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Quem Vai te Ouvir Gritar: Uma Antologia de Horror Negro
Original:Out There Screaming: An Anthology of New Black Horror
Ano:2024•País:EUA
Autor:Jordan Peele, John Joseph Adams, N.K. Jemisin, Rebecca Roanhorse, Cadwell Turnbull, Lesley Nneka Arimah, Violet Allen, Erin E. Adams, Tananarive Due, Justin C. Key, Ezra Claytan Daniels, Nnedi Okorafor, L.D. Lewis, Nalo Hopkinson, Maurice Broaddus, Rion Amilcar Scott, Nicole D. Sconiers, Chesya Burke, Terence Taylor, P. Djèlí Clark, Tochi Onyebuchi•Editora: Suma

Jordan Peele ficou conhecido no mundo do horror após o sucesso de Corra! – seu primeiro trabalho como diretor de um longa -, alcançando o incrível feito de ser indicado a diversas categorias no Oscar de 2018, entre elas, a de Melhor Filme. Sabemos o quanto é raro filmes de terror serem reconhecidos pela academia, então foi uma grata e justíssima surpresa. Com uma crítica afiada, Peele deixou todos embasbacados com o jeito que uniu terror psicológico e horror social, o que acabou virando uma de suas marcas. A forma perturbadora com a qual retratou o racismo e diferenças sociais em Corra! consagrou-o como um nome de grande interesse para o gênero. Já em seu filme seguinte, Nós, o tema não é abordado mas, segundo o diretor, era imprescindível ter uma família negra no centro de tudo. Então, muito além de horror social, o diretor faz questão de dar vozes e protagonismo a pessoas negras, muitas vezes marginalizadas. Sendo assim, não é difícil imaginar que Jordan Peele, junto do editor John Joseph Adams, é a pessoa mais indicada para organizar e lançar uma antologia de horror negro, juntando 19 autores negros com seus contos que vão desde histórias sobrenaturais, cheias de magia e seres místicos, ao simples horror cotidiano, palpável.

Em Quem Vai te Ouvir Gritar, Jordan Peele assina o prefácio e fala um pouco sobre as oubliettes, cruéis masmorras utilizadas na Idade Média, feitas não para promover a dor física, mas sim destruir a mente. Os prisioneiros eram deixados em uma cela no fundo de um poço, esquecidos, apenas com a própria companhia – e, às vezes, dos cadáveres de prisioneiros anteriores -, o que os levava lentamente à insanidade. Ali, naquele poço tão profundo, ninguém os ouvia gritar. Essa foi uma das inspirações para o “lugar afundado” do protagonista de Corra!, e também cabe muito bem para explicar o título escolhido para a antologia.

O primeiro conto, Olho Imprudente, mostra um policial parando o carro de uma mulher negra única e exclusivamente pela sua cor e pelo carro ser caro, o que só pode significar que não é dela, em sua visão. A moça é liberada após mostrar que é advogada e poderia causar sérios problemas ao policial, e nessas duas páginas achamos que já sabemos qual o tema desse conto. Policiais brancos parando negros sem motivo e abusando da autoridade. Mas, para nossa surpresa, não é por esse caminho que vai a história. O policial – que, aliás, é negro e mal visto pelos seus colegas de trabalho – desenvolve algum tipo de poder, e começa a enxergar olhos nos faróis dos carros que possam estar envolvidos em crimes. O final é aberto à interpretação, mas fica claro que faz uma crítica a todo o sistema policial e de justiça, isso aliado a um certo grau de sobrenatural.

Olho e Dente, o conto seguinte, merece destaque. Dois irmãos com poderes paranormais vão ao auxílio de uma senhora, no interior do Texas, que afirma ter algo estranho rondando sua fazenda. É uma história cheia de tensão e reviravoltas, que prende até a última linha. Aqui lidamos com fantasmas e o desconhecido, muito bem trabalhados pela autora Rebecca Roanhorse.

Logo após, Diabo Errante é um dos mais fracos da coletânea, que fala de um homem que vive mudando de cidade, nunca se fixando em lugar algum. Um dia, recebe um alerta sobre esse hábito de um desconhecido misterioso. Alguns elementos sobrenaturais presentes, mas pouco acontece.

Invasão dos Ladrões de Bebês já puxa mais para o lado da ficção científica. Alienígenas engravidam humanos e pretendem dominar a Terra, e uma agência especializada precisa se certificar que isso não aconteça, exterminando as ameaças imediatamente. Apesar da temática de aliens, temos muito mais suspense e, conforme o final se aproxima, muitas coisas parecem apressadas ou mesmo inacabadas em seu desfecho. O que é uma pena, pois tem grande potencial.

