A Noite dos Mortos-Vivos 3D
Original:Night of the Living Dead
Ano:2006•País:EUA Direção:Jeff Broadstreet Roteiro:Jeff Broadstreet, George A. Romero, Robert Valding, John A. Russo Produção:Jeff Broadstreet Elenco:Brianna Brown, Joshua DesRoches, Sid Haig, Johanna Nicosia, Adam Chambers, Ken Ward, Greg Travis, Alynia Phillips, Max E. Williams, Cristin Michele, Marcia Ann Burrs |
A primeira conclusão que posso tirar no encerramento dos créditos finais de A Noite dos Mortos Vivos 3D, lançado em DVD no Brasil pela distribuidora Visual Filmes, é que o grande mestre George A. Romero foi vítima de alguma maldição vodu. Inicialmente porque seu primeiro clássico já nasceu em domínio público, anos depois o roteirista John Russo fez uma abominação chamada Night of the Living Dead: 30th Aniversary Edition, na sequência em que foi realizado um aborto cinematográfico chamado Dia dos Mortos 2 e na mesma esteira melequenta saiu isso…
Obviamente não dava para esperar nada de bom da produção do diretor Jeff Broadstreet (de outras aberrações como Sexbomb, com Linnea Quigley), no entanto por mais que fosse possível esperar o pior, eu não estava preparado para receber tamanho desrespeito à obra de Romero e tantas tolices agrupadas juntas em 80 minutos de projeção, mesmo que não fosse um remake do clássico.
Não vou desatar nos elogios a Noite dos Mortos-Vivos original e nem destacar a sua importância até porque ela é conhecida de todos os fãs do gênero (e se não sabem, o Boca do Inferno tem várias loas ao clássico, só procurar por aí 🙂 ), basta saber que Broadstreet ignorou tudo isso e apenas se aproveitou do caráter de domínio público da produção para apenas usar o título e fazer sua refilmagem.
E foi assim – sem pagar um tostão de royalties para os envolvidos na película de 1968 ou ao menos consultar George Romero – que o pseudo-escritor Robert Valding em seu primeiro trabalho teve a responsabilidade de refazer o roteiro original. Acontece que Valding fez alterações tão drásticas e profundas na tentativa de “modernizar” o script que acabou contribuindo para um resultado tão pífio que nem a característica visual de ser filmado em 3D conseguiu salvar.
As modificações já aparecem no início: Barbara (Brianna Brown, pontas em Divisão de Homicídios e Homem-Aranha 2) e Johnny (Ken Ward, figurinha carimbada dos filmes de Broadstreet) vão ao funeral de sua tia, mas ao chegar não encontram ninguém por lá, apenas o caixão em posição de ser enterrado. Os dois começam a especular sobre o que pode ter acontecido, porém suas dúvidas são sanadas quando a mãe deles surge como um zumbi atacando ambos.
O covarde Johnny é mordido e foge com o carro deixando a irmã sozinha no cemitério enquanto os mortos vivos começam a se amontoar. Barb – que de boba não tem nada – corre para o outro lado até a sede da agência funerária onde presencia uma constrangedora cena onde um padre é atacado por um gordão pelado (aliás, cenas nesse nível é o que não faltam aqui). No desespero ela encontra o bizarro proprietário Gerald Tovar Junior (o saudoso Sid Haig, de A Casa dos 1000 Corpos e Rejeitados pelo Diabo), que sabiamente recomenda que Barb “volte amanhã, porque hoje tem uma situação estranha ocorrendo“, enquanto luta contra o zumbi utilizando uma pá…
Anoitece de uma hora para outra e, no meio da correria, ela tenta ligar para Johnny via celular, parecendo muito mais lúcida que no filme clássico. Na adversidade encontra um misterioso motoqueiro que dá um safanão nos mortos-vivos ao estilo 3D dos anos 80 – ele é a nova versão de Ben (Joshua DesRoches).
Ben, que na repaginação virou um universitário, decide levar Barb para uma fazenda próxima a uma propriedade da família Cooper, capitaneado por Henry (Greg Travis, de Mortuária e Noites de Terror, ambos de Tobe Hooper) e sua esposa Hellie (Johanna Black). Na casa se encontram também a filha Karen (Alynia Phillips), o ajudante maconheiro Owen (Adam Chambers) e tentem adivinhar o que estão fazendo? Assistindo A Noite dos Mortos-Vivos original! Ou seja, não bastava apunhalar o roteiro, precisava inserir o original dentro deste filme para parecer que “o pesadelo salta da tela para o mundo real…” É muita cara de pau…
Barb discute com Henry para que avise as autoridades sobre os zumbis, todavia Henry não está apenas cético a respeito, ele não quer a polícia no local, pois é plantada maconha na fazenda! Vai vendo! Ah sim, e eles não tem celulares no local por ordem de Henry, vai saber porquê… A fazenda começa, então, a ser tomada pelos mortos-vivos, porém nada de desolação, claustrofobia ou crise global: o rádio está mudo, a TV não funciona, só que tudo indica ser um incidente local. Tudo porque em seguida Tovar Jr. aparece abrindo caminho entre os zumbis com sua pá e entra na residência dos Cooper explicando o ocorrido.
