Sina
Original:Sina Ano:2022•País:Brasil Autor:Márcio Benjamin•Editora: Darkside Books |
O nordeste brasileiro guarda grandes belezas, isso é um fato. Mas também esconde diversos mitos sombrios que apenas seus habitantes conhecem, e esse conhecimento é passado de geração para geração da forma mais antiga que existe: contando histórias. Márcio Benjamin nos transporta por uma assustadora viagem ao longo do sertão, onde compartilhará conosco narrativas macabras cheias de assombrações e demônios e personagens que não podem fugir de seu destino já há muito traçado.
Em Sina, Zé Trancoso é nosso protagonista e também o contador das histórias arrepiantes que aqui encontraremos. Enquanto viaja, sua caminhonete para subitamente e, sem água, sem comida e sem pessoas por perto, o desespero é certo. Logo adiante, encontra três senhoras guardando a entrada de uma cidade e não demora a lhes pedir ajuda, que é negada. Trancoso, então, faz um acordo: ele contará três histórias, uma para cada, e mais uma em homenagem a sua mãe e, caso gostem do que vão ouvir, sua passagem será concedida. Histórias contadas e aprovadas por sua modesta, porém importante, plateia, Zé consegue entrar na cidade para conseguir alguma ajuda. Lá, acaba encontrando um circo, onde é logo contratado, e seu passado vem à tona – e ele faz questão de compartilhá-lo conosco.
Algo errado ocorre naquele lugar que o acolheu, com um autoproclamado profeta liderando o povo, que acaba virando seu rebanho sem vontade própria, e agora nosso contador precisa lidar com sua sina e escapar com vida daquele local amaldiçoado.
Márcio Benjamin tem todo o cuidado de escrever de uma forma que pareça que o protagonista está, de fato, contando uma história diretamente para o leitor ali, pessoalmente. Suas descrições dos acontecimentos, detalhados com linguagem simples – o que reforça a ideia de que estamos ouvindo tais relatos diretamente da boca de Zé Trancoso –, faz com que imaginemos todo o horror que seus personagens testemunharam, com cenas de arrepiar os cabelos e, em alguns momentos, tapar os olhos.
Enquanto nos deslumbramos com suas histórias sangrentas, que aos poucos fica claro que não são apenas histórias de um contador, e sim acontecimentos reais presenciados sertão afora, a trama principal segue se expandido e se conectando, revelando muito mais do que inicialmente aparenta. Um acordo feito há muitos anos, uma seita cruel disfarçada com boas intenções, a vida por um fio e um salto temporal são interligados e revelam a sina daquele povo honesto e trabalhador que, em algum momento, se desviou do caminho por algum motivo e acabou eternamente punido. Alguns tentaram escapar, mas o destino não demora a encontrá-los.
Em seus contos, encontramos mitos e lendas (será que o leitor vai reconhecer o trio não tão simpático de senhoras?) que ganham vida graças à escrita de Márcio Benjamin, e também figuras clássicas que podem ser encontradas em qualquer interior que se preze: o padre, um circo local, o menino que desobedece a mãe preocupada e fica até tarde brincando no riacho, o pai com mão firme, a senhora cheia de fé, entre outros. Junto de tantos personagens carismáticos e relacionáveis, o medo da fome e da seca se junta ao medo do desconhecido. O mal está à espreita, apenas esperando por um deslize. Do meio de caminhos poeirentos e plantações mortas surge um ser aparentemente amistoso oferecendo um acordo em troca de bonança, e é preciso ter pulso firme e mente forte para não ceder. Caso contrário, o autor deixa claro os pavores que virão em troca de alguns momentos de fartura. No meio de tantas ameaças sobrenaturais, uma crítica de algo real muito presente e tão assustadora quanto os mitos: o fanatismo religioso. Líderes religiosos usando a fé alheia para promoverem seus interesses malditos, movimentando multidões com promessas vazias, manipulando-os como fantoches, tratando-os como carcaças vazias dispostas a seu bel-prazer, destruindo seus espíritos em troca de migalhas fantasiosas. Se isso não fica claro no dia a dia, aqui, em Sina, o autor nos dá esse tapa na cara para acordarmos e não passarmos pelo inferno que os moradores de sua obra passaram.
Complementando a escrita, o livro possui ilustrações de Shiko, que capta e retrata muito bem todo o clima soturno e sufocante do sertão naquele momento, com elementos horripilantes junto a cenas comuns.
Cheio de mistérios ocultos, sangue espirrado e pessoas acolhedoras, Sina é um folk horror recheado de contos macabros, lendas assustadoras e uma magia que apenas o sertão nordestino pode proporcionar. Pegue um banquinho ou sente em roda no chão, não se importe com a poeira e pegue um copo de cajuína para acompanhar as histórias que serão contadas e embarque nessa viagem sinistra, mas não ache que tudo é ficção e invenção, não. O terror está mais perto e presente do que se imagina, e Márcio Benjamin não nos deixa esquecer disso a cada linha proseada.
Sina foi o livro escolhido para o encontro de novembro do Clube do Livro Boca do Inferno, em parceria com a Poison Books, que aconteceu no dia 24/11. Falamos de temas como maternidade, fome, causos que nossas avós nos contavam, culturas, modos de fala e diferentes estruturas na literatura.
O próximo encontro do Clube do Livro, o último desse ano, acontecerá no dia 15 de dezembro, domingo, a partir das 14h30 na livraria Poison Books (Rua Júlia Izar, 31 – Tatuapé/SP). O livro discutido será Desilusão de Ótica, de Úrsula Antunes.
Texto publicado originalmente em 08/08/2023 e atualizado para incluir as informações sobre o encontro do Clube do Livro.
Cajuína? Aaaaaaaah… Nordestina porreta você, kkkkkkkkkkkkkk. Tenho a sorte de ser de uma das pouquíssimas cidades do sertão paraibano que comercializa o refrigerante mais gostoso do país. Amei a divulgação, não sabia do livro e já vou procurar saber onde adquirir. Parabéns!!!
Tá na minha pilha de leitura … o FOME do Kiss Me ( Benjamin … kkkk ) e f … demais ! Muito bom
“Existirmos, a que será que se destina? ” hehe. Muito grato! Adquire mesmo, certeza de que vai amar!
Valeu, Luizito! Leia mesmo! Em breve a continuação de Fome!
Que coisa mais linda de papai do chão! Vocês como sempre uma pedra (lápide? Hehe) fundamental na divulgação do terror nacional! Muito obrigado pelo apoio de sempre. Eu, Trancoso e a sua ruma de malassombro agradecemos comovidos!