Tumbbad (2018)

4.7
(13)

Tumbbad
Original:Tumbbad
Ano:2018•País:Índia, Suécia
Direção:Rahi Anil Barve, Anand Gandhi, Adesh Prasad
Roteiro:Rahi Anil Barve, Anand Gandhi, Adesh Prasad
Produção:Sohum Shah, Aanand L. Rai, Anand Gandhi, Mukesh Sha, Amita Shah.
Elenco:Sohum Shah, Jyoti Malshe, Anita Date-Kelkar, Ronjini Chakraborty, Deepak Damle.

O mundo tem o suficiente para a necessidade de todos,
mas não para a ganância de todos.
Mahatma Gandhi

A Deusa indiana da Prosperidade é o símbolo do ouro e da fartura ilimitada. E o planeta Terra é o seu ventre. No momento em que o universo foi criado, ela deu à luz 160 milhões de deuses diferentes. Mas ela amava o seu filho primogênito acima de todos os outros. Este filho era chamado Hastar, um nome que foi esquecido e não será encontrado nas escrituras antigas ou na entrada de templos religiosos. Hastar era desmedidamente ganancioso e planejava roubar toda a riqueza de sua mãe, mas foi impedido por outros deuses, que retalharam o irmão em uma batalha mortal. Quando estava prestes a morrer, por misericórdia, sua mãe o salvou, mas com a condição de que ele jamais fosse adorado. Por muito e muito tempo, Hastar esteve adormecido no seio materno, até que alguns homens igualmente gananciosos o invocaram, trazendo a ira da Deusa para o pequeno vilarejo de Tumbbad.

Esta é uma pequena introdução à trama de horror mítica de Tumbbad, produção indiana lançada em 2018. O roteiro, escrito por Mitesh Shah, Adesh Prasad e Rahi Anil Barve, foi baseado em uma ideia de Narayan Dharap, um prolífico escritor local, frequentemente comparado a Stephen King, não só pela quantidade de livros publicados, mas também por concentrar quase toda a sua obra no gênero que costumamos classificar como literatura fantástica de horror. Um rascunho do enredo teria sido escrito por Rahi Anil Barve ainda na década de 90 e posteriormente, em 2010, finalizado em um storyboard de mais de 700 páginas. Uma primeira tentativa de rodar Tumbbad aconteceu em 2012, mas o resultado não agradou Barve, que acumulava a função de produtor. Ele reescreveu diversas partes do roteiro e refez as filmagens, concluídas então em 2015.

A estreia oficial de Tumbbad aconteceu três anos depois no Festival Internacional de Cinema de Veneza, dando início a uma turnê ao redor do mundo que passaria por festivais como o Sitges (Espanha), Scream Fest (EUA) e Morbido Film (México). A recepção da crítica e do público foi quase sempre favorável, elogiando principalmente a originalidade do roteiro e a primorosa direção de arte.

Embora não seja algo tão incomum para o cinema indiano, é interessante que, assim como o roteiro, a direção também tenha sido realizada por um grupo de cineastas: a Adesh Prasad e Rahi Anil Barve, que já assinavam o enredo, soma-se Anand Gandhi, diretor que traz no currículo o premiado drama O Navio de Teseu (2012).

No elenco, Sohum Shah (da série policial Dahaad, 2023) interpreta com extrema habilidade Vinayak Rao, um homem que enriquece roubando moedas de ouro guardadas nos porões de um antigo casarão abandonado. Ele aprendeu a ludibriar o verdadeiro dono do tesouro: o cruel e irracional Hastar, uma criatura monstruosa que ataca com brutalidade aqueles que ousam invadir seu território. Com o passar dos anos, Vinayak é obrigado a ensinar a seu filho Pandurang (Mohammad Samad) todas as estratégias que usa contra o deus esquecido, já que o adolescente deverá substituí-lo nos roubos regulares à fortuna infinita escondida em Tumbbad. Como parte do treinamento, uma última incursão aos porões (que vamos descobrir ser literalmente o ventre da Deusa da Prosperidade, enterrada embaixo da construção) levará pai e filho a um embate sangrento do qual a morte pode ser o menor dos castigos.

