Vozes do Joelma: Os Gritos que Não Foram Ouvidos (2019)

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Vozes do Joelma: Os Gritos que Não Foram Ouvidos
Original:Vozes do Joelma: Os Gritos que Não Foram Ouvidos
Ano:2019•País:Brasil
Autor:Marcos DeBrito, Marcus Barcelos, Rodrigo de Oliveira, Victor Bonini•Editora: Faro Editorial

O dia 1 de fevereiro de 1974 ficou marcado para sempre na história da cidade de São Paulo com uma tragédia sem precedentes. Às 8h45 de uma sexta-feira, um curto circuito no ar condicionado deu início a um terrível incêndio no edifício Joelma, localizado no centro da cidade. Rapidamente as chamas se espalharam, sendo impossível fugir pelas escadas devido ao fogo e fumaça, os móveis e carpetes foram consumidos pelo fogo, em pouco tempo os elevadores também pararam de funcionar. Em desespero, pessoas se atiraram pelas janelas do prédio na esperança de conseguirem se salvar, outros fugiram para o 25º andar ou se esconderam em banheiros, se escoraram em parapeitos. Na rua, bombeiros, policiais e ambulâncias se esforçavam para tentar salvar as vítimas, porém, o helicóptero não conseguia pousar no terraço, as escadas não chegavam aos andares mais altos. Foram mais de 300 feridos e 187 mortos, sendo até hoje a segunda pior tragédia ocorrida em um edifício por número de vítimas fatais, atrás apenas do colapso das Torres Gêmeas do World Trade Center, em 2001.

Na época, a imprensa documentou e exibiu o ocorrido na televisão, as imagens eram fortes e assustadoras. Entretanto, antes desse horror, um crime aconteceu no terreno onde foi erguido o Joelma, em 1948. O local ficou com fama de amaldiçoado, e dizem que os fantasmas das vítimas ainda rondam por ali.

Com um acontecimento tão terrível e sombrio sendo lembrado até os dias de hoje, fazendo parte do roteiro de lugares assombrados da cidade de São Paulo, a história do Joelma é rodeada de lendas. Pensando nisso, quatro autores nacionais se juntaram para expor alguns dos mistérios que rodeiam a região, contando histórias reais que, por si só, já são macabras, e dando voz aos boatos malditos que foram passados de geração em geração em Vozes do Joelma.

Em ordem cronológica, vamos conhecer os horripilantes acontecimentos que envolvem o terreno do Joelma, com apresentação de Tiago Toy.

Marcos DeBrito abre a obra com Os Mortos Não Perdoam. Aqui, conhecemos Pablo, assistente do laboratório de química da USP. O rapaz mora com sua mãe, Berta, e suas irmãs Amélia e Maria Fernanda, e a convivência da família está longe de ser pacífica. Cansado das constantes cobranças e injúrias não apenas contra sua pessoa, como também contra sua noiva, Isaura, Pablo começa a delinear um diabólico plano para se livrar de uma vez por todas daquelas que tanto o incomodam para, enfim, ficar em paz.

Essa é uma história real que poucos conhecem e que ficou conhecida como O Crime do Poço. Os cadáveres da família de Pablo foram encontrados no quintal de sua casa já em estado de putrefação e, logo após, o rapaz se suicidou dando um tiro na própria cabeça. Marcos DeBrito escreve de uma forma que prende a atenção desde a primeira linha. Sabemos que ocorreu um crime, mas não o motivo, e o autor nos apresenta aos poucos a visão de Pablo, seu rancor crescendo, seu ódio ganhando força, a ideia de matar tomando forma, o plano sendo concretizado. É arrepiante a forma como as coisas evoluem até chegar no momento do crime. E esse não é nem o ápice. Dando um toque sobrenatural, o horror apenas começou assim que as vidas foram precocemente ceifadas. É o tipo de história que não dá para largar antes de chegar ao final.

Em Nos Deixem Queimar, escrito por Rodrigo de Oliveira, temos a tragédia do Joelma retratada, mas não como foi visto na televisão ou jornais. Temos a visão de quem está lá dentro. Desde o início do dia, com fofocas cotidianas começando a tomar o escritório enquanto alguém tentava fugir antes que sua vida fosse destruída. Mal sabia ele que sua tentativa de fuga seria literalmente seu fim.

Em um terreno já amaldiçoado, o ódio profundo tem o poder de trazer até mesmo os mortos de volta em busca de vingança, que causaria a maior tragédia já vista até então na cidade de São Paulo.

Rodrigo de Oliveira conta sua versão horripilante de como o curto circuito no ar condicionado pode ter ocorrido, usando da maldição que ronda a região para dar um toque assustadoramente sobrenatural a uma história já pavorosa. Os elementos adicionados em nada estragam a narrativa, pelo contrário, são um ótimo adicional que pode deixar até os leitores mais céticos arrepiados – isso se o fato real já não o tiver feito.

