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Entrevista com o Vampiro
Original:Interview with the Vampire
Ano:2022•País:EUA
Direção:Levan Akin, Keith Powell, Alan Taylor, Alexis Ostrander
Roteiro:Rolin Jones, Jonathan Ceniceroz, Bryce Caleb Johnson, Mark Richard Lopez, Antoinette Nwandu, Angela Kang, Chadwick Boseman, Anne Rice, V. E. Schwab, Scott Thomas, Melissa Rosenberg
Produção:Jessica Held, Adam O'Byrne
Elenco:Jacob Anderson, Sam Reid, Eric Bogosian, Bailey Bass, Assad Zaman, Delainey Hayles, Bally Gill, Ben Daniels, Suzanne Andrade, Esme Appleton

Quando Anne Rice lançou seu romance Entrevista Com o Vampiro, em 1976, ela não apenas iniciou um universo que teria ainda 12 sequências e uma mitologia inteira, como simplesmente foi capaz de estabelecer um padrão pós-Stoker para cada história de vampiro que se seguiu. O livro foi um verdadeiro divisor de águas na cultura pop vampiresca, com 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo e seus direitos para adaptação negociados antes mesmo do lançamento. Adaptação essa que foi um receio da própria autora, a ponto dela mesma acabar se tornando a roteirista do clássico filme de Neil Jordan, de 1994, que colocou Brad Pitt e Tom Cruise em uma das duplas cinematográficas mais icônicas dos anos 90, fazendo um trabalho admirável ao capturar o lado mais gótico da história.

Ainda assim, o filme de Entrevista com o Vampiro é um produto de sua época, que contorna timidamente a premissa central da história, uma história de amor tóxica que se estende por séculos entre dois vampiros. A adaptação cinematográfica de 1994 foi por anos acusada de enfraquecer seu subtexto homoerótico, com uma adaptação que em muitos momentos foi incoerente, ainda que bastante funcional. No Saturday Night Live, o âncora do Weekend Update e às vezes crítico de filmes, Norm MacDonald, falou aquela que seria a crítica máxima de Entrevista Com o Vampiro de 1994: “Não é gay o suficiente”.

E depois de ser colocado de escanteio por quase três décadas (vamos fingir que A Rainha dos Condenados não rolou por enquanto), o universo criado por Anne Rice toma o que parece ser sua adaptação definitiva, num dos produtos mais ousados e bem elaborados dos últimos anos para a TV, o pontapé inicial muito bem dado para algo ainda maior, trazendo para o então pouco conhecido streaming AMC+ os holofotes do horror ao adaptar de forma nada fiel Entrevista Com o Vampiro.

Sob o comando de Rollin Jones como showrunner, e com Anne Rice na produção, que infelizmente faleceu durante o processo, a primeira temporada da série estreou em 2022, com a essência do livro toda ali, mas mudanças drásticas que quando ainda anunciadas durante a produção, causaram um verdadeiro alvoroço entre os fãs da série.

Uma segunda entrevista

O cenário de início da série é um impacto pela diferença por si só. De cara, acompanhamos a trajetória do repórter Daniel Molloy (Eric Bogosian) nos dias atuais e já idoso, chegando a Dubai para realizar uma entrevista pouco convencional. Depois de seu primeiro encontro com o vampiro Louis de Pointe du Lac (Jacob Anderson), ele senta-se para uma até então inesperada segunda entrevista, 40 anos depois, registrando de uma forma muito diferente a história centenária da criatura, em particular o violento e tóxico caso de amor com seu criador, o vampiro Lestat (Sam Reid).

E definitivamente, o crédito de mudanças começa aí. As conversas que tomam uma elevação de estresse entre o jornalista e Louis são aqui tão envolventes quanto as cenas da transformação de Louis de mortal para monstro. Uma adaptação vigorosamente infiel do livro, onde Daniel era apenas um figurante de luxo. Aqui ele é tranquilamente um quarto ator principal. Sendo um homem de idade avançada que sofre dos estágios iniciais do Parkinson, Daniel pode até estar longe da juventude, mas está ainda mais longe da inexperiência e do fascínio do primeiro impacto com o vampiro do romance e do filme (representado por Christian Slater). Propositalmente, Daniel agora é um homem rancoroso, amargo, com uma mente afiada, mas que vai com o objetivo de capturar de vez a história de Louis para a posteridade, tocando nas feridas da narrativa do vampiro e de sua própria raiva pelo primeiro encontro que terminou mal para ambos.

Sangue, erotismo e dominação

Abraçando totalmente o romance queer em sua essência e, além disso, atualizando toda a história para um público moderno, caímos então na jornada de amor de Louis e Lestat despreparados para toda a absurda intensidade onde seremos soterrados. Sai o Louis do romance do século XVIII branco e senhor de escravos do sul dos Estados Unidos e somos agora apresentados a um Louis do início do século XIX, um negro de Nova Orleans que tenta, naquilo onde pode, ser bem sucedido, sustentar sua família de forma luxuosa basicamente por meio da cafetinagem. Mais do que negro num país que detesta a cor da sua pele, Louis é também um gay enrustido, reprimindo seu desejo enquanto precisar lidar com tantos conflitos ao mesmo tempo por meramente existir.