A Outra é um conto macabro sobre uma mulher que recebe mensagens assustadoras da atual namorada de seu ex. Esse é um dos contos onde o horror está mais presente, com direito a muito gore, obsessão e sangue.

Lasirên é uma história sobre uma figura mística muito conhecida: a sereia. Alertadas por sua mãe, três irmãs são abordadas por uma sereia, que leva uma delas. Anos depois, a irmã desaparecida volta. Cheio de mistério e com um desfecho redondinho, é um conto instigante.

O Viajante é um dos melhores contos, e um dos mais fortes também. Duas garotas negras viajam em plena época de segregação racial, correndo risco de vida apenas por existirem. E esse risco é ainda maior por serem ativistas dos direitos de pessoas negras. Antes de partirem, um policial vai falar com o motorista, em uma atitude altamente suspeita. Logo, as meninas percebem que o trajeto pelo qual estão sendo levadas não é o correto, e provavelmente serão emboscadas por brancos com sede de sangue. A história traz elementos sobrenaturais que enriquecem ainda mais a narrativa, que já possui uma atmosfera bem pesada. Uma Fábula Americana é outro conto de temática semelhante, onde um soldado negro viaja de trem e é hostilizado pela sua cor. Também há a presença do sobrenatural, que fortalece ainda mais a narrativa que, apesar de todos os horrores, não deixa de ser emocionante.

O Esteta é uma distopia onde obras de artes são coisas vivas, e uma delas, tão perfeita quanto uma pessoa de verdade, é escolhida. Toda a ambientação é muitíssimo criativa e interessante, mas peca em seu final.

Usando do horror cósmico, temos o conto Cintilação, onde uma escuridão crescente parece tomar conta do mundo. Também trabalha com o horror psicológico, mas, novamente, o final deixa a desejar.  Outro conto que trabalha um pouco do gênero é A Mulher Obia Mais Forte do Mundo, onde uma mulher se une a um demônio que deveria ser seu inimigo mortal. Horror cósmico e corporal se juntam em uma ótima história com muito gore em seus momentos finais.

Seu Lugar Feliz conta a história de um homem que transporta prisioneiros, mas nota que muitos deles não voltam de um projeto em desenvolvimento na prisão. Ao investigar, descobre uma tecnologia pavorosa. É um ótimo conto e com boa construção, apesar de algumas poucas falhas, mas fica mais assustador quando lembramos que a inteligência artificial está cada dia mais tomando conta de nossas vidas.

Os cinco contos restantes utilizam do sobrenatural e, muitas vezes, do luto. E, para fechar a antologia, História de Origem é uma peça teatral protagonizada por quatro garotos brancos, que discorrem sobre seus privilégios, sobre pessoas de outras raças e as ideias absurdamente perturbadoras que cogitam. É um encerramento forte, com uma crítica social bem exposta.

Em suma, apesar de alguns contos serem mais fracos e com finais abruptos, a antologia é muito competente com o proposto e aborda, em geral, diversas questões culturais e raciais que promovem profundas reflexões, misturando fantasia, ficção e horror. Os contos não são longos, o que é tanto positivo quanto negativo. Positivo por não se tornarem desnecessariamente cansativos e enrolados, mas negativo justamente pela falta de desenvolvimento de alguns, que terminam de forma apressada ou insatisfatória. Nesses casos, algumas páginas a mais teriam feito diferença, mas pode ser apenas uma questão de gosto. De qualquer modo, há muitas histórias excelentes, mas tenha em mente que nenhuma delas é tão apavorante a ponto de te fazer perder o sono, apesar de que uma ou outra talvez reverbere por um tempo nos seus pensamentos, pelos mais variados motivos.

Como dá para notar, Quem Vai te Ouvir Gritar é uma miscelânea de vertentes do horror e ficção, cada autor e autora com seu estilo único, não se apoiando única e exclusivamente no horror social – apesar de, é claro, ele estar presente em diversas histórias e, obviamente, o ponto central são os personagens negros em destaque. Há a ameaça do desconhecido, de outras formas de vida, do escuro, mas também do conhecido, da realidade, do que o ser humano é capaz. O que é mais assustador, um fantasma assombrando sua casa, ou um grupo de pessoas – algumas até mesmo conhecidas – com armas em punho e raivosas, esperando você passar e te intimidando única e exclusivamente por causa de como você é, pela sua raça, pela sua aparência? Com tantos contos abordando as mais diferentes temáticas, o leitor pode decidir qual dessas situações que o fariam gritar. De medo, de desespero, de horror, de loucura, ou em forma de súplica.

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