![]() Nosferatu: Sinfonia das Sombras
Original:Nosferatu: Eine Symphonie Des Grauens Ano:2024•País:UK Autor:Kevin Jackson•Editora: Darkside Books |
Em 1921, o hoje indiscutivelmente famoso Drácula, escrito por Bram Stoker, ainda não era um sucesso de vendas, apesar de ser bem elogiado pela crítica. Albin Grau, estudioso e entusiasta do ocultismo, já mostrava interesse no tema vampiros e temáticas sobrenaturais e decide, então, fundar uma produtora, a Prana-Film, com o empresário Enrico Dieckmann. Sua intenção era produzir filmes com elementos sobrenaturais e/ou macabros e, devido a um já existente fascínio em histórias de vampiros, sua primeira – que também acabou sendo a última – produção seria Nosferatu. Imaginando que, usando como base o romance Drácula e mudando alguns nomes, locais e período que se passa a história, não teria maiores problemas e seguiu em frente com sua ideia, recrutando F. W. Murnau como diretor desse filme que se tornaria um grande marco na história do cinema, mas não sem passar por grandes problemas. Após o lançamento de Nosferatu, Florence Stoker – a viúva de Bram Stoker – tomou conhecimento dessa releitura não autorizada e, furiosíssima, processou a Prana-Film. A pequena produtora acabou falindo e foi decretado que todas as cópias fossem destruídas. Felizmente algumas cópias se salvaram e, a um oceano de distância, foram exibidas e fizeram com que Nosferatu se consagrasse um clássico do cinema de horror que, tal qual Conde Orlok, atravessou mares, gerações e sobreviveu por mais de um século, deixando um legado inesquecível na História do Cinema.
Nosferatu: Sinfonia das Sombras, escrito por Kevin Jackson, faz parte da coleção Clássicos do Cinema BFI (British Film Institute) da Darkside Books, onde faz uma análise de filmes considerados clássicos e todos seus aspectos técnicos e estéticos, sua recepção e críticas na época do lançamento, histórico de produção e promove uma discussão sobre sua importância. Fazendo parte dessa série, a editora já lançou anteriormente as análises de O Exorcista e O Silêncio dos Inocentes.
Apesar de ser uma adaptação de Drácula, Nosferatu mostra outro lado desses seres das trevas. Como dito em uma análise anterior, além do roteiro muito mais enxuto, Conde Orlok é a personificação do lado mais obscuro e bestial do vampiro, enquanto Drácula, mesmo sendo um predador cruel, é mais racional e romântico. Cada um contribuiu para diferentes representações de vampiros, com diferenças cruciais entre si, sendo um raro caso onde a “cópia” alcança o status de clássico tanto quanto o original graças às visões de Murnau e Grau.
Na obra, Jackson começa com o contexto histórico, falando da cultura da Era Weimar. Muitos perderam entes queridos na guerra, a sociedade alemã estava em luto e, ainda por cima, alguns anos antes passaram por uma terrível pandemia de gripe espanhola. Ao assistirem as cenas de ratos contaminados e pessoas mortas a cada esquina em Nosferatu, com acontecimentos trágicos reais tão recentes vívidos em mente, sentiram pavor, medo, repulsa e tristeza com ainda mais intensidade. A luta da vida contra a morte retratada no filme era palpável para seus espectadores. Com tantas emoções profundas à flor da pele, tantas crises morais e existenciais, o expressionismo ganhou força na Era Weimar, e isso acaba refletindo na arte da época, tanto nas pinturas e literatura quanto no cinema – a exemplo, é claro, de Nosferatu. Outra coisa que ganhou força foi o ocultismo e alquimia na Alemanha, sendo o próprio Grau adepto de grupos ocultistas, e tais temas também podem ser percebidos na produção. Esse contexto é muito importante para entendermos o impacto do período no qual o filme foi feito e o motivo de determinados elementos estarem ali presentes.
Dado o contexto histórico e uma breve biografia sobre Murnau e Grau, os próximos capítulos são dedicados a falar sobre os atos de Nosferatu, dissecando cada cena e analisando de forma minuciosa coisas que podem ter passado batido pelos espectadores, proporcionando novos olhares e perspectivas. O autor ainda aborda como foi o lançamento do filme em 1922 e a reação do público não apenas na Alemanha, mas também em Londres e Paris, até a viúva de Stoker tomar conhecimento e exigir que todas as cópias fossem destruídas. Alguns anos depois, a Universal conseguiu comprar os direitos de Drácula para fazer uma adaptação estrelando Bela Lugosi.
Jackson também fala um pouco sobre o remake de 1979, produzido e dirigido por Werner Herzog, e cita outras produções inspiradas em Nosferatu, como ópera, músicas, jogos, peças de teatro e muito mais, mostrando que o clássico ganhou cada vez mais força com o passar dos anos, aparecendo nas mais diversas mídias e transcendendo o tempo. A lenda de Nosferatu vive e resiste.
Finalizando a obra, Daniel Bonesso faz um dossiê dos vampiros no cinema, indo desde o Nosferatu de 1922 – não poderia ser diferente -, passando pelo Drácula de Bela Lugosi, O Vampiro da Noite com Christopher Lee, A Dança dos Vampiros de Roman Polanski, Drácula de Bram Stoker de Francis Coppola, Entrevista com o Vampiro e mais diversos outros, até chegar no recente Nosferatu de Robert Eggers. O livro foi publicado algumas semanas antes do longa de Eggers chegar aos cinemas, portanto não traz detalhes, apenas a expectativa de ser uma bela e aguardada revisitação de um clássico. E, felizmente, de fato foi.
O livro é de leitura relativamente rápida, com pouco mais de 200 páginas, mas que são suficientes para expandir nossa visão sobre a obra de 1922, trazendo algumas curiosidades pouco conhecidas. Algumas informações são mais superficiais, o que é compreensível dada a época na qual o filme foi lançado, mas ainda assim são passadas de forma competente pelo autor.
Em um momento onde os vampiros estão novamente sob os holofotes para a alegria dos fãs de longa data, e um novo público está descobrindo Nosferatu pela primeira vez, Nosferatu: Sinfonia das Sombras é a leitura ideal para conhecer mais sobre o vampiro de Murnau que passou por polêmicas e abriu tantas portas para o cinema de horror, alcançando o status de clássico. E esse clássico merece toda a relevância e vida eterna que lhe é de direito.
O livro de Bram Stocker é maravilhoso e a obra do Murnau arrebatadora. Parabéns! Excelente lançamento.