Se a história anterior causou arrepios, essa vai te fazer pensar duas vezes antes de passar em um cemitério. Os Treze, de Marcus Barcelos, é dividido em três partes e sai um pouco do maldito terreno do Joelma e nos apresenta Amilton, um faz-tudo dedicado que, ao perder sua mãe, se vê sem chão. Sem dinheiro para poder enterrá-la, tenta conseguir emprego no cemitério e, após uma série de acontecimentos infortúnios, enfim consegue o emprego e um lugar para enterrar sua mãe.

Na segunda parte, com Amilton já estabelecido há tempos no cemitério, acontece algo que vai mudar a vida de todos. Algumas vítimas do incêndio do Joelma seriam levadas para lá. Treze vítimas, que ficaram presas no elevador e foram carbonizadas, ficariam a cargo do cemitério municipal. Era impossível reconhecer não apenas seus rostos, mas também seus corpos, que derreteram, se fundiram e formaram uma enorme massa escura e disforme. Foram separados da melhor maneira possível e enterrados lado a lado, sem identificação.

Na terceira parte, após os corpos serem enterrados, lamúrias podiam ser ouvidas à noite no cemitério. Choros, gritos de agonia, e também aparições. Sombras eram avistadas, porém, Marcus Barcelos deixa claro mais uma vez que o verdadeiro perigo são os vivos. Com um final impressionante, essa história arrancará as mais diversas sensações, do horror incrédulo a um sorrisinho de satisfação.

A última e mais longa história é O Homem na Escada, de Victor Bonini. Diversos personagens são apresentados, mas tudo gira em torno de dona Solange. Mãe preocupada com sua filha que engravidou de um homem sem escrúpulos, começa a ouvir vozes e passos na escada escura de seu prédio. Assustada, ao fugir dali, descobre que seus problemas foram resolvidos: alguém matou o detestável homem. Entretanto, isso ocorreu em seu apartamento e, sem pistas de quem o matou e com medo, acaba se livrando do corpo do jeito que pode, jogando-o no poço do elevador. Entre diversos acontecimentos estranhos que orbitam ao redor da senhora, a voz que ouviu na escada passa a ficar mais frequente, e Solange passa a dar atenção às palavras da figura misteriosa. Quando se dá conta de quem é, já é tarde demais e suas ações já são irreversíveis. Novamente, tudo acaba em chamas.

Essa última história tem um ritmo mais lento do que as demais. Após Solange se livrar do corpo, as coisas demoram um pouco a acontecer, o que faz a leitura dar uma desacelerada em relação às demais histórias. Apesar disso, é muito bem construída, sendo a personagem principal bem trabalhada em vários aspectos. O prédio faz diversas alusões ao Joelma (como por exemplo o poço do elevador desativado), porém, nota-se semelhanças com o incêndio ocorrido em 2018 em um prédio no Largo do Paissandu. Talvez o autor tenha entrelaçado dois acontecimentos em um para criar essa história, mas vale lembrar que tudo ocorreu na região do Anhangabaú, palavra que em tupi-guarani significa “rios dos malefícios do diabo”. Portanto, fechando o livro, temos uma tragédia mais recente, que se relaciona com as demais por meio da região amaldiçoada que seria o Anhangabaú.

Em uma bela edição, Vozes do Joelma é uma obra que conta a realidade de terríveis eventos junto a horrores sobrenaturais, conversando diretamente com diversas gerações. Os mais velhos, que acompanharam em tempo real o incêndio de proporções desastrosas nos anos 70, e os que ainda não eram nascidos e apenas ouviram falar desse evento catastrófico por meio de notícias antigas ou histórias fantasmagóricas. Vale comentar que não é um livro jornalístico com fatos e depoimentos, e sim um livro de ficção que tem como base acontecimentos reais.

As lendas e boatos que surgiram ao longo dos anos acerca das estranhas tragédias ocorridas por ali ganharam força e vida pelos gritos dos que se foram e imaginação dos que ficaram. Apesar de todos os elementos fantásticos adicionados com maestria pelos autores, cada um com seu estilo e a seu modo, o verdadeiro horror mora na realidade. Não é à toa que a frase “baseado em eventos reais” sempre causa algum impacto.

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Louise Minski

Um experimento de Schrödinger entediado.

2 thoughts on “Vozes do Joelma: Os Gritos que Não Foram Ouvidos (2019)

  • 22/09/2023 em 16:20
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    Onde você escreveu “Na segunda parte, com Amilton já estabelecido a tempos no cemitério…” você queria escrever “Na segunda parte, com Amilton já estabelecido há tempos no cemitério…”, correto?

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