre-humana para tentar saciar essa vontade. Violento é pouco para descrever esse conto. A habilidade de Barker em descrever cenas gráficas nos mínimos detalhes é muito presente, escrevendo sobre corpos sendo dilacerados, uma luxúria imparável queimando por dentro fazendo com que tudo e qualquer coisa vire um alvo, a vontade de possuir a pessoa a ponto de rasgar sua carne e consumir seu coração com uma perversidade violenta. Se gore é o que estava faltando, é gore que teremos em A Era do Desejo para fechar com chave de ouro (e sangue por todos os lados) o volume 4 de Livros de Sangue.

Mais uma vez, Clive Barker mostra o motivo de ser tão cultuado no horror. Suas histórias únicas e capacidade de chocar se sobressaem neste volume com narrativas cruéis e pulsantes, dando vida às inquietações que permeiam nossa mente, que observamos e guardamos, que estão ocultas dentro de nós.

Citando a frase de Gabriela Larocca no início do livro: Liberte-se e atravesse a fronteira. Do horror, do medo, da humanidade.

Leia também:

Livros de Sangue: Volume 1 (2020)
Livros de Sangue: Volume 2 (2021)
Livros de Sangue: Volume 3 (2022)

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Louise Minski

Um experimento de Schrödinger entediado.

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