É curiosa a construção psicológica do protagonista Vinayak Rao. Ele não é nem de longe um herói no conceito mais tradicional, aliás, não há heróis altruístas em Tumbbad, todos os personagens são movidos por sentimentos como cobiça ou arrogância. A única virtude de Vinayak talvez seja a coragem. E mesmo com a boa atuação de Sohum Shah e uma redenção de seu personagem ao final, é bem difícil estabelecer qualquer simpatia ou empatia por Vinayak.

Outra ponderação ao já comentado roteiro é que, apesar de bem escrito (principalmente quando consideramos a trama que desenrola como um quebra-cabeças no qual, ao final, todas as lacunas são preenchidas), ele desperdiça uma boa oportunidade não explorando ou explorando muito superficialmente o contexto histórico ao qual está inserido: a Índia ainda sob o domínio do Império Britânico. Os conflitos sócio-políticos causados pela presença inglesa na região poderiam agregar um peso histórico e mais dramático ao enredo.

Apesar do orçamento moderado – o longa custou em torno de 50 milhões de rúpias (pouco mais de meio milhão de dólares) -, Tumbbad busca (e alcança) aquela grandiosidade das produções indianas: ou seja, quase tudo é épico, desde a trama que se desdobra em períodos diferentes, da infância ao amadurecimento do protagonista (e sua continuidade, com o filho), a fotografia nebulosa e impressionante, a edição apurada, as câmeras lentas e, é claro, a presença da música incidental intensa e canções que misturam sons tradicionais e ritmos modernos. Nos cinemas, Tumbbad foi lucrativo, rendendo pelo menos 3 vezes os custos da produção. Contudo, parece pouco, considerando a relevância do filme. Algumas análises dos realizadores e da crítica indicam que o longa poderia ter arrecadado muito mais, caso a campanha de marketing tivesse sido mais eficiente e agressiva.

É importante tranquilizar o leitor não habituado ao cinema de Bollywood (para conhecimento, a maior indústria cinematográfica do mundo, localizada em Mumbai), que Tumbbad não causa nenhum estranhamento que vá atrapalhar sua experiência como espectador. Pelo contrário, somente considerando os pontos positivos já citados, podemos afirmar que o longa funciona como uma apresentação honesta de um cinema cujas marcas estão há muito estabelecidas, entre elas a inserção de elementos culturais e a apurada qualidade técnica. Já para o leitor que deseja ir além de Tumbbad (que está em cartaz no Prime Video), outras excelentes opções de horror produzidas na Índia estão disponíveis nas plataformas de streaming no Brasil. Somente no catálogo da Netflix, temos: Quatro Histórias de Fantasmas (2020), Boomika (2021), Bulbbul (2020), Jogo na Escuridão (2019), Stree (2018), Viagem para a Escuridão (2021) e O Casamento e a Bruxa (2021).

Em relação aos efeitos, a mistura entre os trabalhos práticos de maquiagem e as criaturas modeladas em computador funciona na maioria das vezes. O design do deus e suas réplicas remete levemente ao personagem esfolado de Frank em Hellraiser – Renascido do Inferno (1987), com o corpo composto apenas de carne, sem a camada de pele. A única exceção em relação aos efeitos é a animação em CGI extremamente artificial que ilustra a narrativa em off nos primeiros minutos do filme.

Enfim, Tumbbad é uma produção única (pelo menos por enquanto, já que recentemente, o ator e produtor Sohum Shah confirmou em entrevista que estaria trabalhando numa sequência), que utiliza elementos do folclore indiano para construir uma saga épica sobre arrogância e cobiça. Sombrio e visualmente cativante, o longa-metragem não deixa nada a dever para as produções hollywoodianas e deve agradar aos fãs do gênero horror, além de garantir uma viagem intrigante a terras mais afastadas do conhecido e quase sempre previsível cinema americano.

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João Pires Neto

João Pires Neto é apaixonado por livros, filmes e música, formado em Letras, especialista em Literatura pela PUC-SP, colaborador do site Boca do Inferno desde 2005, possui diversos contos e artigos publicados em livros e revistas especializadas no gênero fantástico. Dedica seu pouco tempo livre para continuar os estudos na área de literatura, artes e filosofia

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