O Filho de Rosemary
Original:Son of Rosemary Ano:1997•País:EUA Autor:Ira Levin •Editora: Record |
É inegável que O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968) é um dos maiores clássicos da história do cinema de horror. Assim como todo bom filme de terror de sucesso, era de se esperar que a obra de Polanski ganhasse uma continuação, e neste caso não ganhamos só uma, mas duas. Em 1976 foi lançado diretamente para a TV o fiasco Look What’s Happened to Rosemary’s Baby (1976), uma produção desconhecida por muitos e ignorada pelos que a conhecem. Mas foi apenas em 1997, 30 anos após o lançamento do romance de Ira Levin, que foi lançada oficialmente a sua sequência canônica. Batizada de O Filho de Rosemary (Son of Rosemary, 1997), o livro foi duramente criticado, tanto pelo público quanto pela crítica especializada e, assim como a continuação de 1976, também acabou passando despercebido.
O livro conta o que aconteceu com Rosemary após o nascimento de Andy/Adrian. Como é narrado no último capítulo do primeiro livro, Rosemary acaba aceitando cuidar de Andy, ainda que sob o controle do coven de Minnie e Roman. Até que um dia, não aguentando mais ser conivente com o doutrinamento satânico que Andy está recebendo, Rosemary decide fugir com seu filho, na época com 7 anos de idade. Obviamente os satanistas descobrem seu plano e colocam a pobre em um estado de coma. Em 1999, após o último bruxo do coven morrer (Dr. Shand), Rosemary desperta após 27 anos em coma. Rapidamente as notícias sobre o seu despertar tomam conta dos principais jornais do país e Rosemary se torna uma celebridade instantânea. Como se não bastasse a repercussão sobre seu estado de saúde, Rosemary descobre que seu filho, criado pelos já falecidos Minnie e Roman, se tornou um líder mundial, à frente de uma organização de caridade chamada God’s Children (GC). Quanto ao seu ex-marido, Guy Woodhouse, ninguém tem notícias sobre o seu paradeiro, aparentemente ele não conseguiu alcançar a fama prometida.
Não demora muito para que Andy e Rosemary se reencontrem e, a partir daí, mãe e filho tentam recuperar o tempo perdido. Andy, com 33 anos, é idolatrado em todo o mundo, visto como a única pessoa que será capaz de unir todas as nações e promover a paz mundial. Fisicamente, Andy se assemelha muito à imagem ocidental de Jesus Cristo. Os olhos de tigre, as garras e os chifres ainda estão ali, mas conseguem ser controlados pela boa e velha magia negra, só aparecendo em alguns momentos. Rosemary fica maravilhada ao ver o homem que o filho se tornou, que, por sua vez, jura de pé junto ter renunciado ao satanismo e que a GC, originalmente criada para destruir o mundo, se tornou, de fato, uma ONG que leva benfeitorias às quatro partes do globo. Inclusive, Andy e sua organização estão planejando um evento para celebrar a passagem para o ano 2000 a nível global. Velas produzidas pela GC estão sendo vendidas em todos os países, para serem acesas exatamente à meia-noite do dia 1º de janeiro de 2000, ao mesmo tempo, por toda a população da Terra. Rosemary fica cada vez mais orgulhosa de seu “anjo”, como ela mesma se refere a Andy, e seus planos de unir todos as civilizações em um evento tão grandioso e bonito.
Neste livro também são apresentados personagens novos. Judy é uma mulher de origem indiana que trabalha na GC e mantém um caso com Andy – ela acaba sendo responsável pelo primeiro plot twist da trama, com um desfecho semelhante ao de Hutch no primeiro livro. Joe Maffia é o motorista e amigo de Andy, um homem de meia-idade que representa quase que uma figura paterna ao rapaz, se tornando também um possível interesse amoroso de Rosemary.
No primeiro livro o grande mistério gira em torno da sanidade mental de Rosemary: ela estava ficando louca ou realmente todos ao seu redor eram bruxos? Dessa vez, a dúvida que paira no ar é: Andy está sendo sincero quando diz que se afastou totalmente do satanismo, ou está mentindo e planeja cumprir seu destino enquanto anticristo? O mistério é – mais ou menos – revelado apenas no último capítulo.
