Hellblade II: Senua’s Saga
Original:Hellblade II: Senua’s Saga Ano:2024•País:UK Desenvolvedora:Ninja Theory•Distribuidora: Xbox Game Studios |
Em 2017, o estúdio Ninja Theory causou um verdadeiro impacto no mundo dos games ao lançar Hellblade: Senua’s Sacrifice. Com uma equipe de aproximadamente 20 pessoas, eles conseguiram produzir um jogo que parecia vindo de um estúdio multimilionário, mas com uma proposta inovadora: juntar tudo o que poderia haver de bom em um jogo AAA, porém em um escopo bem menor, com o objetivo de elevar a qualidade técnica ao máximo.
Mais do que isso, o primeiro Hellblade nos colocou no inédito papel de uma personagem com psicose, tratando o tema com grande sensibilidade, respeito e um impacto audiovisual imenso, ao mesmo tempo em que trazia na jogabilidade a possibilidade de compreender o mundo das pessoas que sofrem desse distúrbio.
O reconhecimento do primeiro jogo foi enorme, mas, desde então, o mercado mudou ainda mais. Os investimentos se tornaram muito mais agressivos e corporativos, a proposta de jogos “infinitos” explodiu, e a própria Ninja Theory foi adquirida, passando a fazer parte dos estúdios exclusivos da Microsoft. Mesmo assim, nada disso alterou o foco da empresa para o que eles desejavam com Senua’s Saga: Hellblade II, um jogo que, além de incrível, continuou a desafiar a forma como os games são feitos hoje.
Extremamente ambicioso como continuação, Hellblade II segue os passos de seu antecessor, entregando uma experiência de apenas 7 horas de duração, mas com uma proposta muito maior dentro do universo que cria e expande, enquanto suas qualidades técnicas são simplesmente de cair o queixo, em um cenário surreal de uma Islândia devastada no século X.
Na trama, a protagonista Senua busca vingança por seu povo, permitindo-se ser capturada pelos vikings para chegar até suas terras e confrontá-los pela escravidão e assassinatos impostos aos celtas. No entanto, o plano desmorona quando o barco escravagista onde ela está afunda, levando quase todos, companheiros e algozes, ao fundo do oceano ou à morte na praia. Senua, então, se vê no início de uma nova jornada, perdida em uma costa tortuosa, acompanhada apenas pelas inquietantes vozes em sua cabeça, que a julgam, apoiam, diminuem, alertam, sentem medo e a encorajam… tudo de maneira perturbadora e simultânea.
Se o primeiro Hellblade era uma jornada pessoal, com Senua descendo a mundos nórdicos além do nosso para salvar a alma de seu amado, agora temos uma saga de heroísmo, em que a personagem precisa lidar com os horrores da realidade, sendo forçada a interagir, confiar e desconfiar de outros humanos. Principalmente, ela está mais no controle de si mesma, aceitando as vozes em sua mente, mesmo que os conflitos internos continuem constantes. Se antes Senua era marcada pela instabilidade, agora ela definitivamente está mais consciente de seus traumas e mais capaz de se aceitar como é.
Com Senua precisando se aliar aos vikings – seus próprios algozes – interações complexas são reveladas, e a construção dos personagens assume uma forma madura, evidenciando a evolução do estúdio em relação ao primeiro jogo.
Senua’s Saga mantém o tom sombrio, triste e desesperançado do primeiro jogo. Todo o sacrifício físico e mental que Senua faz para avançar parece que será em vão a qualquer momento. Ela é frágil física e mentalmente, e o jogo constantemente nos lembra disso, seja nos momentos de solidão, acompanhada apenas pelas vozes, seja nas batalhas realistas, onde seu corpo, aparentemente frágil, enfrenta inimigos enormes e monstruosos, lutando ferozmente pela sobrevivência.
O jogo alterna momentos de contemplação de uma terra desolada, combates tensos, cutscenes intrigantes e puzzles simples, porém mais agradáveis de resolver que no primeiro jogo, ainda que pouco desafiadores.
Obviamente, os aspectos técnicos de Senua’s Saga são o que mais impressionam à primeira vista. Com gráficos hiper-realistas – que agora são referência para os visuais desta geração – outro destaque é o áudio binaural, que simula um ambiente 3D de maneira impressionante, especialmente com bons fones de ouvido. Gritos, o som do oceano, do vento, das explosões, da música – tudo brilha de forma impactante junto aos cenários detalhados e belos. É um trabalho quase único, principalmente nos detalhes dos rostos e diálogos, onde as microexpressões dos personagens são fascinantes e naturais.
E, claro, quando as espadas precisam ser empunhadas, Hellblade II, assim como seu antecessor, entrega momentos memoráveis, embora não seja voltado para agradar ao gosto da maioria dos jogadores atuais. Com a ideia de que cada combate seja único, a experiência é sempre individual, com Senua enfrentando um inimigo de cada vez. Há ataques rápidos, lentos, parry e esquiva, além do truque do espelho, que desacelera os inimigos quando ativado. Cada luta carrega uma enorme carga de tensão, que deixa o jogador ansioso, sem ser extremamente desafiador como um soulslike, mas ainda assim angustiante. Senua é uma guerreira formidável, mas não uma heroína cheia de técnicas e magias, e sim uma sobrevivente.
Ainda assim, falta variedade nesse aspecto. Os inimigos são repetitivos, os golpes poderiam evoluir minimamente, e até as armas poderiam mudar ao longo do jogo, mas nada disso ocorre. O brilho da mudança está, na verdade, nas batalhas contra chefes, com concepções diferenciadas que fazem desses momentos os mais brilhantes do jogo.
No fim das contas, Hellblade II é um raro exemplo de como fazer algo superior mantendo o mesmo escopo de seu antecessor. Trata-se de aumentar a qualidade, e não a proposta, indo contra as tendências mercadológicas atuais, mas apostando naquilo que a equipe realmente acredita: uma experiência de emoção genuína, que é a essência do que um videogame deve ser.
O jogo está disponível para Xbox Series e PC.