É com a introdução do magnético Lestat, entretanto, que Louis ganha vida total (contém ironia). A química impressionante entre os dois arde em cada cena. É uma paixão absurda, sedutora, com uma intensidade sexual que beira o devorar. É lindo o momento épico que finaliza o primeiro episódio com Lestat realizando um banho de sangue numa igreja, destruindo-a e virando-se para Louis para de forma hipnotizante (não estou falando dos poderes) falar olhando em seus olhos: “Seja meu companheiro”.

Lestat, um francês em terras americanas mais culto e instruído que toda a alta sociedade local, irrita-se cada vez mais facilmente com a condição social de Louis e como a maneira que aquele país o trata, enquanto ele tenta a todo custo encontrar seu lugar ali. Ainda assim, ele se apaixona fervorosamente e é este amor (junto com uma pequena dose de salvadorismo branco) que faz com que ele transforme Louis em um vampiro. Ele acredita que isso fortalecerá seu companheiro. Mas é curioso que mesmo tão culto e bem vivido, vai levar um tempo para Lestat entender o que Louis entende desde que nasceu: nem mesmo a dádiva da imortalidade é capaz de superar o ódio pela raça, pelo diferente do padrão vigente das relações de poder. E esta realidade poderosa que começa a criar uma ruptura entre Louis e Lestat, que mergulhado em sua luxúria e vontade de aproveitar os prazeres da vida (contém ironia) noturna, achava que a transformação faria com que Louis se livrasse de vez das amarras do racismo e homofobia de sua sociedade. No fim, sempre se agarrando ao que resta de sua humanidade de forma dolorosa, Louis trocou suas prisões. Ele saiu do armário, mas direto para um caixão.

É por causa de tudo isso, que a relação rapidamente (em tempo vampírico, claro) se deteriora e se torna tóxica, abusiva e controladora, onde, curiosamente, ao mesmo tempo em que eles entram em conflitos cada vez mais violentos, Lestat e Louis ainda se queiram mais e mais.

A relação é gore também, como o cruel momento do cantor de ópera, ou o agoniante encontro de Louis com seu sobrinho, junto a um enredo que, principalmente em sua primeira metade, tem momentos novelescos, como toda a relação com a família e o relacionamento de amantes eternos à sombra, uma dinâmica que acaba mudando drasticamente com a chegada de uma nova personagem chave, o elemento que geralmente salva casamentos em crise, uma filha, Cláudia.

Um furacão chamado Cláudia

A introdução no meio da temporada de Claudia (Bailey Bass), como uma garota de 14 anos que Louis e Lestat matam, ressuscitam e adotam como filha, após trágicos acontecimentos, transforma o show em uma comédia de humor macabro num primeiro momento.

Obviamente, Claudia talvez tenha sido uma polêmica maior que a própria mudança de Louis, principalmente por no livro ser uma criança de apenas 6 anos, enquanto foi estonteantemente representada por uma jovem Kirsten Dunst no filme de 94 que realmente serviu talento e cenas memoráveis. Mas a mudança precisa ser admirada. A proposta é outra. Sai a loucura de se transformar uma criança em vampiro e entra uma loucura maior ainda relacionada a uma adolescente e toda a explosão descontrolada física e psicologicamente que agora está marcada em sua existência para sempre.

Por meio de seus diários preservados, Claudia assume temporariamente o comando da narração em off para Daniel, revelando ser um insaciável bebê vampiro, se posicionando ao lado de Lestat como uma verdadeira vilã de filme de terror em um começo de imortalidade pesado, como quando atrai um policial para a morte vestido com uma blusa de marinheiro e fitas no cabelo.

Claudia pode ser uma pessoa irritante e deprimida, conquistando uma antipatia forte entre os espectadores, e a confusão que ela experimenta entre seus apetites sexuais e sua sede de sangue leva a consequências previsivelmente desastrosas, como a cena onde ela perde a virgindade com seu primeiro interesse amoroso. Mas é justamente ela quem, observando os seus pais sob um terceiro olhar implacável, finalmente alerta Louis para a toxicidade fora de controle que se tornou o seu “casamento”.

É quando a violência que Claudia e Louis sofrem nas mãos de Lestat sai do controle, com direito a uma tortura física sem igual, que o amor precisa ser engolido a seco e um plano dos dois é colocado em prática para se salvarem de seu criador, gerando um final apoteótico para esta primeira temporada.

Aliás, os viciantes momentos finais, que também prepararam o cenário para a segunda temporada da série, são capazes de serem profundamente chocantes tanto para os fãs de longa data, quanto para os recém-chegados, com direito a um plot twist sem igual junto a um irritante e controverso coadjuvante, daqueles de explodir a mente.