Como dito anteriormente, o livro recebeu uma chuva de críticas negativas, muito por conta das comparações com a obra prima de 1967. O maior defeito do livro é ser um tanto quanto enfadonho. Sua maior parte é destinada a narrar fatídicos e longos eventos sociais, jantares e reuniões de Andy e Rosemary com políticos, empresários e pessoas importantes. Ou seja, o suspense aterrador que ocupava as páginas da história original de Ira Levin perdeu espaço para descrever a nova vida glamorosa de Rosemary. A relação incestuosa entre Andy e Rosemary também é controversa e pode gerar algumas passagens desconfortáveis.
Apesar dos defeitos já mencionados, a continuação de O Bebê de Rosemary também tem seu lado bom. Ainda que um pouco mais óbvio que o mistério do primeiro livro, o questionamento sobre o caráter de Andy também gera momentos de suspense em tensão, com destaque para o Capítulo 15, quando Rosemary, aparentemente, descobre toda a verdade. Se para uns o final pode ser considerado a pior parte do livro, para mim, foi justamente o que o salvou.
ATENÇÃO! AVISO DE SPOILERS!!!
Rosemary descobre o que era óbvio: o evento das velas promovida pela GC fazia parte dos planos do pai de Andy para começar o apocalipse. Ao acender as velas a população estaria liberando um vírus mortal que iria dizimar toda a espécie humana, no reveillon de 1999 para 2000. Curiosamente, após reler o livro há algum tempo atrás, foi impossível não notar semelhanças com a pandemia de COVID-19, cujo primeiro alerta foi registrado em 31 de Dezembro de 2019. Profecias à parte, o final é marcado por momentos importantes como o encontro de Rosemary com Joe/Satã (sim, o motorista de Andy era na verdade seu pai disfarçado todo esse tempo) e Andy sendo crucificado, após se arrepender no último minuto e tentar salvar o mundo, enquanto luta para que sua metade humana prevalecesse.
Por fim, com o inevitável fim do mundo se aproximando, Rosemary aceita a proposta de Joe/Satã e vai com ele para o inferno, com a promessa de ter uma vida eterna sendo jovem e bela. É claro que ele estava mentindo e, ao que tudo indica, Andy também, quando a incentivou a aceitar a proposta. Rosemary então acorda ao lado de Guy, como se todos os acontecimentos do primeiro e do segundo livro fossem apenas um sonho. Foi esse o final que revoltou a grande maioria dos leitores, porém, o desfecho não é tão simples assim. O escritor Ira Levin deixou um enigma que supostamente revela a explicação do final verdadeiro de Rosemary: o anagrama Roast Mules. Sem nenhuma resposta oficial, a versão mais aceita entre os fãs é que Roast Mules significa Somersault (cambalhota). Ou seja, Rosemary está fadada a reviver os piores momentos de sua vida, desde o dia em que decide se mudar para o Edifício Dakota, ou o Bram, por toda a eternidade, e esse será o seu inferno.
Fica aqui o excerto em que Levin fala sobre a charada:
“A charada Roast Mules me foi apresentada num casamento há sete anos por um homem que conheço apenas como o pai da atriz Bebe Neuwirth. Eu o xinguei por muito tempo – com delicadeza, por causa de sua filha, mas agora sou grato a ele também. A solução para a charada é honesta e agradável. Não gastem selos comigo.” (Ira Levin – O Filho de Rosemary)
A resposta para o anagrama, que, conforme explicado no livro, poderia ser resolvido por uma criança de 6 anos, nunca foi revelada pelo autor, deixando os leitores a ver navios até hoje e proporcionado outro fim infernal, dessa vez para os fãs. O livro foi dedicado à atriz Mia Farrow.
FIM DOS SPOILERS!
O Filho de Rosemary, longe de ser perfeito, não foi a sequência que os fãs pediram, mas acho difícil encontrar um final à altura do primeiro livro e que agradasse a todos. Apesar dos capítulos monótonos, proporciona momentos de suspense e um final enigmático que, se as apostas dos fãs estiverem corretas, não poderia ser tão perfeitamente terrível. Por fim, O Bebê de Rosemary teve o privilégio de ganhar uma sequência oficial, escrita pelo seu criador, algo que nem todos os clássicos do terror podem se gabar de ter. É uma leitura obrigatória para quem gostou do primeiro livro/filme e gostaria de saber o que aconteceu com Rosemary e seu bebê, mesmo que, até então, fora das telonas.