Tovar diz que tem medo de fogo e por isso amontoa os cadáveres levados pelas famílias para serem cremados, contudo o hospital das proximidades também quer usar seu o crematório para eliminar resíduos de experimentos e lixo hospitalar. Consequentemente o vazamento destas substâncias na proximidade dos corpos fizeram que os mesmos reanimassem, além disso, os incidentes já aconteceram algumas vezes antes, mas neste dia tomou proporções catastróficas.
O resultado dessa história esdrúxula deixa poucas opções para os amotinados na casa a não ser se defender e tentar sobreviver aos ataques. Contudo não vai ser tão fácil assim – para o roteirista Valding isso NÃO PODE ser tão simples – Barb, Ben e Tovar optam por trocar de refugio e seguem para a casa do agente funerário, já a família Cooper tenta defender sua propriedade. Então quando o filme parece deslanchar, reviravoltas deixam a coisa ainda pior e o parto termina com um final risível, sem uma fração do impacto do clássico de 1968.
O leitor que se lembra do original sentiu falta de alguém nessa sinopse? Que tal o casal Tom (Max Williams) e Judy (Cristin Michele, de 2001 Maníacos)? Neste remake eles não têm função NENHUMA na trama e suas cenas se limitam a seguinte sequência de eventos: Sexo, sexo, sexo, fuga e morte.
É porco de tão ruim! Assim, para a análise do filme em si resolvi fazer algo mais tangível: separei e enumerei os pontos positivos e negativos da produção. Tentei ser o menos tendencioso o possível e embora tenha achado uma tranqueira, você, caro leitor, é o juiz. Coloque os fatos na balança e veja se vale a pena, afinal são 80 minutos da sua vida que podem ser perdidos aqui…
QUINZE MOTIVOS PARA NÃO ASSISTIR “A NOITE DOS MORTOS VIVOS 3D”
1) Personagens ríspidos no exato avesso da produção de Romero: não dá para simpatizar com uma família que planta maconha, um traficante, um casal promíscuo e um homem que fica chapado o filme inteiro;
2) A interpretação de Joshua DesRoches para um papel importante como o de Ben fica além do horrível;
3) O suplício dura 80 minutos, porém parecem 80 horas por causa da edição arrastada e desinteressante;
4) As capacidades atrativas do visual 3D não foram exploradas devidamente: a lá anos 80, pelo menos poderiam colocar intestinos ou cérebros saltando para a tela, por exemplo;
5) Ao menos que seja um maconheiro, você não vai querer ver um baseado sendo oferecido para a câmera em 3D;
6) Uma reviravolta final incrivelmente tosca e nonsense ao extremo;
7) O uso de cenas do clássico de 1968 transpira picaretagem e insulta a obra de Romero;
8) Para um filme pretensioso como esse o uso de maquiagem que parece papel machê é inaceitável;
9) Muitas mortes off-screen e pouco derramamento de sangue, que poderiam desviar a atenção do roteiro malfeito;
10) Broadstreet desperdiça boa parte do gore com CGI. Precisa dizer mais alguma coisa?
11) A trilha sonora é repetitiva, ajudando a aumentar o tédio;
12) A história não tem um traço de crítica social como o original e o remake dirigido por Tom Savini;
13) Ouvir diálogos inspiradores como quando Henry vê os zumbis e fala: “Esse caras tão passando uma viagem muito louca“;
14) Não há uma citação, agradecimento ou pedido de desculpas – como seria mais apropriado – ao nome de George A. Romero, John Russo ou qualquer envolvido com a película de 1968;
15) Espere até a última cena após os créditos finais que você terá o décimo quinto motivo;
CINCO MOTIVOS PARA ASSISTIR “A NOITE DOS MORTOS VIVOS 3D”
1) Uns poucos efeitos em 3D são bacanas, mas com ênfase no “uns poucos“;
2) Sid Haig é uma figura e rouba a cena toda vez que aparece;
3) Em todos os frames em que Cristin Michele aparece ela está pelada e tem um corpo muito bonito;
4) É um bom motivo para você desenterrar aqueles óculos de lente azul e vermelha que você recebeu da turnê do Kiss no Brasil em 1999 ou da vez que você levou seu irmãozinho para aquela sessão de Shark Boy e Lava Girl;
5) Não encontrei um quinto motivo… Desculpem…
Para resumir tudo o que está descrito acima, enquanto Romero fez o original com o coração e com a vontade de se criar algo para transmitir uma mensagem, A Noite dos Mortos Vivos 3D foi feito exclusivamente para capitalizar (o que merecidamente não conseguiu), colocou mais uma pilha de argumentos para os detratores das refilmagens, pois – com o perdão do trocadilho – este filme nos deu uma nova dimensão para a palavra porcaria. Caso ainda queira uma noite sádica de torturas, prefira assistir ao programa da Luciana Gimenez.