Ao fim, mesmo para os fãs mais ortodoxos do universo de Anne Rice, as mudanças drásticas feitas para esta adaptação televisiva podem até serem chamadas de heréticas, mas jamais de incompetentes. Com um dos grupos de atores mais competentes em tela dos últimos tempos, mesmo onde a narrativa fraqueja, somos compensados em um talento e química sem igual. Entrevista com o Vampiro tem como resultado final um deslumbre emocional, e que faz com que nenhum de nós queira ser vampiro, porque, encaremos os fatos, é drama demais para dar conta.

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10 Comentários

  1. Quando eu ouço ou leio besteira (coisa que o site tem feito muito ultimamente) eu não consigo me conter e critico mesmo, aliás se tu parasse de vir também com ódio pra cima de mim verias que eu também faço elogios em outras críticas do site, só que obviamente você só fica de olho no meu “discurso de ódio” e só manda respostas para mim quando eu critico algum filme em que eu critico alguma das centenas de pautas sociais que tu defende, já quando eu elogio algo tu não diz nada.

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      Críticas e elogios são bem-vindos. O que vc traz em vários comentários é ódio, homofobia, racismo. Seus elogios e as críticas decentes se perdem no meio do preconceito que eu tenho que ficar apagando (coisa que vc chama de censura). É essa minha relação com seus comentários, ficar de olho pra limpar o que vc escreve que não cabe nesse site.

      1. Censuram sim pois eu nem posso falar la”””ção, grandes merda essa palavra, pode remover outros comentários que dizem outras coisas que fosses dizem ofensivas mas censurar uma palavra dessas é ridículo e é sim censura, já fiz uns 3 comentários com essa palavra e nenhum deles foi aceito, o que? A verdade dói? E porque diabos julgam quem critica porcarias como esse Entrevista com o Vampiro? Não temos o direito de criticar algo por não ser fiel ao material original? Você aceitaria de boa um A Casa dos 7 Homens? Um Pantera Branca? Uma série nova da Xena que troca ela por um homem? Um Candyman branco? Duvido que você aceitasse essas mudanças de boa. Estou ciente de que Entrevista com o Vampiro possui temas de homossexualismo até mesmo no filme do Tom Cruise e do Brad Pitt, porém é em outras coisas que eu critico a serie e você deve saber o que é, só não falo pois tenho o risco de sofrer “censura democrática”, só o que posso dizer é que essa mudança fez até a série mudar o periodo em que se passa, o que é uma extrema frescura desses tempos frouxos e covardes. Dei meu argumento, mas se quiser continuar me chamando de fascista, nazista, homofobico, monstro, racista e machista então pode continuar, tem certas pessoas hoje em dia que não mudam a cabeça mesmo com fatos sendo apresentados.

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          sim, sim, já entendi que o problema é o Louis ser negro, João. só posso dizer que vc tá perdendo uma puta de uma série. azar é seu.

        2. “Você aceitaria de boa um A Casa dos 7 Homens? Um Pantera Branca? Uma série nova da Xena que troca ela por um homem? Um Candyman branco?”

          Imagina o eco que faz dentro dessa cabeça hahahahaa

  2. Realmente foi uma mudança brusca, e se você não deixar o saudosismo de lado fica difícil curtir. Porém nasceu algo novo e bastante interessante. O conceito gótico clássico vampiresco dividiu o espaço com uma pegada “southern gothic”. De um lado a Ópera e de outro, Jazz e Ragtime…

    A mudança na importância da personagem do Sr. Malloy foi um dos pontos altos. Nós nunca sabemos quando ele pode deixar Louis puto da vida e acabar morto hahaha. Mas creio que magnetismo esteja todo em Lestat. Sádico, blasé, romântico, cínico.. perfeição pura, grande papel!

    Sobre a fidelidade ao original… qualquer produção artística é como colocar filho no mundo. Um dia ele deixa de ser seu e pode virar algo completamente diferente do que você pensou.

  3. 5 caveiras pra essa porcaria? Tá de palhaçada, nem a pau vou perder meu tempo vendo essa bosta porém eu sei que ela não vale isso de nota, prefiro ficar só no primeiro filme mesmo pois aquele sim mostrava mais respeito ao livro em que se baseia e não tentava enfiar aquilo que começa com “la” e termina com “ção”, não falarei a palavra toda porque o site sempre me censura (a censura democrática dos tempos modernos) e os comentários em que eu usava essa palavra “”maldita”” nunca eram publicados.

    1. Também, mais um mané que só sabe reclamar de lactação, tem mais é que ser ignorado mesmo. E se te incomoda tanto, PRA QUE tu entra no site? Tesão reprimido?😂

      1. Porque seu mané? Porque o site fala de outros filme ué, pergunta de bosta

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          É que vc usa bastante do seu tempo aqui pra odiar a gente e o que nós falamos ou escrevemos, né, João? Não é uma pergunta de bosta não, na verdade faz todo o sentido.

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